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farol n.º 20 - mil novecentos e sessenta e cinco ♦ sessenta e seis, págs. 17 a 20..

Máscaras e Mascarados


  Angolanos

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(Continuação do número 18)

Principais géneros de máscaras

Eduardo Mortágua
(7.º ano)
 

PODEM resumir-se a três os principais géneros de máscaras angolanas, no que se refere ao processo de execução e às matérias empregadas. São elas, no sentido das mais recentes para as mais remotas, as seguintes: máscaras de madeira, máscaras de entrecascas de árvore (liber) e resina, e máscaras de fibras encordoadas.

As máscaras de madeira são as mais notáveis, por serem resultado de trabalho artístico da cava da madeira, constituindo peças de verdadeira escultura. Os lacas, Luenas, Lundas, Quicos, Xinges e Ganguelas são os seus mais classificados cultores, não obstante a arte das máscaras de madeira ser praticada com maior ou menor intensidade e esmero em toda a zona de escultura angolana.

Dum modo geral, pode-se dizer que a classe artística das máscaras de madeira decresce de norte para sul da província. Seguidamente às máscaras de madeira impõem-se, pelo seu exotismo e arte decorativa, as máscaras de entrecasca de árvore e resina, montadas sobre estruturas de varas flexíveis, espécie de junco, e outras varas de diversas proveniências, conforme as matérias-primas oferecidas pela Natureza. As armações são depois / 18 / revestidas por uma espécie de pano grosseiro, semelhando serapilheira, obtida das entrecascas batidas e preparados de algumas espécies de árvores.

A resina é aplicado na modelação da face da máscara, pelo emprego de ferros aquecidos, que servem ao mesmo tempo como espátulas de modelação. Depois de fundida, a resina toma uma bela cor negra, de brilho metálico. São os Quiocos os grandes mestres dessa técnica e armação e modelação de máscaras e varas de resina.

Estas máscaras de entrecascas e resina são depois pintadas com argilas garridas e variadas. Usam, também, ora debruá-las, ora cobri-las com pano vermelho –geralmente baeta –, um pano felpudo de lã desde longa data introduzido em Angola pelo comércio português, e que de tal modo se generalizou entre os nativos que tomou foros de artigo etnográfico.

Este género de máscaras, de varas, entrecascas e resina, é mais antigo que o da madeira cavada ou esculpida. Os quiocos consideram-no o seu verdadeiro género tradicional. São elas, realmente, que participam nos actos rituais mais arreigados, como os ritos da circuncisão.

Um terceiro género de máscaras é o das que são executadas por uma arte de entrançados e de encordoados, ou sejam as máscaras não rígidas. Exibem, geralmente, uns olhos grandes, redondos, vasados, fixados por dois aros de casca de cabaça, a maior parte das vezes pintado de branco.

Aplicações salientes de corda grossa, torcida ou entrançada, de factura nativa, moldam o relevo dos gorros, «capacetes» e viseiras, que formam a cabeça da máscara e, em certos casos, o rebordo dos olhos, nariz e boca, tudo isto solidário à malha da rede do traje.

Na ordem relativa do tempo e evolução cultural, temos, como padrão mais remoto, a máscara de cordoalha, a que se segue a de varas e resina, e, finalmente, as máscaras de madeira, esculpidas.

Ao passo que as máscaras de madeira atingem, frequentemente, um semirealismo, as de resina são mais esquemáticas e fantasiadas, traduzindo um espírito fundamentalmente mais decorativo.

É vulgar as máscaras de varas e resina, ou máscaras armadas, acastelarem andares, abas e volutas, em arranjos exóticos de grandes coroas, mitras ou altas mangas em boca de ânfora, de onde tufam pequeninos penachos. Mais raramente são esféricas, como o Calélua dos Quiocos do Lovale, animados por exuberantes pinturas policrómicas. É vulgar apresentarem, no bojo oposto à face, uma segunda máscara, neste caso pintoda.
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Estas fantasiosas composições de cabeças de máscaras, encontram réplica nas «cabeças» da velha e boa escultura tribal consagrada à figuração de personagens notáveis, e também nos chapéus ornados, privativos de cerimónias de antigos mestres de seita.

