A Associação Comercial de
Aveiro cumpre,
no presente ano, 140 anos de existência. É, de facto, uma das mais
antigas e prestigiadas agremiações da Cidade e do País.
O texto do Alvará Régio de instituição da Associação Comercial de
Aveiro, de 25 de Novembro de 1858, explicita os objectivos dos seus fundadores, patenteando uma evidente consonância com o
discurso político e económico da Regeneração. Segundo esse documento, a classe política local e a
aristocracia aburguesada
dos primeiros tempos do Fontismo
−
unidas por interesses comuns, essencialmente em torno do trato do sal
−
viam, nesse tipo de associação, a melhor forma de se fazerem ouvir sobre
os mais diversos assuntos do seu interesse, com vista à promoção e
desenvolvimento do comércio interno e externo.
A orientação da política do Estado nesse sentido e a bondade dos
resultados divulgados pelas associações congéneres, criadas ainda na
década de 1830 (as de
Lisboa e Porto, em 1834, e as de Ponta
Delgada e Funchal, em 1835 e 1836, respectivamente) terão
contribuído favoravelmente para a criação de um amplo consenso quanto à
necessidade da sua instituição, apesar das dificuldades registadas.
O bom funcionamento da barra de Aveiro e a valorização do porto eram essenciais para o comércio com outros portos do País e do estrangeiro. A
prosperidade económica da cidade e da região dependiam da barra. E na década de 1840 quase fechara. Apesar das obras
realizadas nas décadas anteriores, a navegabilidade ficou comprometida. Em
1858, a foz encontrava-se
obstruída, impossibilitando, de todo o modo, quer a produção, quer a exportação do sal de Aveiro.
Daí que a prioridade dos primeiros anos tenha sido a regularização da
barra.
Nas décadas seguintes, a Associação
Comercial de Aveiro
−
mais do que a Caixa Económica, então criada pelo
mesmo grupo
−
viria a desempenhar um papel decisivo no desenvolvimento
da cidade e da região envolvente, especialmente nas duas últimas décadas
de Oitocentos e nas três primeiras décadas do presente século (séc. XX).
Foi graças à sua actividade
−
com relevo para um grupo de notáveis que
se moviam em torno de José Estêvão e de Manuel Mendes Leite
−
que Aveiro
pôde impor a passagem do caminho de ferro.
À Associação Comercial de Aveiro
se ficou a dever, também, pelas petições e pressões, como pelas propostas
e estudos apresentados,
o caminho de ferro do Vale do Vouga,
o Canal de S. Roque, uma parte significativa da rede viária envolvente, a
regularização de diversas artérias da cidade, a criação do ensino
industrial e comercial, na Escola Fernando Caldeira, a construção da
Avenida Lourenço Peixinho, a representação e defesa dos mais diversos
interesses económicos da região, nomeadamente os que se relacionam com a
barra, como a criação da Junta Autónoma da Barra, a construção do porto
de Aveiro, a dragagem e desassoreamento da ria, a navegação a vapor, com
o abastecimento da cidade, a organização do comércio, a construção do
edifício dos correios, o estabelecimento de ligações telefónicas, a
organização de feiras locais e a participação das empresas da região em
feiras internacionais, a luta contra o contrabando, etc., etc.
Por diversas vezes, só com a acção determinante da Associação Comercial
foi possível acautelar os interesses de Aveiro. Durante décadas, a
Associação soube encontrar junto do Poder Central as influências para
levar por diante os seus projectos. A simples enumeração dos seu sócios
honorários diz bem do seu peso e influência.
De facto, a Associação Comercial de Aveiro foi, durante mais de um
século, o viveiro e o espaço de afirmação de quadros políticos e
figuras públicas locais. Essa situação deu à Associação um prestígio que
não tinha qualquer outra agremiação coeva. Dificilmente poderemos falar
do poder municipal do Século XIX e das primeiras décadas do século XX,
em Aveiro, sem referir a acção da Associação Comercial de Aveiro. Por
aqui passaram governadores civis, presidentes da Câmara e vereadores,
antes e depois de o serem. Por aqui desfilou a nata do comércio, da
indústria local e das profissões liberais que se empenhou na defesa dos
interesses da cidade e da região.
