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Enterra,
em cheio, a mão na vida humana!
Todos a vivem: poucos a conhecem;
Por onde quer que lhe pegueis, é curiosa!
Göethe,
“Fausto”
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1967, Julho,11
Veio ontem
cumprimentar-me o Jaime Gralheiro, advogado em Viseu e católico
progressista, a propósito da crítica que fiz ao livro dele.
Muito falador e excitadiço. Parece que o estimulei com o que
escrevi. Aceitou bem as restrições que fiz e, da rápida
conversa, confirmou-me na ideia que a leitura me deu de ser
pessoa honestamente empenhada e com possibilidades reais.
Escreve de jacto, em poucos dias, como tantos outros. Fiz-lhe
notar que, aos 37 anos, que são os que tem, a maioria das
gentes ainda é assim, mas que há-de vir uma época em que
comece a deixar sazonar os manuscritos.
Mário Sacramento, “Diário” |
Nascido
a 7 de Julho de 1930, em Macieira, aldeia serrana do concelho de S.
Pedro do Sul, Jaime Gaspar Gralheiro é paradigma evidente de
entusiasmo e dedicação ao teatro.
Dispersando-se
nas inúmeras tarefas da vida profissional e intelectual, nunca, porém,
desde os seus 32 anos, deixou o labor dramatúrgico. É considerado um
dos mais activos dramaturgos portugueses contemporâneos, muito embora
o seu lugar na história do teatro no nosso país não esteja ainda
completamente estudado de forma sistematizada. Pela sua dispersão e,
sobretudo, pelo facto de sempre ter vivido na “província”, alheio
às grandes máquinas publicitárias, Jaime Gralheiro parece perder a
notoriedade e o reconhecimento que com justeza merecerá.
Seja
como for, o certo é que ele deve ser tido como um lídimo
representante não só do teatro de amadores mas do teatro “de feição
realista” dos
últimos
trinta anos, muito embora algumas das suas últimas obras se tenham
desviado desse cunho, mantendo, contudo, ainda e sempre, o carácter
de textos “de intervenção”.
Gralheiro
nasceu, cresceu e tem vivido sempre na sua região natal, isolada
entre serras, onde a opressão, o obscurantismo e a pobreza fizeram
escala; por isso, manteve sempre um contacto directo com os problemas
quotidianos da população rural. Que outro conceito de dramaturgia
poderia mais naturalmente dali brotar senão o daquela que traduz a
consciência cívica de uma época, de uma sociedade, que denuncia
perversidades e injustiças e se assume como seu agente transformador?
Filho
de pais pobres, entretanto enriquecidos com o volfrâmio e de residência
mudada para a sede da freguesia de Sul, só aos nove anos Jaime
Gralheiro começou a frequentar a escola que não havia na aldeia
encravada nas fragas do Monte de S. Macário; cumpriu os estudos
liceais no Colégio de Lamego e no Colégio de João de Deus no Porto,
em cuja revista, “Inicial”, publicou a sua primeira peçazinha de
teatro intitulada Feia em
1949. Tendo frequentado a Universidade de Coimbra, nela se licenciou
em Direito em 1956; aqui fez parte da Tuna Académica e ajudou a
fundar o C.I.T.A.C.. Após o estágio profissional em Viseu
(1956-1958), radicou morada em S. Pedro do Sul, até hoje seu eterno
rincão. Profissional de reconhecido mérito, interveio em incontáveis
processos judiciais, tendo-se especializado nas questões jurídicas
dos baldios, direitos reais e acidentes de trânsito.
Os
anos 60 marcam o início das suas actividades políticas, ligado ao
grupo dos Católicos Progressistas. De espírito explosivo e fortes
convicções nunca escamoteadas, polémico, por vezes, tem sido
aguerrido e constante o seu combate ideológico e político, quer
antes, quer depois do 25 de Abril de 1974. De si próprio diz ter
assumido o papel de “consciência histórica da esquerda no distrito
de Viseu”: foi presidente da primeira Comissão Administrativa da Câmara
Municipal de S. Pedro do Sul e sucessivas vezes tem incorporado as
listas de candidaturas em diversos processos eleitorais de natureza
política. Em 1964 subscreveu a lista da Oposição Democrática; em
1969 candidatava-se nas listas da mesma Oposição; na preparação
das listas de deputados a “eleger” em 1973, participou também
empenhadamente, o que lhe valeu ser preso e julgado pela presença
numa sessão clandestina em Lamego. Foi delegado pelo seu distrito aos
dois últimos congressos históricos que na cidade de Aveiro tiveram
lugar nas duas últimas datas que acabamos de referir; no que
antecedeu o 25 de Abril, dirigiu a 6ª secção dedicada ao
“Desenvolvimento Regional” .
De resto, Jaime
Gralheiro esteve sempre na linha da frente na defesa do
desenvolvimento e dos interesses das gentes da sua região foi um dos
principais interventores na defesa da Linha do Vale do Vouga e um dos
primeiros a lançar a ideia da Via Rápida Aveiro-Vilar Formoso.
Apoiou técnica e politicamente várias lutas, como a que os
agricultores de Lafões travaram contra a taxa do vinho e a batalha a
favor da devolução dos baldios aos povos serranos.
