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farol n.º 4 - mil novecentos e cinquenta e nove ♦ sessenta, págs. 14 a 16.

Amigos até ao fim

António Alfredo Almeida
1.´º prémio (2.º ciclo)


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Avançaram durante aproximadamente meia hora sem que fossem pressentidos pelo inimigo devido ao acidentado do terreno e ao grande emaranhado de árvores e arbustos. Pela vigia da cúpula, Michel observa o horizonte. O revólver não lhe sai da mão, para que não haja surpresas. De repente abaixa-se, rebusca qualquer coisa dentro de um saco de lona, e retira um objecto arredondado com uns sete centímetros de comprimento e adapta-o ao cano do revólver. É um silenciador, mais uma invenção para a guerra. Volta a olhar pela vigia e qual o seu espanto ao ver dois soldados inimigos a apontar uma «basooka» ao tanque. Um só tiro bastava para o fazer voar em estilhas e com ele, os dois ocupantes.

Calma e friamente, Michel aponta o revólver por uma frincha da cúpula e dispara dois tiros seguidos. Os dois soldados balançam-se tragicamente nas pernas, com os olhos abertos num olhar de espanto e um rito de dor nos lábios entreabertos; segundos depois tombam mortos. Aqueles dois estalos de rolha de garrafa ao saltar «pop», «pop», foram o suficiente para enviar dois alemães desta para melhor. O revólver e o silenciador, fizeram a sua obra: morte... silenciosa.. .

– Henry, diz Michel, dois a menos!

– Bravo! E sem barulho, hem? Veremos se continuamos assim...

Esse dia passa sem mais incidentes. Dir-se-ia que o inimigo abandonara o campo de batalha... Mas os dois amigos / 15 / não se fiam. Vê-se melhor um pela frente do que urna dúzia por trás...

– Que dizes, Michel? Paramos aqui ? Não podemos seguir de noite!

– Encosta o «bicho» aí, a uma árvore. Cobre-se com ramos e nós ficamos lá fora.

– Lá fora? Ora essa?! E para quê?

– Olha qu'esta?! Essa nem parece tua! Supõe que algum cão danado se resolve a dar uma dentada numa pata do «bicho» connosco lá dentro! Vê lá o que te aconteceria... Um tiro de «basaooka» e os amigos Henry e Michel sepultados nas planícies da Alemanha.

– Grande ideia! Bem, vamos a isto, já está encostado à árvore. Toca a cobri-lo!

Os dois soldados saltam para fora do tanque. As machadas trabalham num ritmo alucinante, manejadas pelos braços fortes dos dois amigos. Um quarto de hora depois, estava o tanque coberto. Michel vai lá dentro buscar mantas para que possam dormir mais confortavelmente, mas não as encontra. Tinham sido tiradas de lá e eles não tinham reparado nisso. Agora têm de dormir no chão. Só uns simples coletes de coiro lhes servem de agasalho. Deitam-se os dois no áspero, duro, pedregoso e frio solo da Alemanha, a menos de uma légua das tropas avançadas do inimigo.

Duas horas depois, Michel abre um olho, depois outro, olha para o lugar onde devia estar Henry e não o vê! Que se teria passado? Levanta-se de um salto e corre para o tanque. Qual o seu espanto ao ver o amigo sentado numa «lagarta» com os olhos cerrados como que adormecido, e a pistola-metralhadora sobre as pernas cruzadas à oriental. Mas não. Henry não dorme. Está atento e muito atento.

Quando Michel já está próximo dele, salta de repente para o chão e aponta-lhe a arma.

– Calma, sou eu, diz Michel.

– Por pouco apanhavas uma rajada. E matava o meu melhor amigo...

– Deixemos isso. Vai tu agora descansar que eu faço guarda.

– Bem, então até já!

– Bons sonhos, Henry!

E tomando a arma que o tenente lhe estendia, subiu para a «lagarta», sentou-se e pô-la sobre os joelhos. Fechou os olhos e encostou-se indolentemente ao «bicho».

Já despontava no horizonte o astro-rei, quando Henry acordou e, olhando em direcção ao sítio onde estava o tanque, / 16 / vê-o já descoberto. apenas com alguns ramos que lhe cobriam a parte superior. Levanta-se, faz alguns exercícios para desentorpecer os músculos, esfrega as mãos e encaminha-se para Michel que nesse momento aparecia por detrás da máquina.

– Então? Houve alguma novidade?

– Não, nada.

– Estou a ver que já começaste o dia, hem?

– Há bocadito. Tenho estado a tirar alguns ramos. Podemos partir.

– Vamos lá tirar o resto.

– Não, aqueles ficam!

– Para quê? Não são precisos para nada!

– Ah! Não? Vão ajudar-nos, e muito!

– Ajudar-nos? Não sei como... hummm... Ah! Já sei! Para o esconder mais depressa.

– Pois claro! Assim, se aparecer alguém, basta deixá-lo encostado a uma árvore. E, pelo vistos, o arvoredo aqui é denso e vai ajudar-nos bastante. Não vai ser fácil descobrirem -nos.

– Bem, vamos lá! Volta para a cúpula; veremos se tens de desrolhar mais alguma garrafinha! É preciso mais cuidado agora, que estamos a aproximar-nos desses cães danados.

E lá vão os dois, de novo, metidos naquela máquina infernal que haveria de enviar muitos alemães para melhor vida.

Já se descortinam aqui e além as tendas do inimigo... Henry faz o tanque seguir sempre junto das árvores para, se necessário, poder escondê-lo rapidamente.

As primeiras linhas, conseguiram eles passar sem novidade. Mas, ao internarem-se mais num pequeno bosque, deparam com uma patrulha inimiga que os olha com ar de poucos amigos.

– Atira-lhe, Michel! – grita Henry, que vai ao volante. E de novo saltam as rolhas...

 

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05-06-2018