M. I. C. F.
Uma das
pessoas que mais me impressionou na minha vida alegre e
despreocupada de estudante, foi uma senhora com quem convivi algum
tempo.
Era alta e forte, com um horrível cabelo tingido de amarelo
(pretendente a louro) airosamente encarrapitado no alto da cabeça.
Deveria ter cinquenta e tal anos e era o que se pode chamar o tipo
de solteirona por excelência. Não obstante ter esta idade, ela nunca
conseguiu abdicar dos seus saudosos e juvenis trajos de menina e
moça. Era, pois, frequente vê-la com uma graciosa blusa garrida
pejada de rendas, laços e folhinhos, com um vestido cor-de-rosa
pregueado e uma gola postiça a dar-lhe um ar de colegial ingénua. Os
modelos simples de saia ampla, jaqueta ajustada ao peito «sombrinha» a condizer, os vestidos
já um pouco mais curtos do tempo do querido «charleston»,
eram o seu encanto. «Ah, no meu
tempo!...» e eu tremia na expectativa da repetição de mais uma história dos seus amores infelizes e
de não sei quantos «Romeus» desiludidos sem piedade. Recordava então a minha doce avozinha que em pequenita, levando-me à região
de sonho e da luta entre a Fada linda como o sol e a Bruxa feia e
má, começava sempre assim: era uma vez...
Esta boa senhora, cheia de complexos e tiques nervosos, constituía
para quem a observasse algum tempo, tema para uma franca boa
disposição, chegando-se mesmo à hilaridade. Tinha voz fina e
esganiçada e, numa conversa, o seu interlocutor, com certeza que
esperaria mais ouvir-lhe «miaus» palavras. Cheia de manias
respeitantes à sua pessoa, era supersticiosa, soltando gritinhos
agudos e estridentes à possível visão de um hipotético rato ou animal congénere.
De carácter bom e leal, porém
com espírito coscuvilheiro insuportável, esta senhora nunca saia à
rua, sem primeiro pedir licença à mana mais velha e perguntar qual
vestido deveria usar. Tinha a preocupação exagerada da elegância,
conseguindo tornar-se deselegante e até ridícula, com trajos tão
impróprios para a sua idade. Era amável em demasia, fazendo vénias
por tudo e por nada, escandalizando-se pela mínima coisa.
Era assim esta senhora, com uma preocupação exagerada de agradar (especialmente ao sexo forte), rejubilando de contente quando algum
velho, rapaz ou garoto da rua, a seguia com olhar (pensava ela de
admiração!) de troça pela figura ridícula que a caracterizava.
Arreigada a preconceitos descabidos de família, ela nunca conseguiu
ser feliz, nem realizar
o seu sonho de mulher. Jamais
casara, porque não quisera, é certo; jamais casaria agora, velha
feia e ridícula.
Ela, porém, nunca o supusera e, na esperança de encontrar o seu
príncipe encantado de bengala, chapéu alto e casaco, continua
espavoneando-se pela rua, numa figura que ficaria bem a decorar um
teatro de comédias. |