Entrevista de H. Neves via e-mail em

9 de Julho de 2018 às 22:36 (1)

 

Vim para o Canadá em 1964.

Nessa altura trabalhava para o Banco Português do Atlântico em Aveiro.

Lia e conversava muito sobre o Canadá com os emigrantes clientes do Banco, entusiasmando-me com o que ouvia.

País novo, com muitas oportunidades e aberto a receber quem pudesse contribuir para o desenvolvimento, decidi tudo fazer para tentar ir. Assim, dirigi-me ao Consulado e após várias entrevistas e exames médicos recebi ordem para embarcar. Começou aí a luta com a família, pois tendo um emprego estável e que na altura era o emprego com que todos os jovens sonhavam fui apelidado de louco, pois ia sair de onde muitos queriam entrar, sem contrapartidas, e ia à sorte e sem emprego. Não me preocupou essa situação pois nunca tive medo de arriscar. Não me arrependi. Embarquei e fui recebido por um amigo chamado Joaquim Carreira, que ainda aí se encontra, após anos de trabalho, nas Fábricas Ford em Oakville e o Cap. Valdemar Cruz Aveiro, um dos heróis dos mares da Terranova e Halifax e que me ajudaram nos primeiros dias.

Profissionalmente comecei na National Trust Co. (Bay and Dundas); seguidamente Mclean Hunter and Chatelaine Publishing Co. (University Ave.) e seguidamente enveredei pela actividade de agente imobiliário, na já não existente Mann & Martel Real Estate (Bathust and Bloor).

Paralelamente, minha mulher teve mais dificuldades, a par de ter emigrado contra vontade, começando por exercer a sua actividade numa fábrica de bonecos, seguindo-se uma fábrica de chocolates e, finalmente, uma companhia de seguros de nome British & Western Co. (Bay and Front sts.).

Pouco tempo após a minha chegada, aluguei um "room and kitchen" como era habitual quando alguém chegava, na Grace and College strs. Sendo quase o coração da comunidade portuguesa, comecei por me interessar por conhecê-la. Verifiquei que era formada por gentes dos Açores, trabalhavam na sua maioria na construção civil, fábricas e outras actividades variadas.

As necessidades/dificuldades desses emigrantes, pessoas humildes, eram muitas, dado que se tratava de pessoas que, sem habilitações académicas, não conheciam o básico da língua inglesa. Não havia médico português, mas apenas um médico espanhol de nome Saez (conhecido por Dr. Saez), a quem os nossos compatriotas recorriam pela facilidade de o entender. Mais tarde, finalmente, apareceu uma médica goesa de nome Melba Costa (Dr.ª Melba) que se tornou muito popular em Toronto entre a comunidade. Assistiu à minha mulher na gravidez até ao nascimento do meu filho.

Dada a dificuldade com a língua acompanhei muitos amigos e conhecidos para arranjarem emprego e consequentemente a preencher as "aplicações" como lhe chamavam.

Morando na Grace Street, junto à College, passei acidentalmente por um edifício que tinha escrito no exterior qualquer coisa e New Canadians. Entrei e dirigi-me à recepção. Após breves momentos a falar inglês com o recepcionista, indagando o que era aquilo, eis que ele se trilha na gaveta da secretária e, em português vernáculo, começa a dar azo à sua ira. Claro que era português! O seu nome é Pina Fernandes. Licenciou-se em Direito e acabou por regressar a Portugal, passando a trabalhar para emigrantes com situações várias por resolver no nosso país. Enquanto permanecemos no Canadá, fomos amigos. Levei-o para a Mann & Martel, enquanto estudava. Mais tarde colaborámos ambos no Jornal Português. Entretanto, cedera-me o lugar no New Canadians (part time) tendo-me eu aí mantido cerca de três anos. A finalidade daquele clube era receber os emigrantes recém-chegados e que não tinham família nem casa. Havia também aulas de inglês, tendo eu feito um pouco de tudo: ensinar, ajudar a encontrar casa, a procurar trabalho, etc.

Quanto a jornais, o jornal que referi e ao qual dei a minha colaboração juntamente com o Pina Fernandes, não foi o primeiro. Honra seja feita ao primeiro e único que havia em Toronto, cujo título era "Correio Português", propriedade do Sr. Ribeiro e esposa, D.ª Maria Alice Ribeiro. Depois surgiu o referido "Jornal Português", de pouca dura, pois éramos amadores e o Jornal do Sr. Ribeiro e D.ª Maria Alice (era assim que era conhecido o jornal) já tinha dimensão e estrutura.

A criação de jornais portugueses foi bem recebida, pois as pessoas interessavam-se pelas notícias da comunidade, de Portugal, e estavam também interessadas na publicidade, que era uma forma de lhes dar a conhecer os produtos que começavam a aparecer. Lembro-me que havia um Sr. Sousa que era um armazenista e importador de alto gabarito.

A minha actividade empresarial não teve significado, pois a convite de um tal Sr. Carvalho, que era importador de mármores e tinha uma loja no Hotel Royal York, e de outros amigos, formámos uma associação comercial de empresários portugueses, mas com pouco sucesso por não haver aderentes e o leader, o Sr. Carvalho, se ter desinteressado.

Fui ainda e com muito orgulho nomeado representante do Banco Português do Atlântico junto da comunidade portuguesa para a captação de poupanças para aquele Banco, dando patrocínios a vários eventos, entre os quais a organização da 1.ª eleição da representante de Toronto para miss Portugal. Ainda mais interessantes foram as visitas que fiz no Natal a casa dos nossos compatriotas. Munido de um pequeno gravador, registava os desejos de Boas Festas para as famílias em Portugal, que enviava para o Banco para serem depois transmitidas pela então Emissora Nacional, no programa Hora da Saudade.

Foi assim, resumidamente, a minha passagem pelo Canadá.

Com os meus cumprimentos

Henrique Neves

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(1) - Foram suprimidos os endereços do e-mail.

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