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farol n.º 26 - mil novecentos e sessenta e seis ♦ sessenta e sete, págs. 16 e 17.

Um Presente de Natal

Henedina Rosa Coutinho Martins
(4.º ano)
 

Natal! tudo indica a aproximação do Natal! As montras alegres, as ruas iluminadas com luzes de miI cores e as pessoas irradiando felicidade através de uma fisionomia alegre e bem disposta. E assim caminhavam apressadas, idealizando os presentes que iriam oferecer aos seus amigos.

No meio desta multidão turbulenta, uns olhos grandes, pretos, numas faces pálidas e magras, procuravam uma abertura por onde pudessem prosseguir o seu caminho.

O rapazinho atravessou a cidade ruidosa e dirigiu-se aos subúrbios. De uma pobre choupana saiu um velho com uma mala na mão que indicava ter sido sua companheira de muitas décadas. Os olhos grandes e pretos fixaram-se naquela figura gasta pelos anos e dirigiu-lhe um olhar que traduzia uma súplica. O velho, por sua vez olhou-o também, fez um gesto de desalento e foi-se embora.

O menino ficou parado, imóvel, com o olhar num ponto fixo, lá longe.

Num ápice, galgou a soleira da porta e entrou. Parou novamente e continuou devagar e silencioso até à enxerga; aí, jazia uma mulher nova, magra e extremamente pálida. Os olhos cerrados e a boca sorrindo docemente. Um raio de sol daquele inverno quente e nuvoso, batia nos cabelos loiros e sujos da mulher. O menino tocou-lhe nas faces, beijou-lhas e, debruçando-se sobre o corpo inerte, rompeu num pranto de lágrimas e soluços, entrecortados por palavras inteligíveis. E por toda essa torrente de lágrimas e murmúrios, ouvia-se de quando em quando: «Porquê, mãe? Porque me deixaste?»

Ficou assim muito tempo e depois saiu a correr, acotovelando todos aqueles por quem passava.

A noite descia rapidamente e começava a chover, não impedindo que a multidão continuasse o seu vaivém. Os estabelecimentos estavam cheios de clientes e os empregados suavam já. Para todos se avizinhava um Natal feliz. Mas, ninguém reparou num menino de oito anos, com os olhos negros e as faces pálidas, por / 17 / onde corriam lágrimas abundantes e quentes que se misturavam com a chuva fria e miudinha. Caminhava com a cabeça caída de tal modo absorto nos seus tristes pensamentos, que não deu conta do lugar onde se encontrava. Quando levantou a cabeça, viu um edifício de pedra escura, de cujas fendas estavam pendentes alguns musgos verdes. Lá dentro viam-se luzes cintilantes e ouviam-se vozes cantando fervorosamente.

O menino entrou e sentiu uma sensação estranha, nunca por ele experimentada. Os pés descalços e frios sentiram-se bem sobre a passadeira fofa e macia.

Então, na sua mente, surgiu-lhe a imagem de sua mãe com ele sentado no regaço, contando-lhe que, na noite de Natal, as meninas e os meninos ricos pediam prendas a Jesus. E o menino também se recordava dos momentos felizes em que, embevecido, olhava as montras e contemplava os lindos brinquedos que pertenceriam, daí a algum tempo, aos outros meninos que ele não conhecia, mas que via passar felizes, pela mão das mamãs. Ele nunca ousara pedir nada. Contudo, este ano era diferente; ele tinha um pedido a fazer. E fê-lo com toda a fé do seu coraçãozinho tão despedaçado, quanto os trapos que o cobriam. Os ponteiros do relógio aproximavam-se da meia-noite e o pequenito esperava ainda. Em dado momento ele viu um vulto aproximar-se dele, tomar forma, e então... – «Mãe! Querida Mãe!» O seu corpo vacilou e caiu lentamente na passadeira macia.

Passados poucos segundos, os fieis davam conta do sucedido e interrogavam-se uns aos outros sobre a causa daquela morte repentina. Por fim, a sua curiosidade foi satisfeita pela explicação de que tinha morrido de frio.

Lá em cima, no céu azul escuro, uma estrelinha pequenina e brilhante apareceu junto a outra maior e a cada momento o seu brilho parecia aumentar. E, pela imensidão do espaço, alastrou um grito retumbante de alegria: «Obrigado, Jesus!»

Em baixo, na cidade grande e iluminada, ninguém o ouviu, ninguém se apercebeu da felicidade de um rapazinho que recebeu das mãos de Jesus o melhor presente de Natal!

 

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09-06-2018