Aida Viegas, Abandonar Angola. Um olhar à distância. Aveiro, 2002, pp. 67-69.


Vinte e cinco de Abril

Relembro aquela manhã de vinte e cinco de Abril de mil novecentos e setenta e quatro em que nas escolas, nas ruas, nos mercados, nas esplanadas correu de boca em boca a noticia de uma revolução em Lisboa. A revolução dos cravos lhe chamavam. Nos dias seguintes apareceu nos jornais a célebre imagem dum soldado empunhando uma espingarda com um cravo vermelho enfiado no cano, tendo nos braços uma criança.

A alegria contagiou tudo e todos e logo se começou a falar em independência. Como tudo iria ser melhor! Ar­quitectavam-se sonhos de liberdade e progresso. Uma nova era se vislumbrava no amanhecer dum novo dia. Gente de todas as cores parece que bebia o ar da vitória. A Grande Angola iria ser ainda maior. Quanto não iria valer a moeda angolana!... Até já se faziam câmbios. Repórteres de jornais e revistas vieram para a rua fazer inquéritos.

Quem pretendia a independência? perguntavam. Todos, era a resposta de brancos, negros ou mestiços. Quem queria continuar, em Angola? Todos é claro. Todos estavam empenhados no futuro desta terra; os que cá nasceram e os que a tinham adoptado como sua. Apenas uma minoria de militares, alguns quadros e poucos mais tinham intenção de regressar à Metrópole. Na população em geral uma maior onda de fraternidade mais nos irmanava. A independência tornou-se o tema geral das conversas, falava-se dela apaixo­nadamente

A grande Angola iria ser ainda maior depois que a guerra acabasse e a energia de todos fosse canalizada para o progresso daquela grande Terra.

Aqui e além porém encontrava-se alguém que fugia ao tema deixando intrigados os restantes.

O primeiro de Maio ainda foi festejado em plena harmonia. Ouviam-se na rádio canções revolucionárias e uma delas falava em emalar a trouxa e zarpar. Esta foi comentada num grupo de amigos e os comentários cheiraram-nos a esturro deixando-nos apreensivos. Passados dias começaram a correr rumores de desordens, de levantamentos. Mais tarde Luanda foi visitada por um oficial general das forças armadas, que foi recebido em festa, mas que deixou todos ainda mais apreensivos do que estavam.

As medidas que a partir daí começaram a ser tomadas pelo governo central suscitaram a instabilidade, a anarquia no seio das forças armadas e o medo e o mau estar na popu­lação em geral.

Negras nuvens começaram a adensar-se. As notícias da Metrópole eram controversas. Passámos a estar suspensos da rádio e dos jornais. Foi nomeado um novo governador de Angola. Não tardou muito para que os brancos fossem intimados a entregar todas as armas que possuíam. Bandos de negros de aspecto pouco cordial, surgidos não se sabe de onde, começaram a invadir a cidade gritando slogans revolucionários com ar ameaçador.

Soubemos do desembarque de colunas e colunas de soldados e do mais diverso e sofisticado material de guerra, tudo proveniente da Rússia e de Cuba que atravessavam a cidade e desapareciam num abrir e fechar de olhos não se sabe para onde. Os governantes, tendo conhecimento de tudo o que se passava, procediam como se nada de anormal estivesse a acontecer.

A alegria dos primeiros tempos após o vinte e cinco de Abril, cedo começou a desvanecer-se. Afinal muito poucos estavam informados do que se estava a passar. Apenas aqueles que de início fugiam ao tema da independência e os grupos que iam invadindo a cidade tinham uma vaga ideia do que se congeminava nas costas de todos os angolanos. Os militares falavam em segredo. Alguém ouvira aqui ou ali coisas um tanto ou quanto escabrosas sobre o futuro de Angola mas de nada havia certezas. Talvez não fosse verdade pois era demasiado arrepiante para o ser. O boato passou a ser o pão nosso de cada dia. A instabilidade instalou-se definitivamente. Slogans marxistas, tentando expandir ideias comunistas começaram a surgir criando focos de revolução e guerrilha por toda a cidade os quais começaram a alastrar­-se progressivamente a todo o território angolano. Luanda que desde sessenta e dois até então havia sido poupada à guerrilha, via a violência aumentar agora a cada momento.


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