As memórias que guardo de meu Pai

HENRIQUE NEVES

28-01-1938 <> 04-05-2021

José Henrique de Almeida NevesMeu pai, José Henrique de Almeida Neves, nasceu em Angola em 28 de Janeiro de 1938, sendo filho de Augusto Pinho das Neves e Silvina Almeida das Neves. Seu avô paterno era homem de estatura muito elevada para o tempo e uma referência para meu pai. Segundo ele nos contava, o facto do avô ser uma pessoa muito alta teve influência na profissão exercida. Na época dele a iluminação era feita com candeeiros a petróleo ou talvez já a gás. Coube-lhe por isso a função de diariamente acender e apagar os candeeiros públicos da cidade de Aveiro.

2º Sargento Augusto Neves em 1935Henrique Neves veio para a Metrópole em 1939, com um ano de idade, passando a residir em Aveiro na Rua de Sá, mesmo em frente ao quartel de Cavalaria, onde seu pai, Augusto das Neves, era 2.º Sargento de Cavalaria. Por esta razão, meu pai sentia muito orgulho em ter brincado e dormido muitas vezes no Quartel, evidenciando sempre, com a humildade que o caracterizava, ter excelentes memórias de infância dessa altura. Já sua mãe, a minha avó, trabalhava como empregada doméstica numa casa de Aveiro, com quem o meu Pai mantinha e2º Sargento Augusto Neves em 1952.xcelentes relações, mormente com os filhos dos patrões, que rondavam as idades do meu Pai. As duas imagens inseridas neste parágrafo mostram Augusto Neves, 2.º Sargento no Quartel de Sá, respectivamente em 1935 e em 1952. Ver em «Aveiro e Cultura» a rubrica «Quartel de Sá», onde se encontra a caderneta militar de onde foi retirada a segunda imagem.

As suas memórias de infância, no entanto, eram partilhadas entre Aveiro e Sever do Vouga, mais concretamente uma aldeia chamada Senhorinha, já que a sua Mãe (a minha avó) era natural desta região. O meu Pai orgulhava-se muito de ter lá passado vários períodos de férias, contando muitas histórias e peripécias desses tempos, vividos com o seu irmão mais velho (Luís Neves) e com a sua Tia Lúcia, conhecida naquela zona como a Tia Lúcia das Regueifas (regueifa = bolo doce típico daquela região). A Tia Lúcia, assim era conhecida por todos, vivia numa casa pequena e muito humilde, no centro de Senhorinha, onde o meu Pai reconhecia ter passado os melhores momentos da infância, evocando muitas vezes uma frase que referia ter aprendido com a Tia e que ele subscrevia inteiramente: "A Senhorinha é admiravelmente linda".

Mais tarde, já adulto, sempre que visitava a Tia Lúcia, lembro-me de rirem muito ao recordarem as "partidas" daquela altura; e as longas risadas que ambos davam, ao contarem histórias e anedotas um ao outro. Quem conheceu bem o meu Pai sabe que este era um traço da sua personalidade, que eu acredito ter muito a ver com a sua vivência nesta região. Tal como o meu Pai, esta Tia era uma senhora muito bem disposta, cómica até, de quem o meu Pai se orgulhava muito pela sua vida de trabalho e dificuldades. No período de férias, o meu Pai fazia questão de ajudar a Tia a vender as Regueifas nas feiras das redondezas. E, segundo ele nos contava, eram impressionantes os quilómetros que ela percorria a pé, mesmo com uma idade avançada.

Em Aveiro, além das recordações do Quartel, o meu Pai falava muitas vezes das brincadeiras de rua com os chamados "carrinhos de rolamentos", que tantas feridas causavam nos joelhos e que nunca podiam ser alvo de queixume em casa...

Já mais velho, o meu Pai gostava de jogar, dia e noite, futebol na rua, ao sol e à chuva, o que acabou por lhe causar uma pneumonia, com marcas irreversíveis nos pulmões que, na altura, fizeram aos seus pais temer o pior.

Foi ainda um grande apaixonado pelo hóquei, desporto que praticou durante alguns anos no clube da cidade – os Galitos.

É habitual, nas memórias que escrevemos acerca de alguém, indicar o currículo académico do elemento biografado. Relativamente aos estudos de meu pai, tenho de confessar que desconheço onde terá aprendido as primeiras letras. Muito provavelmente terá sido numa das escolas primárias de Aveiro, uma vez que veio para esta cidade a partir do primeiro ano de vida. Com toda a certeza, sei que estudou na antiga Escola Industrial e Comercial de Aveiro, tendo aqui obtido o curso de Comércio e Administração. São vários os registos fotográficos em convívios e festas com colegas desses tempos.

Casou com a minha Mãe, Emília Fernanda Marques Carvalho S. A. Neves, em 1963, tendo nascido o meu irmão Paulo Alexandre Silva Neves, em 1969, no Canadá, e eu, Cristina João da Silva Neves, em 04/06/1976, em Aveiro. Além dos dois filhos, são descendentes de meu Pai os dois netos do meu irmão, João Neves (25 anos) e Diogo Neves (21anos) e um neto da minha parte, Henrique Neves Rosado (15 anos).

Do ponto de vista profissional, sei que iniciou a sua primeira actividade nos Serviços Municipalizados de Aveiro. Posteriormente, trabalhou como funcionário bancário no então Banco Português do Atlântico, onde continuou a manter o contacto com vários clientes que residiam e trabalhavam no Canadá e que lhe transmitiam, entusiasticamente, as oportunidades que aquele País lhe poderia também oferecer. Imagino, por esta razão, que o espírito aventureiro que o caracterizava o terá feito trocar o certo pelo incerto, e optar pela emigração na década de 1960, logo após o casamento com a minha Mãe.

