Histórias de Bolso das Gentes de Aveiro - 2006/2007


Troca por troca

Há uns meses atrás, regressando sozinha no meu carro novo, da minha casa da aldeia para a cidade, notei que dois indivíduos, que vinham atrás de mim numa carrinha fechada, me faziam sinais sonoros e luminosos.

Desconfiada, resolvi ignorar tal sinalética, mas eles, cada vez insistiam mais, até que, vendo que eu não reagia, me ultrapassaram, apontando para uma das rodas do meu carro e parando uns metros adiante.

Acabei também por parar, mas à cautela, não saí da viatura.

Então, um homem de meia-idade e umjovem apearam-se, e aproxi­maram-se de mim, dizendo-me que o meu carro tinha uma roda em baixo. Rapidamente dei uma volta ao carro, e, nada vendo, entrei de novo. O homem insistia que o pneu traseiro, do lado direito, estava em baixo e que se continuasse iria dar cabo dele, o que era uma pena, visto o carro ser novo.

Saí novamente e, olhando melhor, constatei que o sujeito ti­nha razão; porém, eu nem tinha força para desapertar a roda, e nem sequer sabia onde se encontrava, nem o macaco, nem o pneu de socorro.

O homem, com a maior gentileza ofereceu-se para me ajudar, auxiliado pelo jovem, que tratou por filho. Procuraram o pneu e o macaco, que se encontravam no fundo do porta-bagagens tapados com o tapete, tiraram fora a roda, não sem dificuldade, diga-se em abono da verdade, e, após fazerem a substituição, repuseram tudo no lugar, tendo ficado ambos sujos, como é natural. Eu que por de­ferência dos cavalheiros me limitei a observá-los, fui conversando com eles e fui pensando em como se engana quem julga; (a minha primeira impressão fora a de que eram larápios e me pretendiam as­saltar). Dada a veracidade da ocorrência e a gentileza dos cavalhei­ros, sim porque eram dois verdadeiros senhores, pensei depois, que "um simples obrigada" era bem pouco para agradecer tanta atenção, e me redimir do mau juízo que havia formulado. Ofereci-me para lhes pagar o serviço, porém, prontamente recusaram. Não tendo no momento muitos recursos a que deitar inão, veio-me de repente à ideia, o que me levara à aldeia naquele dia, e, com a mesma sim­plicidade, com que eles se tinham prontificado a mudar-me a roda do carro, e a simpatia e decisão com que o senhor me abordara, após verbalizar o meu agradecimento, dirigindo-me a ele perguntei:

– O senhor por acaso gosta de nêsperas?

Eu até nem aprecio, minha senhora, mas a minha esposa sim, gosta muito. – Respondeu-me o homem.

– Nesse caso, permita-me que, agradecendo a sua gentileza, lhe ofereça um cesto delas, que ainda há pouco colhi no meu quin­tal. São boas que é uma delícia!

– Aceito e agradeço. – Respondeu o senhor. – A minha mulher vai ficar radiante.

Despedimo-nos alegremente; eles, certamente felizes por te­rem cumprido um dever cívico, de ajudar o seu semelhante, eu agra­decida por ter encontrado pessoas tão prestimosas e agradáveis, a ponto de aceitar com prazer a fruta, que com carinho lhes ofereci, tentando redimir o mau juizo que fizera, de gente tão afável.

E foi desta forma que ao entrar em casa, naquele fim de tarde, dizia a meu marido, que me ouviu com ar intrigado:

– Sabes? Hoje, troquei um pneu por um cesto de nêsperas.

E enquanto ele procurava organizar ideias para interpretar o que lhe dizia, eu conclui:

– Como a vida poderia ser agradável e as pessoas poderiam ser felizes, se todos nos esforçássemos um pouco para isso!


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