As máscaras de fibra e cordoalhas são mais modestas, embora notáveis pelas expressões impressivas, misteriosas, obtidas, aliás, com um jogo muito simples de guarnições e entrançados. É exemplo típico deste género a máscara do modelo vingandzi do centro sul de Angola, muito cultivado na região de Menonge.

No que se designou géneros, há a considerar as máscaras que são acompanhadas de «corpo», espécie de carcaça que reveste, em parte ou na totalidade, o corpo do bailarino. São, geralmente, solidárias com as máscaras que as sobrepujam. As carcaças ou «corpos» são feitas de varas entrançadas, amarradas entre si, e cobertas com o tecido natural de entrecascas de árvores. As habituais pinturas de argilas coloridas, geométricas, exótices, decoram estes corpos rotundos, volumosos, e muito leves, que tanto figuram formas humanas como formas de animais.

Relativamente às máscaras de madeira, há a notar a existência de duas culturas muito diferentes, que são a Conguesa, tendo por representantes mais activos os lacas, e os dos Luanda-quiocos e Ganuelas.

As máscaras iacas têm a particularidade de se apresentarem pintadas, não obstante serem de madeira, com coloridos vivos, distribuídos segundo esquemas geométricos mais ou menos adaptados à topografia das faces. As cores terrosas, o índigo, o azul, o vermelho, e o branco, são muito usadas, e contribuem para tornar essas máscaras, a vários títulos, das mais estranhas e curiosas de toda a África Negra.

As máscaras iacas, de grandes olhos modelados, proeminentes, rotundas bochechas infladas, e narizes, ora espessos oro recurvos em forma de cabide, cómicos, não raro desmedidos, são bem capazes de sofrer alguma aculturação do exemplo dado pelas caraças carnavalescas europeias. Outros delas mantêm uma somatologia algo negróide, como a máscara cacunga, de modelacão robusta, grande nariz, platirríneo e progratismo subnasal. Uma espessa romeira ou barba de ráfia acentua-lhe o aspecto terrífico. É usada nas praxes da circuncisão, longua como é designada localmente.

As máscaras iacas são, no entanto, sombrias, por vezes letais, extra-terrenas, sem dúvida inspiradas numa concepção atormentada, dinâmica, nos termos de um animismo que integra o além-túmulo na sequência da vida terrena. Não raro, um angustioso / 20 / colorido esverdeado dá a estas máscaras uma pátria pútrida de morte.

As máscaras de madeira dos Lunda-quiocos, dos Luenas e de alguns Ganguelas são mais retraídas e convencionais, mais herméticas e quietas de fisionomia. Um sentido animista menos violento, talvez mais contemplativo e interior, comanda-lhe a traça e a expressão. Distinguem-se nelas dois tipos, sociologicamente diferentes, representados pelas máscaras de mulher ou de matriarcado e as máscaras masculinas ou de patriarcado, embora coexistentes e algo misturadas.

Quanto às máscaras de resina, cuja existência e domínio coincide intimamente com a velha cultura dos Lunda-quiocos, há a notar que elas convivem com a máscara de madeira, notando-se, no entanto a inexistência da máscara feminina em varas e resina, pois ela apenas surge no grupo das máscaras de madeira, que corresponde aos padrões das máscaras mais evoluídas.

No nordeste da Lunda, floriu em tempos um género de máscara de madeira actualmente extinto, de certo estilo bacongo, registando-se nela as faces em losango dominadas por grandes narizes cuneiformes. Outras máscaras ali existiam de dimensões superiores a um metro de altura, como o dacaculo. Um dos raros exemplares destas máscaras, ainda existente em Angola, foi recolhido no Museu do Dundo.

(continua no número 21)

 

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08-06-2018