Tammy
SENTIA-ME
estranhamente aterrorizada. Sim, tinha medo. De quê? Nem eu
sabia. Um medo terrível que me obrigava a fugir, espavorida como uma
louca. Corria, corria sempre. Era um deserto sem fim. Sentia a presença
dolorosa da solidão por toda a parte. Solidão e terror. Havia
pedras, pedras grandes, enormes, que me ocultavam a visão e me
faziam sentir mais medo. Pareciam-me seres gigantes, seres maus. Mas
porque fugia? Estaria deveras louca? A ideia fez-me soltar
uma gargalhado. Cínica? Não, não sei... Talvez nervosa. Tremia.
Apercebi-me de que, na realidade, tremia muito. Tinha vontade
de olhar para trás, para o caminho penosamente percorrido, mas
o medo, sempre o medo. De repente... passos! Sim, os meus ouvidos
não poderiam enganar-se. Uns passos pesados, enormes... O sangue gelou-se-me nas veias. Um terror intransponível
paralisou-me os movimentos. Sentia uma dor na cabeça que parecia rebentar-me. Queria fugir, correr, gritar, mas não, não podia.
E sempre os mesmos passos, pesados, enormes, sinistros. Eu sabia que era a morte que me estendia as suas garras. Garras
terríveis, mas às quais não poderia resistir. Para quê lutar? Era o
partido mais fraco, sucumbiria nesse combate desigual. Senti um
arrepio percorrer-me o corpo. Durante quanto tempo, permaneci
assim estática, desfeita em terror? Sempre os mesmos passos, pesados, enormes, sinistros... Virei-me subconscientemente e, de
olhos esbugalhados, de unhas cravadas na carne...
Era um rapaz alto, magro, de pele queimada. O rosto era
vincado por duas profundas rugas, um rosto cavado, com maxilares salientes. Tinha um aspecto aterrador. Os
olhos fizeram-me
tremer. Eram gelados como o sangue que me estagnara nas veias.
Mas no fundo, bem no fundo daquele emaranhado verde que me
fazia lembrar uma floresta virgem, palpitava uma fogueira abrasadora
/
11 / como o sol do deserto. O cabelo, dum castanho
descolorido, recordava-me o mar revolto. Um mar onde as vagas combatessem, umas contra as outras, numa luta diabólica.
Olhava-me, como explicar? Num misto de frieza e troça!
Sim, talvez. Mas, apesar disso, sentia-me atrair, não pelo gelo,
mas pelo lume daqueles olhos que queimavam. Sim, queimavam.
Mas eu tinha o sangue gelado e aquele fogo fundia-mo.
Hipnotizara-me. Bem o pressentira eu. Soube então porque fugia!
Tinha-me nas suas garras e manejava-me como se eu fora um brinquedo sem
importância. Aterrorizada, sem proferir uma palavra, deixava-me arrastar pelo calor daquele olhar esverdeado, embora
permanecesse terrivelmente estática.
Ah cínico!
Mas de repente, apelei para toda a
minha coragem. Rebentei ferozmente os elos de ferro que me prendiam
a ela, à morte.
Contorci-me de dor, ao sentir
a carne esfacelada por aquelas
correntes que me amarravam à escravidão, Correntes que, embora me fizessem sangrar, os meus olhos não podiam ver.
Luta encarniçada, na qual desfaleceria, se não sentisse um raio de sol
afagar-me.
De súbito, foi como se mil clarins gritassem a minha vitória. Estava
livre. O seu olhar feroz já não me aterrorizava. Então soltei uma
gargalhada que o fez tremer de raiva. Deu um passo em
frente, ameaçador, mas eu já não tinha medo. Permaneci bem direita numa atitude de desafio. Vi-o então descer, em passos lentos,
mas cadenciados, a «montanha da arrogância» de cujo cimo me olhava
antes.
Senti que os meus dedos tocavam qualquer coisa frágil e
macia. Olhei. Era o botão de rosa que havia colhido no início desta
estranha jornada. Ainda me recordo... era um botão vermelho, as suas pétalas, ainda fechadas, faziam lembrar o cetim.
Mas, que era feito do meu botão de rosa? Onde estava ele? Eu
queria a flor ingénua que ainda não desabrochara. O que eu tinha na
mão era uma rosa, bela sim, mas já aberta; uma rosa para a qual a
luz do sol já não tinha segredos. Senti que uma
lágrima de revolta me queimava a face. Iria decerto amarfanhar
o veludo daquelas pétalas, para em seguida as espezinhar, quando li
uma censura nos olhos verdes! Então, não sei porquê, acariciei a minha rosa e guardei-a para sempre. |