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farol n.º 11 - mil novecentos e sessenta e três ♦ sessenta e quatro, págs. 8 e 9.

Nas sombras da noite

Maria Teresa Silva
(4.º Ano)

A noite tinha descido e envolvia a cidade no seu manto de trevas. No céu as nuvens revoltas assemelhavam-se a vagas alterosas em dias de tempestade. O vento uivava sinistro, arrancando longos gemidos aos braços descarnados das árvores que tremiam na escuridão.

A cidade havia mergulhado no inconsciente, esquecendo, por curto espaço de tempo, as preocupações e as canseiras da vida. Assim adormecida, atraía de certo modo aqueles que, à margem da lei, a aceitam unicamente na teoria. E ele também fora atraído decerto. Ninguém veria. A tentação era grande e a ambição desmedida.

– «Ninguém veria» – não cessava de repetir, como se nestas palavras encontrasse coragem. E aproximava-se cada vez mais, a passos cautelosos, embuçada no sobretudo, confundindo-se nas sombras da noite, indiferente ao vento gélido que lhe fustigava as faces. No entanto, à medida que o seu objectivo mais se aproximava, mais incertos se tornavam os seus passos. E, agora, cada vez mais perto, hesitava.

«Ninguém veria» – Repetia continuamente. Oh! Como se enganava! O Autor de todo o dom perfeito, que perscruta todas as consciências, Esse não veria? E a voz da consciência? Cairia ela para sempre numa mudez inquebrável? Não! Lembrar-lhe-ia ao longo dos tempos, que numa noite, envolto nas sombras, havia transgredido a lei.

Hesitava! No seu cérebro chocavam-se mil pensamentos opostos. De repente os sentimentos mesquinhos, falam, protestam! Como poderia ele, um homem forte, estar assim amachucado, indeciso? E caminhava cauteloso, no intento de realizar o seu miserável plano.

No relógio duma torre soam doze badaladas sonolentas.
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Instintivamente olha: uma Igreja. Não! seria horrível! Ali, mesmo em frente, num Sacrário, estava Jesus escondido, por amor da Humanidade. Nunca! E foge, escapa-se à tentação. Atravessa a rua e, em frente da Igreja detém-se. Os joelhos curvam-se debaixo dele e tocam a pedra fria. Os lábios ressequidos murmuravam simplesmente: –«Obrigado bom Jesus» – Dos olhos brotam duas lágrimas, lágrimas de arrependimento e de promessa.

Eleva os olhos ao céu: além, muito além, uma estrela espreitava por entre as nuvens. E ele continuava de joelhos, mãos erguidas, indiferente ao vento que soprava gelado, brincando com as sombras da noite.

 

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08-06-2018