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farol n.º 18 - mil novecentos e sessenta e cinco ♦ sessenta e seis, págs. 16 a 18.

GIL  VICENTE

ASPECTOS DA VIDA E OBRA

Maria Teresa Ramalho Cruz
(7.º ano)
 

A representação dramática ou, por outras palavras, o drama – que, segundo a etimologia grega, significa pôr em acção um assunto de interesse humano – teve origem marcadamente religiosa: o teatro clássico – a tragédia e a comédia – derivou, na antiga Grécia, das celebrações do chamado culto dionisíaco.

Na Idade Média, o teatro está, por assim dizer, ao serviço da Igreja. Ao princípio, consiste unicamente em figurações plásticas e mímicas, em que o diálogo mal aparece, de cenas do Evangelho: a Ressurreição, na quadra da Páscoa, e a visita dos pastores e dos reis magos ao presépio, nas festas do Natal. Mais tarde, sobretudo a partir do século XII, assiste-se ao gradual desenvolvimento da encenação: um cenário esquemático sugere, mais do que representa, os lugares em que se desenvolve o drama litúrgico. Por outro lado, o diálogo passa a ter, num ou noutro caso, uma função mais significativa, e o âmbito dos motivos dramáticos alarga-se com situações de feição moralizadora e com temas extraídos das vidas de santos. Estas representações tinham dois caracteres: o religioso e o profano.

Do primeiro fazem parte dois géneros com características exclusivamente religiosas: os milagres, peças curtas, cujo propósito consiste na descrição de um milagre devido à Virgem ou aos santos, e os mistérios, que são representações / 17 / da Vida e da Paixão de Cristo, organizadas processionalmente e com vasta figuração.

Os papéis eram desempenhados por religiosos à porta das igrejas.

Lado a lado com este teatro, um outro surge, de expressão menos religiosa, embora manifeste intenções de sentido moral e de crítica de costumes. Está representado nas seguintes modalidades: as farsas, género bastante popular, que se baseia na observação e na crítica social, e as moralidades, que põem em cena, devidamente personificados, os vícios e as virtudes dos homens.

É quase nula a documentação sobre a existência do teatro litúrgico em Portugal; de carácter profano sabe-se que já no século XII se representavam, entre nós, os chamados ARREMEDILHOS ou ARREMEDOS, constituídos essencialmente pela mímica.

Além destes, existiam também os populares ENTREMESES e os MOMOS jocosos – os «singulares momos» a que se refere Garcia de Resende, na sua Crónica, quando fala das representações do tempo de D. João lI.

A todas estas formas dramáticas – arremedos, momos e entremeses – falta, como meio de expressão, aquilo que verdadeiramente constitui a criação de Gil Vicente: o diálogo, ou seja, o predomínio da fala das personagens sobre a mímica e a simples figuração simbólica.

Assim, Gil Vicente marcou uma etapa na história do Teatro Português. «Ele foi – diz-nos Garcia de Resende o que inventou isto por cá e o usou com mais graça e mais doutrina...»

É bastante significativo, pelo seu valor histórico, na Literatura Portuguesa, o dia 7 de Junho de 1502, pois nele se representou a nossa mais antiga composição cénica, «ao parto da muito esclarecida Rainha D. Maria, e nascimento do muito alto e excelente Príncipe D. João, o terceiro deste nome...» Trata-se do Monólogo do Vaqueiro ou Auto da Visitação, «a primeira coisa que o autor fez – como se diz expressamente na rubrica da peça – e que em Portugal se representou». E de tal maneira agradaram na Corte os versos deste monólogo ingenuamente concebido, que esta data constituiu, para Gil Vicente, o início de uma actividade dramática particularmente brilhante e fecunda.

Pouco se sabe da vida do criador do teatro português. As datas do seu nascimento e morte são duvidosas. Teria nascido por volta de 1465, ignorando-se não só a localidade do nascimento, mas também tudo o que diz respeito aos / 18 / primeiros anos da sua existência. Entrou, em data ignorada, para o serviço de D. Leonor, viúva de D. João II, e há quem o identifique com um Gil Vicente, Mestre da balança da Casa da Moeda em Lisboa, que foi ourives desta rainha e autor da conhecida Custódia de Belém, obra-prima de ourivesaria.

Além de dramaturgo, foi músico e actor dos seus autos, e desempenhou na corte a honrosa função de organizador das festas e celebrações de acontecimentos importantes.

Morreu, ao que se supõe, no ano de 1537.

(Continua no próximo número)

 

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08-06-2018