Aos 64 anos, Aguinaldo Armindo da Silva Melo recorda com
muita saudade os seus anos de jogador. Tempos que lhe trouxeram muita
alegria, de uma carreira mais curta do que desejava. Vestiu as camisolas
do Belenenses e da Académica
−
clubes com os quais simpatiza
−,
e do Beira Mar
−
a equipa do seu coração, onde jogou oito
anos. Um homem que dividiu a sua vida entre a terra e o
mar, mas que diz que é preciso ter os pés bem assentes na terra. Teve a
felicidade de jogar numa grande equipa e de nunca ter sofrido um castigo,
o que lhe permitiu receber uma distinção.
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Começou a jogar futebol aos 10 anos com os amigos de
escola. Jogos importantíssimos em que eram adversários o "Adro", o
"Rossio", a "Beira-Mar" e o "Bairro de Sá". Jogos que muitas vezes
terminavam à pedrada e que eram feitos de pé descalço, com umas
bolas de trapos que tinham um peso doido e que não saltavam quase
nada. Jogávamos cinco a seis horas por dia... «Não havia as
diversões de hoje e os jogos eram a forma de aproveitarmos os
grandes espaços e o tempo livre.» |
Jogou nos infantis do Beira Mar e, também, no Futebol
Clube de Aveiro. A partir dos 15 anos, foi jogar para o Beira Mar.
«Fomos campeões distritais de juniores três anos consecutivos.»
Completados os estudos no liceu foi jogar, temporariamente, para a
Académica.
Deste clube foi para o Belenenses, e matriculou-se na
Escola Náutica. Esteve dois anos em Lisboa, o tempo correspondente aos
anos de estudo. Terminado o curso, optou pela vida profissional e foi
para a marinha mercante. Uma decisão que lhe custou bastante, porque
gostava de ter jogado durante mais alguns anos. Mas na vida «há que
tomar decisões e escolher caminhos. Às vezes o caminho não é o mais
fácil, mas é preciso optar; é assim.» Jogava quando estava em terra e,
claro, deixava de jogar quando estava no mar. É que no barco não havia
relvado...» A sua carreira terminou cedo; teria uns 26, 27 anos. «Não podia conciliar a vida do mar com a vida da terra. Não
podia abarcar as duas coisas e tive que optar. Na altura, o futebol era
diferente. As pessoas tinham que conciliar as suas profissões com a
actividade desportiva. Mas eu, como oficial da marinha, não podia conjugar. Não se jogava no mar.» Pena que os barcos não tivessem
relvados; caso contrário, teria tido a oportunidade de
continuar a marcar golos. Se fosse hoje, talvez tivesse optado por ser
futebolista a tempo inteiro, «porque as condições são outras. Não que
eu ganhasse mal no futebol. Quando estive no Belenenses, ganhava
quatro contos por mês, mais a pensão, estudos e prémios de jogo, mas na minha profissão ganhava mais. No Beira Mar ganhava-se
menos, mas não dava para mais.»
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Equipa que venceu o campeonato 3 anos seguidos (foto de Ulisses
Pereira de 1950) |
A vida de mar terminou aos 30 anos; depois, entrou no
Banco de Portugal, matriculou-se em economia em Lisboa
− curso que não
terminou
− e voltou para Aveiro onde fez a sua carreira no banco.
Mas não se afastou totalmente do futebol, ficando sempre
ligado ao Beira Mar, clube de que foi dirigente. "Mas também fui dirigente e treinador de basquete do Esgueira;
vice-presidente e treinador do Clube Futebol de Esgueira; dirigente da
Comissão de Árbitros de Basquete; presidente da câmara delegada e
presidente da Direcção do Beira Mar durante dois anos.» Uma Direcção que
só lhe merece elogios, porque «era um grupo de trabalho excelente. Mas
também devemos muito a todas as empresas e à Câmara de Aveiro que nos
ajudaram, que tornaram possível o nosso trabalho.» E faz questão de
lembrar nomes como os de Lauro Marques, Carlos Bóia, Carlos Santos e
João Domingos. «Pessoas que merecem toda a minha consideração.»
