As barricas foram criadas no início do século XX. Quando João Ferreira
nasceu, já a sua família trabalhava as barricas, e ele, desde que saiu
da escola, com apenas 11 anos, começou a aprender a fazê-las. Confessa
que, a princípio, não gostava muito, mas naqueles tempos não havia
escolha. Barricas
− foi o que aprendeu a fazer e que hoje com orgulho
continua a fazer, pois só agora lhe conhece o verdadeiro significado.
João Ferreira desde os 11 anos que conhece a arte e a forma das típicas
barricas dos ovos-moles de Aveiro. Para ele fazer barricas é a única
forma que conhece de dar qualquer coisa aos outros e à cidade.
A casa onde João Ferreira trabalha foi aberta por um tio seu, e quando
saiu da escola teve de aprender uma arte. Foi para a oficina do tio e lá
aprendeu a arte de fazer barricas. «Quando o meu tio veio para aqui, em
1963, havia em Aveiro apenas uma casa da especialidade. O tio de João
Ferreira trabalhou durante algum tempo na outra casa e só mais tarde se
estabeleceu na actual oficina onde ainda hoje trabalha João Ferreira.
«Fiquei sozinho na oficina»
«Quando o meu tio morreu fiquei sozinho na oficina. Comprei os direitos
de fabrico a Júlio Pereira, porque, quando as barricas foram feitas
pela primeira vez, tiveram de ser registadas no Instituto Nacional de
Propriedade; tudo isto se passou por volta de 1920.» Para João Ferreira
continuar a fabricar as barricas, teve de comprar os direitos de
fabrico, se não as barricas acabavam.
João Ferreira orgulha-se de ser a única pessoa na cidade, no país e no
mundo, a fabricar as barricas de Aveiro. Geralmente são três ou quatro pessoas a trabalhar
na oficina, «mas quase sempre quem está aqui sou eu e o meu sócio. Eu
dou-lhes a forma na madeira e ele pinta-as». Não sendo muito, trabalho
não falta, até porque são os únicos fabricantes. As encomendas são,
essencialmente, para a zona de Aveiro, visto que as barricas se destinam
para os ovos-moles de Aveiro.
João Ferreira diz que «gostava de ver jovens na minha oficina, mas hoje
em dia já ninguém tem paciência para fazer disto uma profissão». Nas
férias de verão costumam aparecer uns rapazes na oficina
de João Ferreira, mas rápido desaparecem; queixam-se que o trabalho é
muito pesado. «Os meus filhos até se interessam, mas isto não dá
dinheiro e dá muito trabalho. EIes, hoje em dia, procuram urna profissão que dê algum dinheiro e eu não os censuro por isso. A vida
assim o exige. O
tempo dirá se algum deles continua com a oficina ou não».
«O preço: é caro?»
João Ferreira diz que «as pessoas se queixam do preço de todas as
coisas, quanto mais do artesanato. Mas também às vezes dizem certas
coisas porque não sabem o trabalho que dá». Este tipo de oficinas de
artesanato nunca pode dar muito lucro nem pode funcionar com muitos
empregados, porque depois corre o risco de não poder pagar os salários.
Quem trabalha neste ramo, como João Ferreira, tem de o fazer sobretudo
pelo gosto e pelo prazer de ser artesão. Quase todos os artesãos dizem o
mesmo: «Só é artesão quem o é por gosto e não pela
riqueza que daqui queira tirar.»
Por isso, João Ferreira diz com gosto: «As barricas são necessárias. Sem
barricas a cidade perdia um bocadinho de brilho, por isso não se pode
deixar de as fazer. Eu tenho essa responsabilidade».
|
|
Torno onde são feitas as barricas. |
Fiquei sozinho na oficina. |
«Vou fazer isto até que possa»
Isto de fazer artesanato tem de nascer com as pessoas. É o que podemos
concluir. Não são todos que estão dispostos a trabalhar numa arte que
não tem ajudas nenhumas e que paga impostos como uma empresa qualquer.
João Ferreira já se convenceu de que tem uma responsabilidade para com
a cidade e que são as barricas que identificam Aveiro. Jamais poderão
sair das montras das pastelarias da cidade. «Eis por que vou fazer as
minhas barricas enquanto tiver saúde, embora isto não compense o
trabalho que dá, mas agora não posso voltar atrás».
A cidade e as pessoas envaidecem-se por mostrá-las. Cada vez mais e,
felizmente, a sociedade civil de Aveiro vai reconhecendo o valor destes elementos identificativos de Aveiro, que não se
podem perder. «Sem barricas nem os ovos-moles têm o mesmo sabor. Para
meu desgosto isto tem tendência a acabar»
−
desabafa João Ferreira.
Ajudas: recebem algumas?
No que diz respeito a ajudas todos os
artesãos com quem falámos até agora parecem estar de acordo neste ponto:
não há apoios nem incentivos por parte das entidades responsáveis,
nomeadamente a Câmara Municipal de Aveiro. Só a Rota da Luz tem vindo a
incentivar o artesanato, quando se faz representar em exposições e
feiras, nas quais mostra um pouco do artesanato que vai sendo feito por
terras aveirenses.
João Ferreira comenta: «Isto dá muito trabalho e por vezes as
autoridades
não incentivam as pessoas a trabalharem no artesanato, para que ao menos
sintam um pouco de gosto pelas coisas que vão sendo feitas». Em relação
aos impostos que pagam, João Ferreira também se queixou: «Não podemos
pagar a mesma percentagem que uma grande empresa. Por vezes aquilo que
temos de lucro não chega para fazer face às despesas: salários, impostos
e compras de material. Acho que o Governo havia de criar uma percentagem
diferente para quem trabalha no artesanato. Assim, isto acaba mais
rápido do que aquilo que se pensa, Só quem está nisto é que sabe o que
na verdade se passa».
João Ferreira pensa ser urgente a tomada de medidas, para que o
artesanato não morra e para que o artesão não se sinta abandonado. É
importante que este se sinta ajudado. De outro modo, o desencanto: «Por
vezes chego a esmorecer. Uma pessoa faz contas e no fim aparecem outras».
João Ferreira e, como ele, muitos outros, que vivem sem motivações e que
esperam ansiosamente por medidas, por parte da Câmara Municipal de
Aveiro, para que «acordem e vejam aquilo que têm que fazer pelos
artesãos desta cidade que tão bem conhece o fazer das barricas».
Um sonho
João Ferreira confessa que o único
sonho acalentado é continuar a fazer as barricas de Aveiro. Mas não vê
ninguém interessado em salvar o património cultural da cidade, porque,
para ele, as barricas também fazem
parte de Aveiro. «Gostaria que se incentivasse a juventude, para que
gostassem de aprender esta linda arte que é ser artesão.»
|