Acesso à hierarquia superior.

EXPOSIÇÃO ANTOLÓGICA - 14 a 29 de Setembro de 1996

ARTISTAS ENTRE NÓS - ZÉ AUGUSTO
Amaro Neves – págs. 15 e 16

Zé Augusto é, certamente, dos nomes mais conceituados entre os actuais ceramistas aveirenses. Ninguém tem dúvidas de que assim é e como talo reconhecia, no Litoral de 3 de Setembro de 1976, o seu próprio director, Dr. David Cristo, escrevendo, a propósito de uma exposição que o artista preparava então, na cidade: "Zé Augusto é, hoje, um dos mais lídimos representantes da multissecular e prestigiadíssima barrística aveirense".

Dotado de invulgar sensibilidade no amanho do barro, ao qual se tem entregado de alma e coração, soube criar como ninguém, num misto de caricatura e altivez graciosa, as figuras típicas da nossa terra, agarradas estoicamente à vida que acaba por definir cada um desses tipos sociais. São os seus "bonecos" (como o artista gosta de lhes chamar) e numa apreciação popular que muito lhe agrada, também ele concorda que o que mais encanta neles é serem simultaneamente "tão feios e tão engraçados".

É assim que, numa atitude de criador, ele tem dado a vida a cortejos etnográficos sem conta, em que avultam os homens do mar, da ria, das salinas, do campo e da vida urbana, das artes e das profissões liberais, mulheres da Beira-Mar com os seus trajos e utensílios... apanhados pela crítica do artista, mas trabalhados com a mestria invulgar de quem nasceu fadado para tornar grande uma arte olhada tantos séculos como arte menor, ainda que tão ao gosto popular e a mais nacional das artes portuguesas.

Também as tradições e as actividades decadentes que até nós chegaram (e outras que só lembram aos mais velhos) por ele têm sido tratadas e documentadas, face à voracidade do tempo e à "insignificância" que lhes atribuem os poderes políticos que, apesar de tudo, sabem os pergaminhos com que foram honradas, nomeadamente a partir do século XVI, as tradicionais actividades cerâmicas de Aveiro.

Com Zé Augusto podemos dizer novamente que, "em Aveiro, é de barro a corte do Céu", como escrevia o Dr. David Cristo em estudo sobre a barrística aveirense do século XVII-XIX. Na verdade, os santos mais populares na região como S. Gonçalinho, Santo António e a princesa Santa Joana, a par com presépios, Santos Cristos e em particular a Virgem das Virgens, voltaram a ser de barro e dignificados com este vil pó que tornou ricas as terras do baixo Vouga. Curiosamente, no entanto, as cores (se as há) e os adornos ou simplesmente o ar sorridente dos componentes da corte celeste falam uma linguagem diferente, em que as penas do purgatório e os fogos do inferno parecem ter sido banidos.

E neste aspecto, também, estabelecidas as diferenças de concepção religiosa, quanta proximidade dos escultores barristas que em Seiscentos e Setecentos aqui produziram imaginária de boa qualidade, justamente apreciada por estudiosos, coleccionadores e museus.

José Augusto Ferreira dos Santos, de seu nome completo, nasceu em pleno coração do bairro da Beira-Mar, na rua do Vento, freguesia da Vera-Cruz, a 12 de Fevereiro de 1930. Foi sua mãe Maria dos Prazeres Máxima e seu pai Joaquim Ferreira Oliveira Júnior que, depois de ter aprendido o ofício de sapateiro como herança, viria a exercer a profissão de enfermagem, conhecido por Joaquinzinho do Lactário. Restantes familiares dedicaram-se às tradicionais tarefas do sal ou emigraram, não constando que algum tenha andado ligado às artes do barro.

Zé Augusto, porém, viria a frequentar as aulas de Desenho e Pintura na Escola Comercial e Industrial Fernando Caldeira em Aveiro, em cujas matérias marcou presença digna de registo, tendo como professores Júlio Sobreiro e Porfírio de Abreu, na primeira, Gervásio Aleluia e Ernâni Moreira, na segunda. Mais tarde frequentou também as aulas de Escultura do mestre Mário Truta, experiência que determinaria parte da sua vida.

Entretanto, já a iniciação na cerâmica ia longe, tendo começado como servente de oleiro e auxiliar de forneiro nas "Faianças S. Roque", onde esteve de 1946 a 1948; os dois seguintes foram dedicados à "Artibus", sita no canal da Fonte Nova, onde trabalhou como oleiro e ocasionalmente praticou a pintura cerâmica; de 1950 a 1973 esteve ligado à "Aleluia", também localizada no canal da Fonte Nova, dedicando-se nas suas oficinas artísticas à pintura de painéis de azulejo e desenvolvendo actividade de modelador; ao mesmo tempo e conjuntamente com outros, iniciou uma experiência de certa autonomia em part-time numa oficina que se situava na viela da Azenha, freguesia de Aradas, e dava pelo nome de "Barros de Aveiro".

Em 1973 deu noivo rumo à sua vida, embarcando para Angola, onde montou, com seu irmão Manuel, na cidade de Sá da Bandeira, uma oficina cerâmica. Os acontecimentos resultantes do 25 de Abril, com o cortejo de alterações que se deram nessa antiga colónia portuguesa, fazem-no regressar, integrando-se nas "Faianças do Outeiro", em Águeda, como modelador, ao mesmo tempo que, nas horas vagas, relança os seus trabalhos - os seus bonecos!, na oficina de sua casa, na rua de Ílhavo (depois chamada de Mário Sacramento), n° 51.

A partir de 1976 deixa as "Faianças do Outeiro" e dedica-se com entusiasmo à construção de nova oficina e casa, face ao acanhado espaço em que laborava. Não abandonou, porém, a actividade cerâmica, continuando a ser a velha oficina local de encontro de artistas e apreciadores da sua capacidade criativa.

Com uma experiência tão rica, colhida nas fábricas mais evoluídas da cerâmica artística do Distrito de Aveiro, Zé Augusto é hoje nome representado em vários museus do país e em grandes colecções nacionais e estrangeiras, acorrendo com frequência muitos deste à sua oficina por saberem da dificuldade de encontrar no mercado ou em exposições trabalhos de pura criação do artista. No entanto, sempre que há qualquer certame de maior vulto no campo das artes de Aveiro, a sua presença tem sido uma constante, mais pela qualidade que pela quantidade. Neste sentido, várias vezes tem visto a sua obra galardoada, apesar de não ter tempo para entrar em concursos e não estar à espera de prémios.

Nós, que não nos contamos entre o reduzido número daqueles que têm direito à categoria de artista, tudo faremos, também, para que as artes da nossa região encontrem espaço e condições de desenvolvimento, nomeadamente as que se nos deparam como menos favoreci das da sorte, e todavia se identificam connosco, trabalhadas por quem tem méritos e usa deles para valorizar o nosso património. É que o património cultural também é a criação artística qualquer que ela seja. Por isso e sempre, esperamos mais trabalhos e mais "bonecos" dos ceramistas aveirenses e, em particular, do Zé Augusto.

O mérito, indiscutível, que a outros foi reconhecido graças à divulgação feita pelos órgãos de informação, faz-nos esperar que também, em breve, dando-lhe o destaque merecido, façam chegar a sua vez!
 

 
Página anterior Página inicial Página seguinte