António de Almeida nasceu há 57 anos (1941), no antigo Congo
Belga. Veio para Portugal com 6 anos. Um homem que adora o futebol e que recorda com muita alegria todos os
bons momentos vividos no futebol. Mas não sente saudade, porque tudo na vida tem
um momento e «o que lá
vai lá vai...» Aposta numa vida regrada, mas já não pratica muito desporto. O único exercício que faz é o
habitual passeio que dá, todas as noites, com a sua cadelinha pelo
Parque Municipal. E a pesca. Depois, aproveita para ir ao campo do Beira
Mar. Vai conviver com amigos que, por ali, ainda vão aparecendo...
A sua actividade de futebolista iniciou-se aos 16 anos, na
Associação Académica de Coimbra. Ali, jogou quatro anos. Depois, veio
o serviço militar e, dois anos passados, foi destacado para Timor, onde
esteve cerca de dois anos e meio. «Empataram-me quatro anos e meio de
vida.» Afastado tantos anos da vida académica, desistiu de estudar.
«Depois de quatro anos e tal sem pegar num livro, estava meio
enferrujado, e sentia-me velhote ao lado dos miúdos. Estive muito tempo
fora de Coimbra, e esta cidade deixou de me dizer grande coisa.» Foi
então que surgiu o convite do Beira Mar. A Académica fez alguma pressão
para que António Almeida não saísse, mas decidiu e alinhou na equipa
aveirense. Em Aveiro, conheceu a sua esposa e foi ficando. E de tal
maneira se apaixonou pela cidade
−
e não só
−,
que jogou no Beira Mar
durante 13 anos. Não ganhou muito dinheiro, apenas o necessário para poder
viver.
Depois de ter deixado o Beira Mar, jogou dois anos em
Águeda, onde aos 34 anos terminou a sua carreira. Saiu do Beira Mar com
alguma mágoa, porque a atitude do clube para com este homem que se
dedicou à equipa de corpo e alma, não foi a mais correcta: "Se lhes
deixei de interessar dever-me-iam ter dito isso directamente e de outra
maneira. Pelos anos de entrega, por respeito, deviam ter tido outra
atitude. Depois de 13 anos a representar o Beira Mar, deixei de saber
quando era o fim do mês. E não tiveram coragem de me dizer que estava
dispensado. E um dia disseram-me apenas: "Almeida, arranja clube!"
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1979/80 - Campeões Nacionais da II Divisão Norte |
Foi um jogador muito duro, mas nunca foi expulso. "No campo havia luta, mas cá fora éramos
amigos. Não havia tanta maldade. E eu fiz muitas faltas, mas porque
tinha muita força.» Atitudes vergonhosas como aquelas a que se assistem
no futebol, considera-as indignas e uma falta de respeito próprio e para com os outros. Para
comportamentos destes apenas castigos pesados lhe parecem a solução.
«Joguei sempre por amor, mas não entendo muito bem o que
quer dizer "amor à camisola". Joguei por amor próprio, porque não
gostava de perder e fazia tudo por tudo para evitar as derrotas. Não
gostava de sair do campo envergonhado, cada vez que perdia.»
Ainda tirou um curso de treinadores, mas não se tem
aventurado nessas lides. Mas mantém-se atento a tudo o que se passa no
futebol. Um futebol que não reconhece.
O futebol de hoje é completamente diferente do futebol do
seu tempo. E tamanhas são as diferenças, que António Almeida não resiste
a contar uma história, para ele exemplo das diferenças de profissionalismo: «Íamos ter jogo com
o Sporting e estávamos na Cruz Quebrada, em estágio. No dia
do jogo, o treinador, antes de irmos para o estádio falou connosco
− o que era normal antes dos jogos
− e disse-nos que
tínhamos 5 minutos para arrancar. Ora, eu precisei de ir urinar e, como
tinha tempo, fui ao quarto de banho. Quando cheguei o autocarro já tinha ido
embora. Apanhei um táxi e fui ter a Alvalade. Quando lá cheguei estavam
os meus colegas equipados e ninguém tinha dado pela minha falta. Isto,
hoje, é impensável!»