É um homem atento a todas as situações que se vão
passando no Beira Mar: «Vivo os bons e os maus momentos do clube», mas lamenta
que a equipa aurinegra não esteja a aproveitar o espaço que tem para a
sua sede. Um espaço que é no mesmo sítio onde era a antiga. «O Beira Mar não tem um espaço para receber os beiramarenses, e
os clubes que nos visitam, para poder mostrar o seu valioso espólio e não tem porque
o espaço não está a ser aproveitado. O clube merece este espaço e só é
preciso decorá-lo e abrir as suas portas. Os beiramarenses precisam de
ter a sua sede. O clube tem-na, então utilizem-na!
O local é óptimo e eu pedia que esta Direcção
organizasse um grupo de trabalho, que se mobilasse e que criasse um
espaço onde todos pudessem ver as taças, as fotografias de todas as
épocas, porque todas enriqueceram o clube.»
A equipa de futebol do Beira Mar «é uma equipa
equilibrada, que necessita de mais sorte. Mas que precisa de lutar com um bocadinho mais de garra, porque a sorte conquista-se.
Gostava que esta equipa mostrasse que quer ficar na I Divisão e que quer
lutar por isso.»
Os elevados ordenados que os futebolistas de hoje ganham,
é assunto que tem que ser analisado segundo duas perspectivas:
«Comparado com aquilo que um bom profissional em qualquer actividade
ganha, é de facto muito dinheiro; se pensarmos no espectáculo que nos
proporcionam, então, não será assim tanto. O que está mal é que muitas
vezes os clubes não têm condições financeiras para aquilo que pagam aos
jogadores. Está bem, se o espectáculo proporciona receitas; está mal, se
o contrário.»
Cada um dos seus dois filhos herdou uma das facetas do
pai: um dedica-se ao futebol, jogou e é treinador; o outro,
apaixonou-se pelo mar. Gostava que o seu neto se dedicasse ao futebol,
e teria muito gosto em ensiná-lo. Para as netas acredita que existem
desportos mais adequados.
Não esconde a saudade que sente dos momentos bem vividos
durante a sua carreira de futebolista nem a grande amizade que nutre
pelos colegas, «uma amizade construída nos bancos de escola e que ainda
tem fortes laços.» Laços de amizade que são difíceis de fazer em
equipas que têm jogadores de países tão diferentes como a Jugoslávia, e
onde se tem... [texto ilegível, porque coberto por uma
imagem]
Ora, bolas!
Aguinaldo Melo conta:
«Um dos meus amigos de infância arranjou uma bola de
trapos com uma meia-alta da mãe, uma meia muito boa, e encheu-a de lã.
Esta bola saltava quase um metro; era uma maravilha!»
«Julgo que no Beira Mar ainda ninguém marcou mais golos do que eu. Mas
porque beneficiei de dois interiores maravilhosos
−
o Ratinho e o Azevedo
−,
dois jogadores muito bons.»
«Todos são poucos para aquilo que o clube exige. Mas
muito pouco de poucos faz muito a muitos.»
«O Carlos Sarrazola era um jogador maravilhoso.»
«Os adeptos aveirenses são um bocadinho frios, mas, nos
momentos próprios, são capazes de ajudar.»
«Os beiramarenses a sério apoiam sempre o clube, esteja ela na
1ª ou na
3ª
Divisão.»
«Os golos são a festa do futebol, mas hoje as equipas
preocupam-se mais em não sofrer golos do que em marcar.»
«Num jogo de 90 minutos raramente se atinge os 60 de
tempo útii.»
«Os jogadores hoje não brilham, porque as tácticas de
jogo não lhes permitem ser criativos.» |