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farol n.º 24 - mil novecentos e sessenta e seis ♦ sessenta e sete, págs. 16 a 18.

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Impressões duma Peregrinação

Nas Margens do Nilo

A Terra Santa estava à vista! O Sonho, que muitos nunca concretizaram, iria ser para nós uma doce realidade. Deixamos o Líbano. Imponente, mas prostrado pela velhice, o monte Hermon recorta o horizonte. Na grandeza deste panorama, Pedro respondeu solene, à pergunta de Jesus: – «E vós quem dizeis que Eu sou? – Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo.»

Atravessando as plantações de cedros, que outrora foram a glória do Líbano, cada um de nós se recolhe no seu íntimo, como outrora os velhos Patriarcas, peregrinos de Canaan.

– Ali nasce o Rio Jordão! – aponta o guia. Imediatamente alguns peregrinos mais exigentes abrem a Bíblia para recordarem todas as passagens que falam deste rio.

Entretanto as areias do deserto da Síria, duras no seu olhar, apenas nos falam de morte. Impiedosas, não consentem sequer que os inofensivos musgos se reclinem no seu dorso. Parece que a mesma ameaça de secura e asfixia nos quer fulminar! O que vale, é que o autocarro tem frigorífico, e cada um se pode refrescar à vontade.

A Jordânia está à vista. Iríamos calcar verdadeiramente a Terra Prometida, a Terra Santa.

A primeira paragem é o local onde Jesus encontrou João Baptista.

O rio Jordão, fatigado pelos maus tratos do deserto e mergulhado / 17 / no fosso mais profundo da terra, caminha para o fim. O seu destino é o Mar Morto. Aí não terá mais história! Mas até que chegue o fim, também tem uma mensagem a transmitir. Por detrás do canto tímido e dolente das águas, poderemos descobrir o eco das palavras do Baptista: – «Preparai os caminhos do Senhor... Fazei penitência...».

Cada um de nós queria tocar naquelas águas santificadas pela presença de Cristo.

Não quis ficar de fora, pelo que imediatamente me descalcei. Não era o prazer da frescura que procurávamos, pois as águas pareciam sair dalguma furna; era sim o prazer espiritual de mergulhar naquelas águas, testemunhas da revelação de Deus: «Este é o meu Filho muito amado! Ouvi-O!»

Não demorámos muito tempo, embora, não sei porquê, sentíamo-nos bem.

O Sol declinava e Jerusalém estava à nossa espera. Passámos pelo Mar Morto. Aquilo que contemplei correspondia ao que imaginava. Um lugar de morte! Nem algas, nem aves, nem vegetação alguma. Apenas sal; cada litro de água contém 350 gramas de cloreto de sódio! Alguns tomaram banho, o que era muito agradável, principalmente para aqueles que não sabem nadar; nunca se vai ao fundo.

Sem saudades deixámos aquela ferida aberta na crosta terrestre.

A Jerusalém, suspirada pelos Profetas e pelos hebreus, no exílio, estava relativamente perto. Tudo aquilo parecia um sonho! Visitar Jerusalém...

Recordando a parábola do Bom Samaritano, iniciámos a subida para a Cidade Santa. Os barrancos ficavam para trás. Na claridade poente, recortavam-se os primeiros lugares sagrados. – Ali fica o Jardim das Oliveiras; ali é o Santo Sepulcro; aquela torre indica o Cenáculo; etc. E o guia, fiel à missão de que fora incumbido, indicava todos aqueles lugares que seriam, em dias seguintes, outras tantas etapas de visita.

Quando no coração de Jerusalém, sector jordano, pusemos pé em terra, não faltaram peregrinos, que imediatamente ajoelharam e beijaram aquela terra sagrada. Na realidade experimenta-se uma forte emoção.

Não quis terminar o dia, sem contactar de mais perto, com o mundo muçulmano.

Atravessada a porta de Herodes, dirigi-me para o Santo Sepulcro. Ao princípio assustei-me. Senti-me completamente deslocado. Aquelas ruas estreitas, onde todos se acotovelam; aqueles rostos velados; os olhares majestáticos; aquela linguagem estranha, todo aquele desconhecido perturbou-me. Ao mesmo tempo sentia-me fascinado.
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Ao outro dia de manhã, Jerusalém, bela e majestosa, parece desprender luz das suas muralhas e das cúpulas arredondadas. Contemplada do lado poente do Cedron, chega a fascinar.

Na verdade, esta cidade dividida, faz lembrar uma pedra preciosa, em que cada ângulo apresenta cor diferente.

O bulício dos mercados, em que as próprias ruas se convertem em tabuleiros de exposição; as ruas sinuosas, autênticos mostruários de trajes orientais; os pátios sagrados, onde os muçulmanos, libertos do peso do tempo, passam longas horas a desfiar contas amarelas; a Jerusalém sagrada, o íman potentíssimo da devoção cristã.

Todo este colorido, toda esta novidade não consegue fazer-nos esquecer, que nesta cidade, Jesus, o Filho de Deus feito Homem, sofreu, morreu e ressuscitou. Que nesta cidade se viveram as horas mais profundas da Humanidade: as horas de Sexta-Feira Santa e as horas da apoteose, as da Ascensão.

Temos a impressão que Jerusalém é um grandioso templo, onde cada viandante é um peregrino, onde cada peregrino é um romeiro do sagrado.

Os 4 dias que vivi à sombra das muralhas, foram dias inesquecíveis. Foi com verdadeira saudade que deixei a capital da Judeia, para me dirigir à Galileia.

P. Arménio Alves da Costa

 

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08-06-2018