Há uns meses atrás, regressando sozinha no meu carro novo, da
minha casa da aldeia para a cidade, notei que dois indivíduos, que
vinham atrás de mim numa carrinha fechada, me faziam sinais
sonoros e luminosos.
Desconfiada, resolvi ignorar tal sinalética, mas eles, cada vez
insistiam mais, até que, vendo que eu não reagia, me
ultrapassaram, apontando para uma das rodas do meu carro e parando
uns metros adiante.
Acabei também por parar, mas à cautela, não saí da viatura.
Então, um homem de meia-idade e umjovem apearam-se, e
aproximaram-se de mim, dizendo-me que o meu carro tinha uma roda
em baixo. Rapidamente dei uma volta ao carro, e, nada vendo,
entrei de novo. O homem insistia que o pneu traseiro, do lado
direito, estava em baixo e que se continuasse iria dar cabo dele,
o que era uma pena, visto o carro ser novo.
Saí novamente e, olhando melhor, constatei que o sujeito tinha
razão; porém, eu nem tinha força para desapertar a roda, e nem
sequer sabia onde se encontrava, nem o macaco, nem o pneu de
socorro.
O homem, com a
maior gentileza ofereceu-se para me ajudar, auxiliado pelo jovem,
que tratou por filho. Procuraram o pneu e o macaco, que se
encontravam no fundo do porta-bagagens tapados com o tapete,
tiraram fora a roda, não sem dificuldade, diga-se em abono da
verdade, e, após fazerem a substituição, repuseram tudo no lugar,
tendo ficado ambos sujos, como é natural. Eu que por deferência
dos cavalheiros me limitei a observá-los, fui conversando com eles
e fui pensando em como se engana quem julga; (a minha primeira
impressão fora a de que eram larápios e me pretendiam assaltar).
Dada a veracidade da ocorrência e a gentileza dos cavalheiros,
sim porque eram dois verdadeiros senhores, pensei depois, que "um
simples obrigada" era bem pouco para agradecer tanta atenção, e me
redimir do mau juízo que havia formulado. Ofereci-me para lhes
pagar o serviço, porém, prontamente recusaram. Não tendo no
momento muitos recursos a que deitar inão, veio-me de repente à
ideia, o que me levara à aldeia naquele dia, e, com a mesma
simplicidade, com que eles se tinham prontificado a mudar-me a
roda do carro, e a simpatia e decisão com que o senhor me
abordara, após verbalizar o meu agradecimento, dirigindo-me a ele
perguntei:
– O senhor por acaso gosta de nêsperas?
Eu até nem aprecio, minha senhora, mas a minha esposa sim, gosta
muito. – Respondeu-me o homem.
– Nesse caso, permita-me que, agradecendo a sua gentileza, lhe
ofereça um cesto delas, que ainda há pouco colhi no meu quintal.
São boas que é uma delícia!
– Aceito e agradeço. – Respondeu o senhor. – A minha mulher vai
ficar radiante.
Despedimo-nos alegremente; eles, certamente felizes por terem
cumprido um dever cívico, de ajudar o seu semelhante, eu
agradecida por ter encontrado pessoas tão prestimosas e
agradáveis, a ponto de aceitar com prazer a fruta, que com carinho
lhes ofereci, tentando redimir o mau juizo que fizera, de gente
tão afável.
E foi desta forma que ao entrar em casa, naquele fim de tarde,
dizia a meu marido, que me ouviu com ar intrigado:
– Sabes? Hoje, troquei um pneu por um cesto de nêsperas.
E enquanto ele procurava organizar ideias para interpretar o que
lhe dizia, eu conclui:
– Como a vida poderia ser agradável e as pessoas poderiam ser
felizes, se todos nos esforçássemos um pouco para isso! |