Henedina Rosa
Coutinho Martins
(4.º ano)
Natal! tudo
indica a aproximação do Natal! As montras alegres, as ruas
iluminadas com luzes de miI cores e as pessoas irradiando felicidade através de uma fisionomia alegre e bem
disposta. E assim caminhavam apressadas, idealizando os presentes
que iriam oferecer aos seus amigos.
No meio desta multidão turbulenta, uns olhos grandes, pretos, numas
faces pálidas e magras, procuravam uma abertura por onde pudessem
prosseguir o seu caminho.
O rapazinho atravessou a cidade ruidosa e dirigiu-se aos subúrbios.
De uma pobre choupana saiu um velho com uma mala
na mão que indicava ter sido sua companheira de muitas décadas. Os
olhos grandes e pretos fixaram-se naquela figura gasta
pelos anos e dirigiu-lhe um olhar que traduzia uma súplica. O
velho, por sua vez olhou-o também, fez um gesto de desalento e
foi-se embora.
O menino ficou parado, imóvel, com o olhar num ponto fixo,
lá longe.
Num ápice, galgou a soleira da porta e entrou. Parou novamente e
continuou devagar e silencioso até à enxerga; aí, jazia uma mulher
nova, magra e extremamente pálida. Os olhos cerrados e a boca
sorrindo docemente. Um raio de sol daquele inverno quente e nuvoso,
batia nos cabelos loiros e sujos da mulher. O menino tocou-lhe nas
faces, beijou-lhas e, debruçando-se sobre o corpo inerte, rompeu num
pranto de lágrimas e soluços, entrecortados por palavras
inteligíveis. E por toda essa torrente
de lágrimas e murmúrios, ouvia-se de quando em quando: «Porquê, mãe?
Porque me deixaste?»
Ficou assim muito tempo e depois saiu a correr, acotovelando todos aqueles por quem passava.
A noite descia rapidamente e começava a chover, não impedindo que a multidão continuasse o seu vaivém. Os estabelecimentos estavam cheios
de clientes e os empregados suavam já. Para todos se avizinhava um
Natal feliz. Mas, ninguém reparou num menino de oito anos, com os
olhos negros e as faces pálidas, por
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onde corriam lágrimas abundantes e quentes que se misturavam
com a chuva fria e miudinha. Caminhava com a cabeça caída de tal
modo absorto nos seus tristes pensamentos, que não deu conta do
lugar onde se encontrava. Quando levantou a cabeça, viu um edifício
de pedra escura, de cujas fendas estavam pendentes alguns musgos
verdes. Lá dentro viam-se luzes cintilantes e ouviam-se vozes
cantando fervorosamente.
O menino entrou e sentiu uma sensação estranha, nunca por ele
experimentada. Os pés descalços e frios sentiram-se bem sobre a
passadeira fofa e macia.
Então, na sua mente, surgiu-lhe a imagem de sua mãe com
ele sentado no regaço, contando-lhe que, na noite de Natal, as
meninas e os meninos ricos pediam prendas a Jesus. E o menino
também se recordava dos momentos felizes em que, embevecido, olhava
as montras e contemplava os lindos brinquedos que pertenceriam, daí
a algum tempo, aos outros meninos que ele não conhecia, mas que via
passar felizes, pela mão das mamãs. Ele nunca ousara pedir nada.
Contudo, este ano era diferente; ele tinha um pedido a fazer. E
fê-lo com toda a fé do seu coraçãozinho tão despedaçado, quanto os
trapos que o cobriam. Os ponteiros do relógio aproximavam-se da
meia-noite e o pequenito esperava ainda. Em dado momento ele viu
um vulto aproximar-se dele, tomar forma, e então... – «Mãe!
Querida Mãe!» O seu corpo vacilou e caiu lentamente na passadeira
macia.
Passados poucos segundos, os fieis davam conta do sucedido e
interrogavam-se uns aos outros sobre a causa daquela morte
repentina. Por fim, a sua curiosidade foi satisfeita pela
explicação de que tinha morrido de frio.
Lá em cima, no céu azul escuro, uma estrelinha pequenina e brilhante
apareceu junto a outra maior e a cada momento o seu brilho parecia
aumentar. E, pela imensidão do espaço, alastrou um grito retumbante
de alegria: «Obrigado, Jesus!»
Em baixo, na cidade grande e iluminada, ninguém o ouviu, ninguém se
apercebeu da felicidade de um rapazinho que recebeu das mãos de
Jesus o melhor presente de Natal! |