A
Terra Santa estava à vista! O Sonho, que muitos nunca concretizaram, iria
ser para nós uma doce realidade. Deixamos o Líbano. Imponente, mas
prostrado pela velhice, o monte Hermon recorta o horizonte. Na grandeza deste panorama, Pedro respondeu solene, à pergunta de Jesus:
–
«E vós quem dizeis que Eu sou? – Tu és o Cristo, o Filho de Deus
vivo.»
Atravessando as plantações de cedros, que outrora foram a glória do
Líbano, cada um de nós se recolhe no seu íntimo, como outrora os
velhos Patriarcas, peregrinos de Canaan.
– Ali nasce o Rio Jordão!
– aponta o guia. Imediatamente alguns
peregrinos mais exigentes abrem a Bíblia para recordarem todas as
passagens que falam deste rio.
Entretanto as areias do deserto da Síria, duras no seu olhar, apenas
nos falam de morte. Impiedosas, não consentem sequer que os
inofensivos musgos se reclinem no seu dorso. Parece que a mesma
ameaça de secura e asfixia nos quer fulminar! O que vale, é que o
autocarro tem frigorífico, e cada um se pode refrescar à vontade.
A Jordânia está à vista. Iríamos calcar verdadeiramente a
Terra Prometida, a Terra Santa.
A primeira paragem é o local onde Jesus encontrou João
Baptista.
O rio Jordão, fatigado pelos maus tratos do deserto e
mergulhado
/ 17 / no fosso mais profundo da terra, caminha para o fim. O
seu destino é o Mar Morto. Aí não terá mais história! Mas até que
chegue o fim, também tem uma mensagem a transmitir. Por detrás do
canto tímido e dolente das águas, poderemos descobrir o eco das
palavras do Baptista: – «Preparai os caminhos do Senhor... Fazei
penitência...».
Cada um de nós queria tocar naquelas águas santificadas pela
presença de Cristo.
Não quis ficar de fora, pelo que imediatamente me descalcei. Não
era o prazer da frescura que procurávamos, pois as águas pareciam
sair dalguma furna; era sim o prazer espiritual de mergulhar naquelas águas, testemunhas da revelação de Deus:
«Este é o meu Filho muito amado! Ouvi-O!»
Não demorámos muito tempo, embora, não sei porquê, sentíamo-nos
bem.
O Sol declinava e Jerusalém estava à nossa espera. Passámos pelo
Mar Morto. Aquilo que contemplei correspondia ao que imaginava. Um
lugar de morte! Nem algas, nem aves, nem vegetação alguma. Apenas
sal; cada litro de água contém 350 gramas de cloreto de sódio!
Alguns tomaram banho, o que era muito agradável, principalmente para
aqueles que não sabem
nadar; nunca se vai ao fundo.
Sem saudades deixámos aquela ferida aberta na crosta
terrestre.
A Jerusalém, suspirada pelos Profetas e pelos hebreus, no exílio,
estava relativamente perto. Tudo aquilo parecia um sonho! Visitar
Jerusalém...
Recordando a parábola do Bom Samaritano, iniciámos a subida para a
Cidade Santa. Os barrancos ficavam para trás. Na claridade poente,
recortavam-se os primeiros lugares sagrados. – Ali fica o Jardim das
Oliveiras; ali é o Santo Sepulcro; aquela torre indica o Cenáculo;
etc. E o guia, fiel à missão de que fora incumbido, indicava todos
aqueles lugares que seriam, em dias seguintes, outras tantas etapas
de visita.
Quando no coração de Jerusalém, sector jordano, pusemos pé em terra,
não faltaram peregrinos, que imediatamente ajoelharam e beijaram aquela terra sagrada. Na realidade experimenta-se uma forte emoção.
Não quis terminar o dia, sem contactar de mais perto, com o mundo
muçulmano.
Atravessada a porta de Herodes, dirigi-me para o Santo
Sepulcro. Ao princípio assustei-me. Senti-me completamente
deslocado. Aquelas ruas estreitas, onde todos se acotovelam;
aqueles rostos velados; os olhares majestáticos; aquela
linguagem estranha, todo aquele desconhecido perturbou-me. Ao mesmo
tempo sentia-me fascinado.
/
18 /
Ao outro dia de manhã, Jerusalém, bela e majestosa, parece
desprender luz das suas muralhas e das cúpulas arredondadas.
Contemplada do lado poente do Cedron, chega a fascinar.
Na verdade, esta cidade
dividida, faz lembrar uma pedra preciosa, em que cada ângulo
apresenta cor diferente.
O bulício dos mercados, em que as próprias ruas se convertem em
tabuleiros de exposição; as ruas sinuosas, autênticos mostruários
de trajes orientais; os pátios sagrados, onde os muçulmanos,
libertos do peso do tempo, passam longas horas a desfiar contas
amarelas; a Jerusalém sagrada, o íman potentíssimo da devoção
cristã.
Todo este colorido, toda esta novidade não consegue fazer-nos
esquecer, que nesta cidade, Jesus, o Filho de Deus feito Homem,
sofreu, morreu e ressuscitou. Que nesta cidade se viveram as horas
mais profundas da Humanidade: as horas de Sexta-Feira Santa e as
horas da apoteose, as da Ascensão.
Temos a impressão que Jerusalém é um grandioso
templo, onde cada
viandante é um peregrino, onde cada peregrino é um romeiro do
sagrado.
Os 4 dias que vivi à sombra das muralhas, foram dias
inesquecíveis. Foi com verdadeira saudade que deixei a capital da
Judeia, para me dirigir à Galileia.
P. Arménio Alves da
Costa |