Isaura de Jesus
Vieira
(7.º ano)
É meia noite!
Debruçada sobre o parapeito da janela do meu quarto, eu contemplo tudo o que de belo e majestoso daqui se avista! A densa escuridão que me envolve dá
às coisas um ar de irrealidade e de sonho! Tudo me parece diferente e, por momentos, eu julgo-me situada no mundo
misterioso das princesas e fadas dos meus contos de criança!
As estrelas, lá do alto tremendo, parecem contemplar-me a
sorrir. A lua bela, serena e majestosa, irradiando reflexos de prata, convida-me a penetrar num mundo de sonho.
O vento que sussurra por entre a copa das árvores e bate no meu
rosto, emaranhando-me os cabelos, parece falar-me e dizer-me:
– Vem, vem comigo. Verás coisas tão belas e tão mágicas que
julgarás estar a sonhar. Anda ver maravilhas que jamais alguém
contemplou! Anda daí. Abandona esse mundo conhecido
por todos e anda conhecer o meu Mundo... E, de repente, sem
saber como, encontrei-me a acompanhar o vento. Tornei-me leve, tão
levezinha, minúscula poeira, que podia ser arrastada por ele.
E assim desta maneira entrei num Mundo tão belo que me pareceu o próprio Paraíso. Um verdadeiro oásis de frescura no meio dum
ardente deserto! Era povoado de seres que à primeira vista me
pareceram pessoas iguais àquelas com quem convivo todos os dias,
mas, reparando melhor, vi que eram diferentes. Que luz era aquela
tão bela que irradiava dos seus olhos? Uma luz tão sublime que só
de contemplá-la o meu coração dilatava-se, cheio de alegria! Sim,
já sei: aquela luz era o Amor! Aqueles seres eram
diferentes, porque se amavam uns aos outros. Sempre levada pelo vento fui
passando por todos os lados; vi, revistei tudo e em
nenhuma parte observei maldade! Estes seres, desconhecidos para mim,
irradiavam uma ternura e uma pureza que me comoviam; cantavam,
sorriam uns para os outros, davam as mãos, todos eles se desfaziam
em alegria. E o vento, a certa altura, interrompendo os meus
pensamentos, perguntou-me:
– Havias visto já alguma coisa semelhante? E eu respondi:
– Não,
tamanha beleza nunca os meus olhos haviam contemplado.
Então ele continuou: – Anda, vem agora observar o mundo em que
vives. E eu continuei a acompanhar o vento, mas mais me valera ficar
quieta. Fatal momento! Negra foi essa hora.
Que vi eu neste mundo?
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Mães que choram filhos perdidos... Homens que são como feras uns
para os outros e que tentam a todo o custo derrubar os seus rivais!
Guerras! Bombas atómicas que numa hora destroem tudo: casas,
velhinhas, crianças inocentes, tudo é destruído!
Almas perdidas que caminham nas trevas, carregando às costas uma
cruz pesadíssima. Crianças rotas e famintas, mordiscando os dedos
para enganar a fome, tiritando de frio, e procurando em vão alguém
que as acarinhe e lhes dê um bocado de pão!...
Procurei debalde encontrar nesta multidão algum vestígio de amor,
mas só vi egoísmo, indiferença e até ódio!
E, ao ver tanta maldade e escuridão, em contraste com a bondade e
luz do meu mundo de há pouco, um frio intenso apoderou-se do meu
ser, e uma angústia tremenda, como um ferro em brasa penetrou no meu
coração e então chorei!... Lágrimas
amargas, de desespero...
Lágrimas como nunca havia chorado até então. E o frio das lágrimas
que me corriam pela face, fez-me acordar e ver que, olhando o céu e
as estrelas, eu havia deixado descair a cabeça sobre os ombros e
adormecido no parapeito da minha janela!... |