Os treinos não eram, para António Almeida, muito duros.
«Quando era miúdo, treinava poucas vezes, fazia alguma preparação
física, banhos e massagens... Não era duro! No Beira Mar cheguei a
apanhar um treinador que dava uns treinos puxaditos e a fazer dois
treinos por dia, mas estou convencido de que os treinos de hoje são mais
duros.»
Hoje não se joga o futebol que o apaixonou, «o futebol
artístico, com habilidade, espaço... Há outra dinâmica...» A beleza do futebol, os dribles, a festa dos golos, já não
fazem parte do espectáculo... «As super-defesas tiraram beleza aos jogos. Ou aparecem os super-craques,
aqueles que num espaço reduzido conseguem furar a defesa ou então não há
golos.»
Ainda treinou as camadas jovens do Beira Mar. Uma equipa
«excepcional que durante 12 meses e 14 dias não teve uma única derrota». E onde um dos seus filhos chegou a ser
seu pupilo, mas nos balneários e no campo, o pai António Almeida passava a ser o Sr. Almeida. «Nos treinos eram todos
iguais. Em casa era o meu filho.» Depois, treinou algumas equipas do
regional, mas acabou por pôr de lado esta faceta. «Gosto de treinar, mas
prefiro os mais pequenos: dos 9 aos 15 anos. Os mais velhos são sempre mais mafiosos... Já namoram, inventam
dores de cabeça...»
É um homem feliz, que adora o ambiente familiar e que
hoje tem um motivo maior para viver: «Sou pai duplamente. O meu netinho
tem nove meses e é uma maravilha estar com ele». Os seus dois filhos ainda deram uns pontapés
na bola, mas não quiseram continuar. Quem sabe se o neto dá a alegria de seguir as pisadas do
avô,
que, por enquanto, só quer aproveitar as primeiras palavras e os primeiros
passos, e graças do bebé...
Ora,
bolas!
António
Almeida conta:
«Quando fui jogar para a Académica, a principal condição que o meu pai pôs, para me deixar
jogar, foi a de que eu não ganhasse dinheiro. Recebia, mas o meu pai
nunca soube.»
«Cada vez que perdia um jogo, era uma noite em que não
dormia!»
«O José Maria Pedroto incutiu-me o espírito da
polivalência.»
«Nunca penso que seria bom que o tempo voltasse para
trás. O tempo passa, e isso é irreversível.»
«A vida de treinador é muito ingrata. E eu sou muito
comodista e pouco aventureiro.»
«Quase todo os dias vou ao estádio do Beira Mar. Conheço
poucos jogadores, mas conheço o roupeiro, os directores, o treinador...»
«Não gosto da palavra saudades. O que passou, passou...»
«Gosto muito da Académica, porque foi a equipa onde
comecei, e do Beira Mar, porque dediquei muitos anos da minha vida a
este clube. Mas sou benfiquista. E a verdade é que eu nem gostava do
Benfica, mas, quando comecei a conviver com os jogadores deste clube,
percebi que eles não eram os carniceiros que todos diziam ser. No Benfica existia um
grande espírito de companheirismo e de amizade.»
«Há dois anos que não vou ver o Beira Mar jogar. Mas os
jogos dos juvenis não perco! Os miúdos ensinam-nos muito, porque vemos a
verdadeira entrega.»
« Num jogo com a CUF dei um toque ao Monteiro, sem o
magoar; mas ele caiu-me em cima da perna
e parti o perónio. O rapaz até me escreveu uma carta a pedir-me desculpa! Eu respondi, para lhe dizer que ele estava
totalmente desculpado, até porque a culpa tinha sido minha. Fui eu quem
fez a falta! Ainda havia esse respeito.»
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