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1 - PREFÁCIO
Em 1979 nasceu em Aveiro uma
associação para defesa do património natural e cultural da região de
Aveiro - a ADERAV -, visando sensibilizar para a salvaguarda e valorização
para as gerações vindouras dos diferentes aspectos da região - naturais
e culturais. Nesse mesmo ano, foi criado um boletim para publicação de
artigos da mais diversa índole, de cujo corpo redactorial fizemos parte
durante os primeiros anos.
Por essa mesma altura, decidimos
redigir um trabalho com certa profundidade, tendo em vista dar a conhecer
alguns aspectos de carácter linguístico-etnográfico ligados a uma área
ancestral da actividade humana. Como é do conhecimento de todos,
Portugal, pela sua situação e características geográficas, encontra-se
englobado numa vasta área de civilização mediterrânica, a que andam
ligados dois grandes elementos naturais - a oliveira e a vinha. Estes dois
produtos foram importantes para toda a civilização ocidental, importância
essa que ainda hoje não perdeu o seu valor, apesar do azeite, o mais
importante óleo alimentar, ter sido relegado para segundo plano na
maioria dos países europeus.
Portugal, embora nunca tenha
sido o maior produtor de azeite, segundo cremos, foi, no entanto, um dos
grandes produtores. Embora nos situemos actualmente atrás da Espanha em
termos de quantidade, mesmo assim o azeite português está em primeiro
lugar a nível da qualidade, facto que tem levado o país vizinho, e não
apenas ele, a adquirir azeite português para melhoria da qualidade do seu
próprio produto. E não somos nós que o afirmamos. Dizem os técnicos
que o «azeite português é reconhecido mundialmente pela sua alta
qualidade, nomeadamente o produzido em Trás-os-Montes (...)
... é conhecido que, quer em Espanha, quer em Itália, grandes
produtores vêm comprar azeite a granel a Portugal para melhorar os seus
lotes[1]»,
o que confirma que Portugal mantém ainda a sua posição ímpar na
produção do óleo que os nossos antepassados, o povo romano,
consideravam uma benesse da deusa Minerva.
Através dos tempos, na
Europa (e particularmente em Portugal), o azeite conheceu as mais diversas
utilizações. Além de principal, se não o único óleo utilizado na
alimentação, o azeite era também utilizado como forma de
iluminação, profana e religiosa, e como matéria-prima na confecção
das mais diversas mezinhas, especialmente o chamado «azeite virgem», no
sentido original da expressão, isto é, aquele azeite primeiro que se
obtinha da massa da azeitona, mesmo antes da primeira prensagem. Inclusive, a própria árvore, consagrada a Minerva, entrava em muita
oração, especialmente criada para que Santa Bárbara afastasse as
trovoadas, livrando os pobres mortais das suas fulminantes consequências.
E do ponto de vista tecnológico, isto é, no que diz respeito à sua
obtenção, o fabrico do azeite conheceu em Portugal, à semelhança dos
outros países pertencentes à bacia mediterrânica, uma lenta mas
profunda evolução. O seu fabrico foi passando por diversas fases, cada
vez mais avançadas tecnologicamente, desde o lagar mais primitivo,
composto por um simples moinho de tracção animal e com prensas constituídas
por enormes alavancas inter-resistentes, formadas por enormes troncos de
árvores, até às mais modernas fábricas de azeite, com sofisticados
sistemas mecânicos de alto rendimento e quase inteiramente automatizados,
transformando um trabalho árduo, próprio de homem, em actividade leve, fácil,
acessível à mão-de-obra feminina.
É evidente que para nós,
do ponto de vista linguístico-etnográfico, o que nos interessa são
precisamente os sistemas primitivos de fabrico de azeite, com todos os
seus componentes técnicos e terminologia específica, hoje praticamente
extintos.
Em 1980, expressamente para
o boletim da ADERAV, decidimos elaborar um trabalho com certa profundidade
sobre a região de Arouca, trabalho este que, embora publicado em quatro
partes, nos boletins números 3, 4, 5 e 6, entre Outubro de 1980 e Maio de
1982, deveria posteriormente ser publicado em volume, facto que nunca
chegou a concretizar-se.
Posteriormente, tendo
voltado à região de Arouca, durante o ano lectivo de 1988/89, onde
realizámos algumas acções de formação, no domínio da tecnologia
educativa, para professores do 1º Ciclo do Ensino Básico, viemos a
descobrir que o nosso trabalho havia sido publicado, por essa altura, no
jornal de Arouca.
Vários leitores que então
nos abordaram, tendo sabido que éramos o autor do trabalho,
sugeriram-nos, por mais de uma vez, que esta matéria deveria ser
publicada em volume, para uma mais fácil leitura e maior divulgação
destes aspectos da nossa cultura junto das novas gerações,
confirmando-nos a validade da nossa primeira intenção que, por razões
de vária ordem, tinha ficado relegada para as calendas gregas, o mesmo
será dizer, adiada sine die.
Finalmente, passados praticamente vinte anos após a sua primeira
apresentação, surge
o trabalho apresentado em volume, ainda que em formato electrónico e
consequentemente mais acessível, cumprindo-se o que inicialmente imagináramos.
Apesar de terem decorrido trinta e
três anos após a nossa primeira passagem por terras de Arouca, o
trabalho constitui actualmente um verdadeiro documento histórico da
tecnologia de uma época, para além do seu valor linguístico e etnográfico,
dando a conhecer à gente nova uma remota tradição de nossos avós que,
a não ser registada pela escrita e pela imagem, ficaria irremediavelmente
perdida.
Àqueles que o lerem, lembramos que
deverão ter em conta que as garras aduncas do tempo deixaram já as suas
marcas profundas e que hoje, seguramente, muitas das pessoas referidas,
quer ao longo dos capítulos, quer na relação final dos lagares antigos
do distrito de Aveiro, só eventualmente se manterão vivas na memória
dos seus descendentes. Será, pois, com o espírito de que se está na
presença de uma relíquia do passado, que deveremos ler as páginas
seguintes, tomando assim conhecimento da maneira árdua, mas empenhada,
como os nossos antepassados obtinham o mais precioso óleo usado pelo
Homem, quer como fonte de alimento, quer como fonte de iluminação e de
cura.
O
Autor,
Aveiro, Fevereiro de 2002
[1]
- Vd. o artigo Qualidade do azeite define futuro sector, publicado no
jornal mensal Notícias da Alimentação, ano I, n.º 8, de
Agosto de 1993, pp. 22-23.
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