Relembro
aquela manhã de vinte e cinco de Abril de mil novecentos e
setenta e quatro em que nas escolas, nas ruas, nos mercados, nas
esplanadas correu de boca em boca a noticia de uma revolução em
Lisboa. A revolução dos cravos lhe chamavam. Nos dias seguintes
apareceu nos jornais a célebre imagem dum soldado empunhando uma
espingarda com um cravo vermelho enfiado no cano, tendo nos braços
uma criança.
A
alegria contagiou tudo e todos e logo se começou a falar em
independência. Como tudo iria ser melhor! Arquitectavam-se
sonhos de liberdade e progresso. Uma nova era se vislumbrava no
amanhecer dum novo dia. Gente de todas as cores parece que bebia o
ar da vitória. A Grande Angola iria ser ainda maior. Quanto não
iria valer a moeda angolana!... Até já se faziam câmbios. Repórteres
de jornais e revistas vieram para a rua fazer inquéritos.
Quem
pretendia a independência? perguntavam. Todos, era a resposta de
brancos, negros ou mestiços. Quem queria continuar, em Angola?
Todos é claro. Todos estavam empenhados no futuro desta terra; os
que cá nasceram e os que a tinham adoptado como sua. Apenas uma
minoria de militares, alguns
quadros e poucos mais tinham intenção de regressar à Metrópole.
Na população em geral uma maior onda de fraternidade mais nos
irmanava. A independência tornou-se o tema geral das conversas,
falava-se dela apaixonadamente
A
grande Angola iria ser ainda maior depois que a guerra acabasse e
a energia de todos fosse canalizada para o progresso daquela
grande Terra.
Aqui e
além porém encontrava-se alguém que fugia ao tema deixando
intrigados os restantes.
O
primeiro de Maio ainda foi festejado em plena harmonia. Ouviam-se
na rádio canções revolucionárias e uma delas falava em emalar
a trouxa e zarpar. Esta foi comentada num grupo de amigos e os
comentários cheiraram-nos a esturro deixando-nos apreensivos.
Passados dias começaram a correr rumores de desordens, de
levantamentos. Mais tarde Luanda foi visitada por um oficial
general das forças armadas, que foi recebido em festa, mas que
deixou todos ainda mais apreensivos do que estavam.
As
medidas que a partir daí começaram a ser tomadas pelo governo
central suscitaram a instabilidade, a anarquia no seio das forças
armadas e o medo e o mau estar na população em geral.
Negras
nuvens começaram a adensar-se. As notícias da Metrópole eram
controversas. Passámos a estar suspensos da rádio e dos jornais.
Foi nomeado um novo governador de Angola. Não tardou muito para
que os brancos fossem intimados a entregar todas as armas que
possuíam. Bandos de negros de aspecto pouco cordial, surgidos não
se sabe de onde, começaram a
invadir a cidade gritando slogans revolucionários com ar ameaçador.
Soubemos
do desembarque de colunas e colunas de soldados e do mais diverso
e sofisticado material de guerra, tudo proveniente da Rússia e de
Cuba que atravessavam a cidade e desapareciam num abrir e fechar
de olhos não se sabe para onde. Os governantes, tendo
conhecimento de tudo o que se passava, procediam como se nada de
anormal estivesse a acontecer.
A
alegria dos primeiros tempos após o vinte e cinco de Abril, cedo
começou a desvanecer-se. Afinal muito poucos estavam informados
do que se estava a passar. Apenas aqueles que de início fugiam ao
tema da independência e os grupos que iam invadindo a cidade
tinham uma vaga ideia do que se congeminava nas costas de todos os
angolanos. Os militares falavam em segredo. Alguém ouvira aqui ou
ali coisas um tanto ou quanto escabrosas sobre o futuro de Angola
mas de nada havia certezas. Talvez não fosse verdade pois era
demasiado arrepiante para o ser. O boato passou a ser o pão nosso
de cada dia. A instabilidade instalou-se definitivamente. Slogans
marxistas, tentando expandir ideias comunistas começaram a surgir
criando focos de revolução e guerrilha por toda a cidade os
quais começaram a alastrar-se progressivamente a todo o território
angolano. Luanda que desde sessenta e dois até então havia sido
poupada à guerrilha, via a violência aumentar agora a cada
momento.
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