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farol n.º 5 - mil novecentos e cinquenta e nove ♦ sessenta, págs. 7 e 8.

O Marinheiro e o Adamastor

Manuel António Calisto Morais
(25 2.° D)

UMA nau cortava as águas agitadas por longas ondas enfurecidos. Um marinheiro, com a pele queimada pelos maus tratos do tempo, segurava o leme, alheio a tudo que o rodeava. Mas o Adamastor soprando contra as suas velas, acordou-o das suas meditações:

A – Quem és tu, marinheiro?

M – Sou um português, daqueles que conseguiram vencer a tua fúria.

A – E que fazes tu nos meus mares?

M – Teus! não; nossos, dos meus irmãos de raça que vencendo mil dificuldades, sulcam – como eu – estas águas tormentosas.

A – Mas, por que te arriscas a tais trabalhos?

M – Porque quero tornar realidade o sonho de um homem que, lá longe, estará agora a pensar em mim: o Infante D. Henrique, o filho de El-rei D. João I...

A – Mas só por um homem serias capaz de morrer?

M – Eu não morreria por um homem qualquer, morreria pelo Infante, pela Obra do Infante D. Henrique, e cumprindo as suas ordens estou a espalhar pelo mundo o nome de Portugal.

A – Mas não tendes os vossos campos paro trabalhar? Que mais quereis?
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M – Queremos mostrar ao Mundo que, pequenos no tamanho, somos enormes no valor. Em cada canto, por pequenino que seja, onde a pequena bandeira de Portugal estiver, estará a fé dos Portugueses. Os santos morrem para espalhar a nossa Fé, os heróis morrem pare espalhar o nosso nome.

A – Sabes, marinheiro português, se não fosse minha sina meter medo aos navegantes, acabava por gostar de ti. Ouve uma coisa: Vós, lusitanos, não tendes medo de mim?

M – Que interessa, Adamastor, que tu nos queiras matar, se temos um ideal que queremos concretizar: tornar real o desejo do Infante, dilatar a nossa fé e espalhar o nome de Portugal.

O vento abrandou um pouco, até que desapareceu por completo.

As mãos enrugados do marinheiro foram a pouco e pouco perdendo o nervosismo.

E quando se ouviu a voz do contra-mestre, tudo voltou à normalidade:

– Eh do leme: Que tal vai isso? Que tal vai a nossa nau?

– Tudo bem. Ao leme da nossa nau não vou só eu, vai também o Infante, a minha Fé e o nome de Portugal.

... E a nau continuou a sulcar, noite e dia, os mares calmos do Adamastor.

 

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06-06-2018