Estava-se num daqueles dias de Verão, em que o crepúsculo vespertino
tem um realce inigualável: uns tons róseos, misturados com
tonalidades purpurinas, davam ao ambiente um ar solene. Parecia que
a Natureza, depois de um dia de trabalho, se associava à vida da
aldeia próxima, apresentando-se pensadora, cansada. Já muitos
poetas tentaram descrever este quadro singelo, mas
a pena recusou-se e tornou-se incapaz de reproduzir na folha de
papel as sensações que iam na alma dos poetas... Já muitos
pintores tentaram transportar para a tela aqueles pormenores que
animam o horizonte ao pôr do sol; também estes não conseguiram
nada de positivo... tudo muito vago.
Quem terá, então. podido figurá-lo? Só um Poeta e Pintor que traçou
as suas linhas no principio da Existência. Hoje, ninguém é capaz de o fazer.
Pois bem. Foi num poente assim que notei a figura de um homem
sentado numa pedra, perto de um bosque. A vida parara e, lá ao
longe, o Sol apresentava o seu adeus àquela terra laboriosa.
Também a vida parara para aquele homem... ele não vivia, sofria. Que
figura austera! Dir-se-ia o inspirador de Rodin para compor o
célebre «Penseur». Aquele homem, tal como os mais, tinha o seu modo
de vida, os seus problemas psicológicos. Mais do que isso: era um
pobre louco, sem
casa, sem família, sem amigos... sozinho na Terra...
Perguntei a alguém, por curiosidade, como
é que se tornou louco.
Responderam-me: foi por causa de ter perdido a família num
incêndio. Isto aconteceu já há
alguns anos: não se sabe como, mas um forte incêndio levou-lhe tudo
o que tinha de mais querido – a esposa e os filhos; quando
chegou a casa e deparou com as ruínas ainda fumegantes, foi vítima
de um ataque de loucura e fugiu para longe, para esquecer
aquele trágico acontecimento.
Desde esse dia nunca mais trabalhou. Vive de esmolas e passa o dia
sentado naquele penedo ou no interior do bosque próximo. Não faz mal
a ninguém e, pelo contrário, tem medo de tudo e de todos. Aquelas
rugas profundas marcadas na face são sulcos de
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muitas lágrimas vertidas ao clarão da Lua, tendo como companheira
inevitável a noite.
Aproximei-me; não me viu. Uma profunda tristeza invadia o seu rosto;
as mãos calejadas e ossudas repousavam metalicamente nos joelhos.
De repente estremeceu. Levantou a cabeça, viu-me, e correu
desenfreadamente em direcção à
floresta, onde se entranhou e desapareceu. Voltei para casa, não
sem me lembrar que, enquanto eu tinha uma casa e família, aquele
desgraçado vivia debaixo do tecto sereno do céu, enfrentando as
forças dos elementos, abandonado e só. |