DIVERSOS COM EVENTUAL INTERESSE

Associação Comercial de Aveiro

140 anos de protagonismo regional

Quinta-feira, 26 de Novembro de 1998 – pág. 15 Manuel Ferreira Rodrigues

A Associação Comercial de Aveiro cumpre, no presente ano, 140 anos de existência. É, de facto, uma das mais antigas e prestigiadas agremiações da Cidade e do País.

O texto do Alvará Régio de instituição da Associação Comercial de Aveiro, de 25 de Novembro de 1858, explicita os objectivos dos seus fundadores, patenteando uma evidente consonância com o discurso político e económico da Regeneração. Segundo esse documento, a classe política local e a aristocracia aburguesada dos primeiros tempos do Fontismo unidas por interesses comuns, essencialmente em torno do trato do sal viam, nesse tipo de associação, a melhor forma de se fazerem ouvir sobre os mais diversos assuntos do seu interesse, com vista à promoção e desenvolvimento do comércio interno e externo.

A orientação da política do Estado nesse sentido e a bondade dos resultados divulgados pelas associações congéneres, criadas ainda na década de 1830 (as de Lisboa e Porto, em 1834, e as de Ponta Delgada e Funchal, em 1835 e 1836, respectivamente) terão contribuído favoravelmente para a criação de um amplo consenso quanto à necessidade da sua instituição, apesar das dificuldades registadas.

O bom funcionamento da barra de Aveiro e a valorização do porto eram essenciais para o comércio com outros portos do País e do estrangeiro. A prosperidade económica da cidade e da região dependiam da barra. E na década de 1840 quase fechara. Apesar das obras realizadas nas décadas anteriores, a navegabilidade ficou comprometida. Em 1858, a foz encontrava-se obstruída, impossibilitando, de todo o modo, quer a produção, quer a exportação do sal de Aveiro. Daí que a prioridade dos primeiros anos tenha sido a regularização da barra.

Nas décadas seguintes, a Associação Comercial de Aveiro mais do que a Caixa Económica, então criada pelo mesmo grupo viria a desempenhar um papel decisivo no desenvolvimento da cidade e da região envolvente, especialmente nas duas últimas décadas de Oitocentos e nas três primeiras décadas do presente século (séc. XX).

Foi graças à sua actividade com relevo para um grupo de notáveis que se moviam em torno de José Estêvão e de Manuel Mendes Leite que Aveiro pôde impor a passagem do caminho de ferro. À Associação Comercial de Aveiro se ficou a dever, também, pelas petições e pressões, como pelas propostas e estudos apresentados, o caminho de ferro do Vale do Vouga, o Canal de S. Roque, uma parte significativa da rede viária envolvente, a regularização de diversas artérias da cidade, a criação do ensino industrial e comercial, na Escola Fernando Caldeira, a construção da Avenida Lourenço Peixinho, a representação e defesa dos mais diversos interesses económicos da região, nomeadamente os que se relacionam com a barra, como a criação da Junta Autónoma da Barra, a construção do porto de Aveiro, a dragagem e desassoreamento da ria, a navegação a vapor, com o abastecimento da cidade, a organização do comércio, a construção do edifício dos correios, o estabelecimento de ligações telefónicas, a organização de feiras locais e a participação das empresas da região em feiras internacionais, a luta contra o contrabando, etc., etc.

Por diversas vezes, só com a acção determinante da Associação Comercial foi possível acautelar os interesses de Aveiro. Durante décadas, a Associação soube encontrar junto do Poder Central as influências para levar por diante os seus projectos. A simples enumeração dos seu sócios honorários diz bem do seu peso e influência.

De facto, a Associação Comercial de Aveiro foi, durante mais de um século, o viveiro e o espaço de afirmação de quadros políticos e figuras públicas locais. Essa situação deu à Associação um prestígio que não tinha qualquer outra agremiação coeva. Dificilmente poderemos falar do poder municipal do Século XIX e das primeiras décadas do século XX, em Aveiro, sem referir a acção da Associação Comercial de Aveiro. Por aqui passaram governadores civis, presidentes da Câmara e vereadores, antes e depois de o serem. Por aqui desfilou a nata do comércio, da indústria local e das profissões liberais que se empenhou na defesa dos interesses da cidade e da região.

Entre os mais ilustres dos seus sócios e dirigentes, do século XIX e início do XX, contam-se figuras com perfis tão diversos como os de Nicolau Anastácio de Bettencourt o fundador da Associação , Manuel Mendes Leite, Bento Xavier de Magalhães, Agostinho Duarte Pinheiro e Silva o primeiro presidente , Silvério Augusto Pereira da Silva, Francisco António do Vale Guimarães, Sebastião de Carvalho Lima, Edmundo de Magalhães Machado, Francisco de Castro Mattoso Corte Real, Gustavo Ferreira Pinto Basto, Manuel Homem de Carvalho Cristo, Domingos José dos Santos Leite, Carlos da Silva Melo Guimarães, Albino Pinto de Miranda, Ricardo e Domingos Pereira Campos, Jaime Duarte Silva, Francisco Augusto da Fonseca Regala, Francisco Augusto da Silva Rocha, Francisco Casimiro da Silva, João Aleluia, Manuel Pedro da Conceição, António Henriques Máximo Júnior, Lívio da Silva Salgueiro, José Maria Soares, António Maria Ferreira, Alberto Souto, José Gonçalves Gamelas, Francisco Homem Cristo, Carlos Gomes Teixeira, Egas Salgueiro, entre outros.

Na viragem do Milénio, no quadro de uma economia global, quando os mais diversos problemas (como as suas soluções) dizem respeito, não apenas a um grupo social ou profissional, ou mesmo a uma região, na medida em que interagem de forma cada vez mais imprevisível com a vida e o bem-estar de todos, importa relançar a imagem de grande prestígio que esta instituição construiu durante décadas. Há que recuperar o orgulho e a imagem de Poder que identificou esta agremiação, no passado. É essencial para o Comércio. É importante para a competitividade da Cidade e da Região. Vivemos numa época de acelerada mutação técnica e económica. Encontramo-nos hoje numa encruzilhada, divididos entre a estabilidade dos valores da tradição e a sedução por um individualismo hedonista, mas efémero. Vivemos divididos entre a recusa do regime de privilégio e protecção, que moldou durante décadas muitas das práticas empresariais, e o medo da concorrência desregulada entre os agentes económicos, característica dos tempos que correm.

Mas, mais do que nunca, os Comerciantes parecem estar atentos aos sinais do nosso tempo. Apraz-me registar os esforços da Associação Comercial de Aveiro e de muitos comerciantes aveirenses nesse sentido. De facto, estão a proceder a uma avaliação das suas possibilidades, dos seus pontos fortes (como dos fracos), procurando os aliados naturais, para o delineamento de estratégias regionais conjuntas.

Neste domínio, a História pode ter uma função complementar, mas decisiva, identificando os comerciantes de hoje com o seu passado, devolvendo-lhes o espaço que é seu, no imaginário da Cidade, fornecendo-lhes elementos preciosos para uma reflexão comparada, de modo a enfrentarem vitoriosamente os desafios do Futuro.

Impende sobre eles a obrigação moral de darem continuidade à instituição que fez do Comércio uma actividade urbana por excelência, investindo individual e colectivamente na inovação, quer no tocante ao binómio público-produto, quer, especialmente, no que diz respeito à organização empresarial e associativa. Importa que, no dobrar de quase século e meio de existência, os Comerciantes de Aveiro saibam ser dignos representantes das gerações anteriores, rumo ao Futuro.

 

 

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