Entre
os mais ilustres dos seus sócios e dirigentes,
do século XIX e início do XX, contam-se figuras com perfis tão diversos como os de
Nicolau Anastácio de Bettencourt
−
o fundador da Associação
−,
Manuel
Mendes Leite, Bento Xavier de Magalhães, Agostinho Duarte Pinheiro e
Silva
−
o primeiro presidente
−, Silvério Augusto Pereira da Silva,
Francisco António do Vale Guimarães, Sebastião de Carvalho Lima, Edmundo
de Magalhães Machado, Francisco de Castro Mattoso Corte Real, Gustavo
Ferreira Pinto Basto, Manuel Homem de Carvalho Cristo, Domingos José
dos Santos Leite, Carlos da Silva Melo Guimarães, Albino Pinto de
Miranda, Ricardo e Domingos Pereira Campos, Jaime Duarte Silva,
Francisco Augusto da Fonseca Regala, Francisco Augusto da Silva Rocha,
Francisco
Casimiro da Silva, João Aleluia, Manuel Pedro da Conceição, António
Henriques Máximo Júnior,
Lívio da Silva Salgueiro,
José Maria Soares, António Maria Ferreira,
Alberto
Souto, José
Gonçalves Gamelas,
Francisco Homem Cristo, Carlos Gomes Teixeira,
Egas
Salgueiro, entre outros.
Na viragem do Milénio, no quadro de uma economia global, quando os mais
diversos problemas (como as suas soluções) dizem respeito, não apenas a
um grupo social ou profissional, ou mesmo a uma região, na medida em que
interagem de forma cada vez mais imprevisível com a vida e o bem-estar
de todos, importa relançar a imagem de grande prestígio que esta
instituição construiu durante décadas. Há que recuperar o orgulho e a
imagem de Poder que identificou esta agremiação, no passado. É essencial
para o Comércio. É importante para a competitividade da Cidade e da
Região. Vivemos numa época de acelerada mutação técnica e económica.
Encontramo-nos hoje numa encruzilhada, divididos entre a estabilidade
dos valores da tradição e a sedução por um individualismo hedonista,
mas efémero. Vivemos divididos entre a recusa do regime de privilégio e
protecção, que moldou durante décadas muitas das práticas empresariais,
e o medo da concorrência desregulada entre os agentes económicos,
característica dos tempos que correm.
Mas, mais do que nunca, os Comerciantes parecem estar atentos aos sinais
do nosso tempo. Apraz-me registar os esforços da Associação Comercial
de Aveiro e de muitos comerciantes aveirenses nesse sentido. De facto,
estão a proceder a uma avaliação das suas possibilidades, dos seus
pontos fortes (como dos fracos), procurando os aliados naturais, para o
delineamento de estratégias regionais conjuntas.
Neste domínio, a História pode ter uma função complementar, mas
decisiva, identificando os comerciantes de hoje com o seu passado,
devolvendo-lhes o espaço que é seu, no imaginário da Cidade,
fornecendo-lhes elementos preciosos para uma reflexão comparada, de
modo a enfrentarem vitoriosamente os desafios do Futuro.
Impende sobre eles a obrigação moral de darem continuidade à instituição
que fez do Comércio uma actividade urbana por excelência, investindo
individual e colectivamente na inovação, quer no tocante ao binómio
público-produto, quer, especialmente, no que diz respeito à
organização empresarial e associativa. Importa que, no dobrar de
quase século e meio de existência, os Comerciantes de Aveiro saibam
ser dignos representantes das gerações anteriores, rumo ao Futuro.
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