UMA
primeira leitura do «lampadário de Cristal» denuncia imediatamente o seu autor, não pelo nome, mas pela época histórico-literária:
sem dúvida que só poderá ser localizado no âmbito seiscentista – é
tipicamente barroco. No entanto, sem atender exclusivamente às características de estilo, podíamos formular a mesma asserção pelo
que o poema apresenta de pormenores linguísticos distintivos:
embora de um modo geral a linguagem se encontre já estabilizada, na
sua forma definitiva de português moderno, temos de considerar que
há palavras que não desmentem
a localização do poema – por
exemplo, «sutil»; «por» em vez de «para» («só por ser borboleta»;
«laberinto»; «fermosa»; etc.. Além disso, as referências
mitológicas mostram-nos que a composição não excede o campo da
influência clássica.
Mas o elemento determinante é indiscutivelmente o estilo
– retintamente barroco, preciosista, rebuscado.
Uma das constantes mais distintas do estilo barroco é o prosaísmo dos temas fúteis, sem
significado superior. A pirueta de um cavalo, as insignificativas
raízes de um tronco, um pé pequeno – e uma infinidade de
ridicularias semelhantes – aí temos a pseudo-substancialidade de uma poesia
cultista.
Aqui trata-se de um resplendente candelabro que se encontrava
suspenso numa sala régia da corte e cuja luminosidade e requisito
artístico seduziu, até quase ao exagero delirante, o autor deste
panegírico. A sua dádiva é sublimada com todos os recursos de um bom
artista rebuscado, que selecciona os vocábulos, para melhor os
adaptar ao seu fim de encarecimento, antitetiza, metaforiza,
rebusca e rebusca até tocar as raias da irrealidade.
Conceitualmente o poema é bastante reduzido, embora o seu
alongamento estrófico o pareça desmentir. A sua zona objectiva é uma
só: um lampadário, que é luminoso e sublime. De modo que o
paralelismo ideológico da composição, a uniformidade do processo
lírico (lírico?), o constante bater na mesma tecla da elevação
exagerada do valor real do objecto – tudo isso acaba por enfadar e
por nos retrair, ao avaliar o valor estético de
um produto seiscentista. A forma
/ 25 / profundamente rebuscada, sobrepõe-se de tal modo ao conteúdo, ao
tema, que acaba por o abafar – e nós pairamos no vazio, no oco de
uma expressão que rompe delirantemente os grilhões, antes os
débeis fios, que nos podem ligar à realidade.
E a poesia destitui-se de efabulação válida, social ou moral, para
abraçar a «arte pela arte», a arte amoral, a arte associal: Isto não
significa de modo algum que o trabalho do seu autor fique
totalmente invalidado. De modo nenhum. O perfeito domínio da linguagem, a sua maleabilidade e plasticidade, a
subtileza dos conceitos e pormenores – são valores que não podemos
descurar, sendo apenas de lamentar que esses mesmos valores,
meramente externos, não se apliquem a realidades mais profundas, físicas ou
morais.
A profusão de hipérboles, a redundância de metáforas brilhantes e
exóticas, o hermetismo
das antíteses, dos paradoxos, etc. só terão válida aceitação no caso
de se apoiarem numa forte realidade concreta, basicamente «razoável»
e só assim a arte realizará o seu papel de síntese entre a tese da
realidade «arrazoável» e a antítese do mundo da imaginação.
Este poema peca, pois, pela ausência total de substância
lírica,
emotiva; no entanto, atendendo a determinado critério de
valorização estética, vale pela perfeição da sua forma (subtileza, profusão, contorcionismo,
musicalidade até, domínio e plasticidade da linguagem). |