A
par de uma forte actividade política, Jaime Gralheiro tem sido um
incansável dinamizador da vida cultural da sua terra, do seu
concelho, do seu distrito, da região centro, diremos. Através de
escritos, de palestras, colóquios, seminários em escolas,
colectividades, grupos de amadores, festivais, tem sido uma presença
contínua na área do teatro; interveio em todos os congressos,
assembleias e inúmeras reuniões que sobre esta arte se realizaram em
Portugal desde 71 até ao presente, confirmando o que dele escreveu
José de Oliveira Barata: Jaime Gralheiro é um homem
que tem o teatro dentro de si sem nunca o ter aprendido de forma
sistemática.
Em
jornais vários manteve diversificada colaboração assídua: “Diário
de Lisboa”, “República”, “Diário”, “Diário de Notícias”;
neste último manteve uma crónica semanal durante quase um ano
(1995/1996). Os jornais locais têm igualmente granjeado a sua
colaboração: na “Rádio Noar” de Viseu, apresenta, desde o início
de 1996, uma crónica semanal de irónica evocação
histórico-cultural de uma cidadezinha de província.
Com
José de Oliveira Barata e Manuela Cruzeiro, Jaime Gralheiro fundou em
1971 o “Cénico, Grupo de Teatro Popular” de S. Pedro do Sul,
considerado por vários testemunhos um dos melhores, senão o melhor,
grupos de teatro amador do país durante os anos de 76, 77, 78, e até,
talvez, 79. Gralheiro tem dirigido artisticamente o Cénico e foi
encenador de todos os espectáculos montados pelo grupo; inicialmente
em parceria com José de Oliveira Barata, e sozinho a partir de 1973.
O percurso dramatúrgico deste autor é indissociável da história do
Cénico, colectividade que, apesar de ter atravessado heroicamente
algumas fases conturbadas, vem persistindo numa prática regular e é,
ainda hoje, importante pólo de criação teatral na região,
constituindo um caso singular de longevidade e de vitalidade, com
presença significativa na história possível do teatro de amadores;
alteraram-se, naturalmente, elencos ao longo de tantos anos; desde que
o grupo iniciou a sua actuação, muitas gerações por lá passaram,
de tal modo que se diz não haver nenhuma família em S. Pedro do Sul
que não tenha estado ligada ao Cénico. Mesmo quando razões e
vontades do meio envolvente solicitaram a criação do Cénico
Infantil e Juvenil, nos anos 90, ele continuou a assumir-se como
escola de formação cultural e cívica, de moldagem de gostos e
mentalidades, com forte componente interventiva e didáctica bem visível
nos seus últimos espectáculos.
A
par do Cénico - e também por causa dele - Jaime Gralheiro tem
mantido desde os anos 70 um percurso de escrita de feição regular;
muitas das suas peças foram escritas e encenadas para o palco do Cénico,
embora algumas não tenham sequer conhecido as páginas da publicação
editorial. No reportório
do grupo sampedrense, exceptuam-se como relativamente poucas as peças
que não sejam da autoria do seu director: “O Auto da
Compadecida”, de Ariano Suassuna (71/72); “A Sapateira
Prodigiosa”, de Garcia Lorca (73/74); “A Grande Jogada”, de José
Viana (79/80); “Histórias da Avozinha” ou “Viva o Lobo Mau”,
de Carlos Rodrigues (84/85 e 95); “Tartufo”, de Molière/ numa
adaptação de Llovet (95); “Vem aí o Zé das Moscas”, de António
Torrado (97)
.
Eis,
portanto, um curioso traço da singularidade deste autor que estamos
estudando, uma figura de saber teatral completo: nos últimos 25 anos
tem sido ao mesmo tempo dramaturgo e encenador, vivenciando na prática
uma importante ligação da escrita dramática, da composição do
texto à própria criação cénica.
Desde
1996 Jaime Gralheiro tem o estatuto de formador nas áreas de Direito
e de Expressão Dramática, por nomeação do Conselho Pedagógico do
Ministério da Educação. Durante vários mandatos, nas décadas de
80 e de 90, foi elemento de órgãos directivos da Sociedade
Portuguesa de Autores.
Os
dois últimos anos consagram o reconhecimento de Jaime Gralheiro que já
em 1978 havia sido considerado o autor português mais representado:
em 1997 (Maio) é destacado como “Autor do Ano” pelo 7º Ciclo de
Teatro de Autores Portugueses (C.I.T.A.P.) da Amadora que promoveu uma
exposição sobre a sua obra de autor e encenador e lhe prestou uma
sessão pública de homenagem; em 10 de Junho recebe o “Galardão do
Centenário” da patrona da Casa-Museu Maria da Fontinha (freguesia
de Gafanhão, concelho de S. Pedro do Sul); pelo conjunto de toda a
sua obra, em 12 de Julho, a revista “Anim`Arte” de Viseu
confere-lhe o “ Mérito Artístico” destinado a premiar o Artista
que é referência cultural relevante e consolidada, com projecção
na comunidade regional e nacional; em 1998, 8 de Maio, em S. Pedro do
Sul, é condecorado com a “Medalha de Mérito Artístico”, pelo
Ministro da Cultura; em 31 do mesmo mês, em Lisboa, recebe o
“Diploma e Medalha de Instrução e Arte”, da Federação
Portuguesa das Colectividades de Cultura e Recreio; em 1 de Junho a
Sociedade Portuguesa de Autores atribui-lhe o “Prémio de
Carreira” de 1998.
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