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farol n.º 20 - mil novecentos e sessenta e cinco ♦ sessenta e seis, pág. 25 e 26.

Gil Vicente

ASPECTOS DA VIDA E OBRA

(continuação do número anterior)

Maria Teresa Ramalho Cruz
(7.º ano)
 

Uma outra parte da produção vicentina – constituída pelas Tragicomédias – reflecte as preocupações e os gostos de uma sociedade heróica e aristocrática. Na «Exortação da Guerra», tragicomédia representado em 1514, perante D. Manuel, nas vésperas da partida para Azamor de uma expedição militar, enaltece-se o espírito de cruzada contra os infiéis. O «Auto da Fama» (1521) celebra os Descobrimentos marítimos e as conquistas em África. A preocupação mitológica e cortesã da matéria para «As Cortes de Júpiter», peça concebida para a despedida da Infanta D. Beatriz, filha de D. Manuel, e representada nos Paços da Ribeira, em 1521. Nesta tragicomédia, que constitui a base do drama «Um Auto de Gil Vicente», de Garrett, vemos a Providência, enviada por Deus, ordenar a Júpiter, rei dos elementos, que reúna boas condições para a viagem marítima que a Infanta vai realizar, a fim de se unir a seu marido, D. Carlos, duque de Sabóia.

As histórias de amor e de cavalaria, muito apreciadas na época, constituem o assunto das tragicomédias «D. Duardos» (1522) e «Amadis de Gaula» (1533). Na primeira, assistimos ao idílio do protagonista, príncipe de Inglaterra, com Flérida, filha do Imperador de Constantinopla: o contraste entre a vida da corte e o campesino é dado por D. Duardos que se torna hortelão por amor de Flérida. O «Amadis de Gaula», cujo assunto foi extraído da novela com o mesmo nome, é uma peça que exprime os ideais cavalheirescos da sociedade aristocrática de quinhentos.

O protagonista é, como se depreende, apresentado como um modelo de honra, de cortesia e de perfeita fidelidade no amor.
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Nas Comédias e nas Farsas, atinge talvez Gil Vicente o grau mais elevado das suas possibilidades dramáticas. Reunindo propósitos satíricos, particularmente as farsas, têm o valor de flagrantes e bem caracterizadas evocações da vida real – ambientes cujas tintas o tempo pouco esbateu, onde se agitam, autênticos e actuais, os tipos mais representativos da sociedade portuguesa.

Na farsa chamada «Auto da Índia» (1509), apresenta-se com vincado traço satírico, um quadro denunciador de certa dissolução de costumes: a peça «foi fundada sobre que uma mulher, estando já embarcado para a Índia seu marido, lhe vieram dizer que estava desaviado, e que já não ia; e ela de pesar está chorando».

Um outro quadro de costumes nacionais se esboça na farsa «Quem tem farelos» (1515) onde encontramos uma moça romântica e namoradeira que se quer afidalgar» e um escudeiro famélico, pobretão, mas ostentoso e galanteador. Esta mesma situação existe na «Farsa de Inês Pereira» (1523). A peça apresenta, com um diálogo ágil e gracioso, uma série de figuras genialmente retratadas: Brás da Mata, o escudeiro gabarola e tiranete; Inês, a moça fantasiosa e pouco amiga do trabalho; a Mãe, calculista e interesseira; Pêro Marques, o apaixonado simplório; Lianor Vaz, a comadre casamenteira que é a representação fiel da alcoviteira.

A farsa do «Velho da Horta» (1512) trata dos amores tardios de um velho rico, que comicamente se apaixona por uma rapariga que vai à sua horta; o «Juiz da Beira» é a crítica galhofeira dos juízes populares.

A arte vicentina soube animar e graciosamente colorir uma vasta galeria de figuras: camponeses e serranas, rudes pastores e cómicos vilões, fidalgos cheios de prosápia e escudeiros pelintras, freiras untuosas e frades folgazões, mães e pais, moços e moças, judeus e alcoviteiras, soldados e marinheiros, médicos, feiticeiras, negros e aldeões ingénuos...

Toda esta multidão fala e actua, agita-se ruidosamente, ao som de pandeiros e de violas, nas danças e cantares das Romarias e das Feiras do alegre Portugal de há mais de quatrocentos anos.

O variado vocabulário de Gil Vicente é extraordinariamente rico. As suas personagens, tão diferenciadas, vindas dos mais remotos lugares oriundos de todos as classes sociais, usam a linguagem adaptada à sua condição e à mentalidade que lhes é própria.

Aparecem-nos os cantares populares, os rifões, as máximas...

Tudo Gil Vicente aproveita no seu Teatro e este pode-se considerar o Teatro de todos os tempos, através dos séculos. Jamais se apagará!...

 

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08-06-2018