J. Raposo
(6.º e)
APROXIMAVA-SE
mais uma noite de Natal, doce, gelada e
igual a tantas outras. Nas ruas, de montras embaciadas, respirava-se boa disposição. Faziam-se compras nas
lojas, enquanto no aconchego do lar se preparavam as ementas
tradicionais que iriam alegrar as mesas nos
dias que se seguiam.
Eu era um dos que passeava, sem rumo certo, por essas ruas a
princípio bem iluminadas e cheias, e, de súbito, tão vazias e sem
sentido. Tomei consciência disso, quando a minha atenção se deteve
num pobre mendigo que, sem poder ver o movimento que à sua volta se
processava, vivia de um modo bastante especial a sua quadra
natalícia. Pedia humildemente uma esmola e as pessoas que passavam,
apressadas e felizes, ignoravam-no ou fingiam ignorá-lo. Na verdade,
ao cruzarem-se com ele, sentiam
aquele mesmo frio que o arrepiava, a mesma dor que o fazia sofrer e
a mesma ânsia de compreensão; porém, tudo se remediava facilmente
com um simples aconchegar do cachecol e uma vista de olhos
indiferente sobre uma montra salvadora. Será isto fraternidade,
amor, irmandade no sofrimento, numa palavra, Natal?
Serão os homens a tal ponto egoístas, hipócritas e inúteis que, numa
quadra como esta, se esqueçam que há tanta gente com fome, tantas
crianças a morrer, tantos soldados a matar, tantos doentes a
sofrer, e não se preocupem senão consigo? Será isto o Natal de Belém?
Desde o momento em que o homem se isola no seu mundo, para viver a
sua vida, sem olhar para o drama real patente no
rosto amargurado de tantos dos seus irmãos, deixa de ser um
elemento válido para a construção de um mundo melhor, de um mundo de
amor.
Só quando o homem se aperceber deste grave erro e o procurar
remediar, vivendo um nobre ideal de fraternidade, é que haverá
verdadeiramente Natal. |