Aida Viegas, Oliveira do Bairro. Memórias de um século. Águeda, AVI, 1994, pp. 207-209.

Jogos tradicionais

O desporto foi actividade sem preponderância até meados do século. Os adultos não deixavam, porém, de ter os seus entretenimentos que, embora com características Iúdicas, davam origem a disputas e contribuíam para o desenvolvimento das suas aptidões físicas e estéticas.

Os jogos então praticados faziam parte integrante da cultura do povo e suas tradições e tinham os seus pontos altos nos festejos de outros tempos.

Ficarão aqui mencionados apenas alguns dos mais populares. Começaremos por referenciar o jogo da malha ou fito, que ainda hoje é praticado com frequência pelos homens nas tardes de Domingo.

As corridas de sacos, muito do agrado de todos, exe­cutadas por jovens, eram disputadas na abertura das festas. Seguiam-se as corridas das cantarinhas, sendo estas apenas do foro feminino, pois, desde bem novinhas, as meninas treinavam levando objectos à cabeça a imitar suas mães; mão havia mulher por estas bandas que não tivesse treino suficiente para entrar nesta competição. De cântara à cabeça era feito o caminho de casa à fonte e vice-versa, às vezes mais que uma vez por dia; não só água mas carregos de fruta, bacias de roupa, pasto, o cesto das refeições e tudo o mais que fosse necessário era carregado à cabeça das mulheres.

As cantarinhas iam normalmente cheias de água e se, por qualquer azar, alguém deixasse cair a sua na corrida, tinha banho assegurado. Outro dos jogos consistia em apanhar com a boca bolachas penduradas num fio, passando por baixo delas a correr: a pé, a cavalo num burro ou de bicicleta. Noutro ainda deveriam os concorrentes transportar um ovo numa colher levando o cabo desta enfiado na boca além de serem obrigados a fazer o percurso a correr Para qualquer destes jogos era necessária destreza, preci­são e controlo.

Terminavam os festejos com a habitual subida ao mastro, um pau alto e liso de eucalipto ou pinheiro descas­cado e profusamente ensebado para assim se tornar bem escorregadio.

No cimo do mastro estavam pendurados dois baca­lhaus e um garrafão de vinho que constituíam o prémio de quem conseguisse chegar ao topo sem auxílio.

Devemos acrescentar que não era fácil ganhar este troféu. A competição, aguardada com expectativa, trazia sempre momentos de gáudio e boa disposição, pois, a par dos trepadores exímios, havia aqueles que, apesar de terem pouca destreza e o rabo bem pesado, não se continham e, por lorpice ou ilusão, não resistiam à tentação de tentar trepar o que redundava num solene “bate cu”.

Tido como um dos melhores entre os trepadores e cor­redores destas bandas, era o Zé Carlos de Malhapão e con­taram-nos que festa onde ele se apresentasse para competir muitos dos concorrentes inscritos desistiam de imediato por saberem de antemão que o Zé Carlos [**] limpava os pré­mios todos.

 

 

O Jogo do Burro, que também teve muitos adeptos, era jogado com patacas - moedas antigas fora de uso e muito pesadas - num estrado grande de madeira inclinado e dividido em rectângulos numerados tendo no cimo um buraco.

Os jogadores atiravam as moedas de certa distância e iam marcando pontos conforme o local onde as patacas caíam, tinha a pontuação máxima quem acertasse no bura­co. Neste jogo era indispensável destreza manual e muita pontaria.

O prémio de muitas destas competições era frequente­mente uma rodada de vinho paga por quem perdia.

Passear-se em cima de andas era um dos “entreténs” mais apetecidos e tanto o faziam crianças como jovens de qualquer dos sexos. Bastava para isso terem equilíbrio suficiente. Podem crer que é bem curioso olhar os outros lá de cima e vê-los admirados e invejosos de nariz no ar.

Vamos terminar recordando apenas mais um dos divertimentos da rapaziada: “Andar de zorra”; consiste em deslizar em ladeiras íngremes ou rampas, encavalitado num carroço de madeira feito dum modo puramente artesanal. Esta brincadeira era perigosa e ainda é lembrada a morte de um rapaz com os seus 15 anos ocorrida numa destas descidas.

Tudo isto passou de moda, é a roda da vida.

Hoje porém, muitas terras vão começando a tentar reviver estas e outras tradições, prática que consideramos muito louvável.

 


 

[**] José Caetano de Oliveira, mais conhecido por José Carlos, era o pai da autora.


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