2 - INTRODUÇÃO

Figura 1: Existência de
lagares de vara e de parafuso no distrito de Aveiro, de acordo com os
elementos recolhidos em Coimbra, na Delegação da J. N. A.
Relativamente aos anos de 1968 a 1971 e 1973 não encontrámos
elementos.
Há já alguns anos, mais
rigorosamente em Agosto de 1969, no último trimestre deste mesmo ano
e em princípios de 1970, foi-nos possibilitado percorrer, por mais de
uma vez, algumas freguesias do concelho de Arouca, em companhia de
pessoa amiga que aí se deslocava em serviço. Andava, então,
empenhado na recolha de elementos etnográfico-linguísticos por toda
a metade norte de Portugal, para a elaboração de uma dissertação
de licenciatura.
Além de diversos aspectos paisagísticos
e monumentais, pudemos conhecer pitorescos lugares do concelho de
Arouca e visitar quatro antigas oficinas oleícolas: o lagar de
Anterronde, pertencente a uma época relativamente recente, embora já
tecnologicamente ultrapassado; os dois lagares de Canelas, que nos
fizeram lembrar velhas oficinas da Idade Média; e o lagar de Vila Viçosa.
O aspecto rudimentar e invulgar destas quatro oficinas prendeu-nos
desde logo a atenção, levando-nos à recolha de documentos fotográficos
e à realização de entrevistas com pessoas que aí trabalharam, que
agora aqui damos a conhecer a todos quantos se interessam pelos variadíssimos
e interessantes aspectos do nosso património cultural. Em alguns
casos, acrescentaremos aos elementos por nós recolhidos as próprias
palavras das pessoas entrevistadas, já que as conservamos em registos
magnéticos como documentos linguísticos da região visitada.
Deveremos ainda acrescentar que, além
das quatro oficinas referidas, estivemos também, em 10 de Agosto de
1969, na povoação da Espiunca. Era, e cremos que continuará a sê-lo,
uma povoação de dificílimo acesso e tão recôndita que a mulher da
pensão onde pernoitámos, em Arouca, ao procurarmos saber onde era a
Espiunca, voltando-se para nós, muito surpreendida, nos perguntou:
- Mas o que vão o senhores
fazer para a Espiunca? Ó
senhores, por aí não passou Nosso
Senhor!
A Espiunca era, como dissemos, de
dificílimo acesso, servida por uma estrada de terra batida, um estradão[1]
no dizer das pessoas desta região. Tivemos de meter por entre pinhais
cerrados e um tanto à aventura, orientando-nos pelas informações
que íamos recolhendo aqui e além. A breve trecho, surgiu-nos uma
bifurcação sem qualquer tabuleta indicativa do caminho a seguir.
Como fazer, se não se via vivalma a quem recorrer? Ao acaso, metemos
pelo caminho da direita. E foi um grande alívio quando, após vários
quilómetros, descobrimos ao longe os primeiros telhados de uma povoação.
Escolhêramos, felizmente, o caminho certo: era a Espiunca!
Eram onze e trinta da manhã.
Chovia copiosamente. Uma fortuita mulher, que assumiu a uma porta,
atraída pelo barulho do carro, indicou-nos a casa do dono do lagar lá
do sítio. Encontrado o senhor José da Fonseca, fomos com ele. Fomos,
lá isso fomos... mas, quanto a vermos o lagar é que não foi muito
possível. Estava de tal modo atulhado de lenha que era impossível
fotografar o que quer que fosse. E, dificilmente vendo o que tínhamos
à nossa frente, fomos ouvindo e gravando as explicações do senhor
José da Fonseca: como outrora ali se trabalhava, quais as diferentes
operações de fabrico do dourado óleo, os nomes dos diferentes
elementos do seu engenho, etc. Embora oferecendo alguns elementos com
interesse, consideramo-los hoje, à distância de vários anos, de
importância reduzida, facto pelo qual esta oficina não será por nós
abordada nos capítulos seguintes.
Posteriormente, em Setembro de
1980, deslocámo-nos à delegação da Junta Nacional do Azeite (J. N.
A.), em Coimbra. Aí fomos verificar até que ponto engenhos tão
rudimentares e de tanto interesse como os que visitámos subsistem
ainda no distrito de Aveiro.
Tal
como prevíramos, os antigos engenhos oleícolas desapareceram na sua
esmagadora maioria. Em 1963, existiam ainda 52 lagares de vara e 20 de
parafuso, com moinhos quer de tracção animal, quer hidráulica. De
ano para ano, foram desaparecendo de maneira vertiginosa, subsistindo
apenas 11 de vara e 5 de parafuso em 1980. Deste rápido e lamentável
desaparecimento é bastante elucidativo o gráfico da figura 1,
elaborado com os elementos que recolhemos em Coimbra. Significará
isto que, dentro de poucos anos, o distrito de Aveiro deixará de
produzir um dos mais importantes produtos da civilização mediterrânica?
Será que o azeite, outrora fonte de iluminação, ingrediente
fundamental de tanta mezinha popular e um dos mais importantes e o
mais saudável dos óleos alimentares, está em vias de desaparecer do
distrito de Aveiro?
[1]
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texto em letra negrita, transcrevemos em modo normal todos os termos, técnicos ou
não. No glossário, estes serão apresentados em letra negrita
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