No Canadá exerceu várias actividades, relativamente às quais não vou precisar de me alongar, porque, melhor do que as minhas palavras, são as que ele próprio redigiu, em 2018, num e-mail de resposta a uma entrevista e que lhe foi pedida para um Jornal e Rádio Portugueses no Canadá, que se interessaram pelo seu percurso pioneiro como emigrante.

O meu Pai regressou do Canadá no auge da sua actividade profissional naquele País, após inclusivamente ter recebido um prémio de mérito, que se traduziu numa viagem e estadia em Miami. O regresso prendeu-se com motivos pessoais, nomeadamente a falta de adaptação da minha Mãe àquele País, tendo o regresso sido uma decisão familiar, pouco tempo depois do nascimento do meu irmão.

Devo acrescentar que, enquanto esteve no Canadá, o meu Pai sempre se preocupou em aperfeiçoar a língua natal daquele País, tendo frequentado em horário pós-laboral vários cursos de Inglês, que lhe permitiram a obtenção de certificados com distinção e o orgulho de falar fluentemente a língua inglesa. Recordo que, sempre que íamos para o Algarve de férias, o meu Pai frequentemente fazia amizades com estrangeiros que acabavam por conviver connosco durante as férias; e alguns chegaram mesmo a manter contacto durante todo o ano.

Após sete anos de emigração e regresso a Portugal em 1970, o meu Pai é novamente convidado a integrar os quadros do Banco Português do Atlântico, em Aveiro, acabando, mais tarde, por ingressar no Banco Pinto & Sotto Mayor, actualmente Millennium BCP, onde cimentou a sua carreira profissional até à data da reforma, em 1999.

A sua conhecida vertente comercial fez dele um profissional reconhecido pela sua espontaneidade e facilidade em estabelecer "relações" e criar laços que perduram no tempo…

Na vida pessoal, o meu Pai era também isso mesmo, um Homem de Relação, de Contacto, de Convívio, de Histórias, de Vivências, de Rua, de Vida! E talvez seja esta a melhor forma de referir e definir os seus tempos livres... Os encontros ou mesmo as "reuniões" com os amigos na conhecida “Casa de Jornais” nos Arcos, os jantares descontraídos com os amigos do costume, todas as primeiras quartas-feiras de cada mês, a anedota nova por contar ao amigo que encontrava inesperadamente na rua, os convívios com a família, e a disponibilidade total para os netos, sobretudo para o mais novo, relativamente ao qual a sua situação de reforma lhe permitiu acompanhar e ser cúmplice praticamente diário de momentos e brincadeiras que o faziam recuar no tempo.

Era também um apaixonado pelo seu Clube do coração, o Sport Lisboa e Benfica, relativamente ao qual não perdia um jogo em casa, ou mesmo na Casa do Benfica, em Aveiro. Atrevo-me mesmo a dizer que o Eusébio foi o seu grande ídolo. Viveu sempre com grande emoção todas as conquistas do clube e deixou esse legado aos dois filhos.

O Beira Mar esteve também sempre no seu coração, tendo mantido uma relação muito próxima com um dos seus treinadores, o Mister Jean Thissen que, mesmo após a sua saída do Clube e do País, fazia questão de visitar 2 ou 3 dias por ano, simplesmente para desfrutar do prazer da sua companhia.

Efectivamente também a sua grande dedicação ao património aveirense fazia parte dos tempos livres, principalmente no que respeita à busca de registos fotográficos antigos sobre a cidade que tanto admirava. Fazia questão de partilhar essa informação não só no «Aveiro e Cultura», mas também nas redes sociais. E fazia-o sobretudo com fotografias que ele próprio designava orgulhosamente por "Aveiro Antigo".

A Internet permitia-lhe também pesquisar e manter-se actualizado relativamente a tudo o que dissesse respeito ao Canadá, ocupando também dessa forma os tempos livres, partilhando orgulhosamente fotografias do País, que tanto idolatrava e com o qual nunca perdeu o vínculo, quer por contactos que foi sempre mantendo, quer por partilha de informações e fotografias.

Recordo ainda que, em 1990, voltou ao Canadá com a esposa e os seus dois filhos, um dos quais nascido naquele País. Tenho a certeza que foi um momento de grande felicidade para o meu Pai, assim como a viagem que fez a Moçambique de visita ao filho, nora e netos, onde teve a oportunidade de voltar a África, continente onde nasceu, e de desfrutar na companhia da família, locais e paisagens de terras africanas.
Termino com a certeza que me alonguei mais do que devia, e que muito haveria ainda para dizer… Resta-me acrescentar que, como filha, defino o meu Pai como a Melhor Pessoa que conheci até hoje, de coração gigante e sempre disponível para ajudar gratuitamente.

Aveiro, 11 de Novembro de 2021

Cristina Neves


Galeria de Imagens

     
  Bisavô de Henrique Neves.  

Avô de Henrique Neves, que se destacava pela sua grande altura, com o filho, Augusto Pinho das Neves.

 
     
 

Henrique Neves (à direita) com o irmão, Luís Neves, e seus pais, Augusto Pinho das Neves e Silvina Almeida das Neves.

 

Henrique Neves ao lado do irmão, Luís Neves.

 

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