Henrique J. C. de Oliveira, Por terras de Arouca. Quatro antigas oficinas oleícolas, In: Separata da revista "Estudos Aveirenses", n.º 2, ISCIA, Aveiro, 1994.

 

2 - INTRODUÇÃO

Figura 1: Existência de lagares de vara e de parafuso no distrito de Aveiro, de acordo com os elementos recolhidos em Coimbra, na Delegação da J. N. A. Relativamente aos anos de 1968 a 1971 e 1973 não encontrámos elementos.

 

Há já alguns anos, mais rigorosamente em Agosto de 1969, no último trimestre deste mesmo ano e em princípios de 1970, foi-nos possibilitado percorrer, por mais de uma vez, algumas freguesias do concelho de Arouca, em companhia de pessoa amiga que aí se deslocava em serviço. Andava, então, empenhado na recolha de elementos etnográfico-linguísticos por toda a metade norte de Portugal, para a elaboração de uma dissertação de licenciatura.  

Além de diversos aspectos paisagísticos e monumentais, pudemos conhecer pitorescos lugares do concelho de Arouca e visitar quatro antigas oficinas oleícolas: o lagar de Anterronde, pertencente a uma época relativamente recente, embora já tecnologicamente ultrapassado; os dois lagares de Canelas, que nos fizeram lembrar velhas oficinas da Idade Média; e o lagar de Vila Viçosa. O aspecto rudimentar e invulgar destas quatro oficinas prendeu-nos desde logo a atenção, levando-nos à recolha de documentos fotográficos e à realização de entrevistas com pessoas que aí trabalharam, que agora aqui damos a conhecer a todos quantos se interessam pelos variadíssimos e interessantes aspectos do nosso património cultural. Em alguns casos, acrescentaremos aos elementos por nós recolhidos as próprias palavras das pessoas entrevistadas, já que as conservamos em registos magnéticos como documentos linguísticos da região visitada.

Deveremos ainda acrescentar que, além das quatro oficinas referidas, estivemos também, em 10 de Agosto de 1969, na povoação da Espiunca. Era, e cremos que continuará a sê-lo, uma povoação de dificílimo acesso e tão recôndita que a mulher da pensão onde pernoitámos, em Arouca, ao procurarmos saber onde era a Espiunca, voltando-se para nós, muito surpreendida, nos perguntou:

- Mas o que vão o senhores fazer para a Espiunca? Ó senhores, por aí não passou  Nosso Senhor!

A Espiunca era, como dissemos, de dificílimo acesso, servida por uma estrada de terra batida, um estradão[1] no dizer das pessoas desta região. Tivemos de meter por entre pinhais cerrados e um tanto à aventura, orientando-nos pelas informações que íamos recolhendo aqui e além. A breve trecho, surgiu-nos uma bifurcação sem qualquer tabuleta indicativa do caminho a seguir. Como fazer, se não se via vivalma a quem recorrer? Ao acaso, metemos pelo caminho da direita. E foi um grande alívio quando, após vários quilómetros, descobrimos ao longe os primeiros telhados de uma povoação. Escolhêramos, felizmente, o caminho certo: era a Espiunca!

Eram onze e trinta da manhã. Chovia copiosamente. Uma fortuita mulher, que assumiu a uma porta, atraída pelo barulho do carro, indicou-nos a casa do dono do lagar lá do sítio. Encontrado o senhor José da Fonseca, fomos com ele. Fomos, lá isso fomos... mas, quanto a vermos o lagar é que não foi muito possível. Estava de tal modo atulhado de lenha que era impossível fotografar o que quer que fosse. E, dificilmente vendo o que tínhamos à nossa frente, fomos ouvindo e gravando as explicações do senhor José da Fonseca: como outrora ali se trabalhava, quais as diferentes operações de fabrico do dourado óleo, os nomes dos diferentes elementos do seu engenho, etc. Embora oferecendo alguns elementos com interesse, consideramo-los hoje, à distância de vários anos, de importância reduzida, facto pelo qual esta oficina não será por nós abordada nos capítulos seguintes.

Posteriormente, em Setembro de 1980, deslocámo-nos à delegação da Junta Nacional do Azeite (J. N. A.), em Coimbra. Aí fomos verificar até que ponto engenhos tão rudimentares e de tanto interesse como os que visitámos subsistem ainda no distrito de Aveiro.

Tal como prevíramos, os antigos engenhos oleícolas desapareceram na sua esmagadora maioria. Em 1963, existiam ainda 52 lagares de vara e 20 de parafuso, com moinhos quer de tracção animal, quer hidráulica. De ano para ano, foram desaparecendo de maneira vertiginosa, subsistindo apenas 11 de vara e 5 de parafuso em 1980. Deste rápido e lamentável desaparecimento é bastante elucidativo o gráfico da figura 1, elaborado com os elementos que recolhemos em Coimbra. Significará isto que, dentro de poucos anos, o distrito de Aveiro deixará de produzir um dos mais importantes produtos da civilização mediterrânica? Será que o azeite, outrora fonte de iluminação, ingrediente fundamental de tanta mezinha popular e um dos mais importantes e o mais saudável dos óleos alimentares, está em vias de desaparecer do distrito de Aveiro?


[1] - Como para comodidade de leitura optámos por apresentar todo o texto em letra negrita, transcrevemos em modo normal todos os termos, técnicos ou não. No glossário, estes serão apresentados em letra negrita com o texto em normal. As palavras ou transcrições que deveriam ser em itálico, são apresentadas em letra normal. contrastando com o resto do texto. Deste modo, evitamos que as últimas letras em final de linha sejam cortadas, quando enviado o texto para as impressoras.


Página anterior    Página inicial    Página seguinte