A PROPÓSITO DE...
Gaspar Albino – págs. 13 e 14
Tratava-se de pública sessão de
homenagem a D. João Evangelista de Lima Vidal e, se bem me lembro, o
padre Manuel Caetano Fidalgo abeirou-se de mim pedindo que lhe fizesse
um retrato do arcebispo, de grandes dimensões, para pano de fundo do
palco do Teatro Aveirense.
Respondi que o desenharia mas que,
para o pintar, teria de recorrer a alguém que me desse uma mão.
Bati à porta do Zé Augusto. A
resposta foi sim. E em poucas horas, talo curto tempo de que se
dispunha, saiu em fundo de verde musgo sobre papel de cenário o recorte
branco, esgalhado à brocha, da face sorridente, bondosamente sorridente,
do nosso Bispo.
Assinámos os dois pois se tratava
de trabalho de parceria.
Depois das luzes da ribalta dei
que o esquiço de retrato não fora destruído. Passeou pelo edifício do
Correio do Vouga, pelo Seminário Diocesano e, até há pouco tempo,
quedava-se no gabinete de Monsenhor João Gaspar, no Paço Episcopal.
Se falo deste episódio, tal
resulta da leitura feita da entrevista dada pelo artista Zé Augusto ao
Dr. Amaro Neves e dada à estampa nas páginas do Boletim da Associação de
Defesa do Património Natural e Cultural da Região de Aveiro que se
invoca com a devida vénia, neste catálogo, pois que é repositório de
dados historicamente relevantes para a abordagem da vida do grande
barrista aveirense.
A certa altura diz-se que o
artista prefere trabalhar sozinho, isolado.
Não diria dele isso. O que se
passa é que a sua timidez o leva a um resguardo grande que se quebra
quando ele sente que está com alguém que conhece bem.
Prova disso mesmo são trabalhos
recentes em que ele tem dado as mãos a Jeremias Bandarra na
consubstanciação de painéis policromos que vão surgindo em feliz
parceria.
Zé Augusto sempre se reclamou de
pessoa pouco dada à abordagem das disciplinas teóricas que integravam o
seu curso de pintura cerâmica, quer nos tempos da Escola Técnica de
Fernando Caldeira, quer, depois, na Escola Industrial e Comercial de
Aveiro.
Quem o conheceu, como acontece
comigo, desses tempos, sabe qual era a sua postura face ao curso de que
colheu só o que quis: o traquejo do desenho pelas mãos dos professores
Porfírio de Abreu, Júlio Sobreiro e Ferreira Alves; a descoberta do
mistério das tintas cerâmicas, através dos professores Gervásio Aleluia
e Ernâni Moreira da Silva; a abordagem dos volumes, trabalhando o barro,
sob o seguro e competente conselho do mestre escultor Mário Truta que
tantos marcou na sua passagem por Aveiro.
Ele afirmava, e ainda hoje o faz,
que pensava pelos e com os olhos e falava melhor com as mãos.
Contudo, quem frequenta a sua
oficina, hoje mesmo dele, a caminho de São Bernardo, sabe da alegria que
lhe vem ao de cima quando tem amigos à sua volta, pedindo opiniões,
críticas, sugestões, estabelecendo um diálogo que se sente necessário e
útil para abrir as portas da sua criação artística.
E os livros de técnica e de
história de Arte misturam-se com as fôrmas de gesso que por toda a parte
se espalham.
Tímido? Sim. Sozinho, isolado,
nunca!
As dificuldades materiais de todos
nós, os alunos do ensino técnico, eram grandes, nesses anos de
cinquenta.
Muitos misturavam os estudos, de
dia ou de noite, com o trabalho, para subsistir.
A simbiose trabalho/escola técnica
era enorme: os cursos frequentados eram o prolongamento das tarefas
laborais; estas apeteciam a frequência dos cursos técnicos.
Os dirigentes de fábricas, muitas
vezes, eram professores; estes, muitas vezes também, eram ou
convertiam-se em dirigentes de empresa.
O Zé Augusto de hoje é mesmo o
fruto deste fundo de vida.
E o que caracteriza a obra de Zé
Augusto é a profunda coerência que há entre a sua maneira de estar e
aquilo que ele produz em termos de expressão artística.
Expressão essa que, quer nas suas
estatuetas de barro ou grés, a que ele gosta de chamar "bonecos", quer
nos seus painéis e palanganas (pratos cerâmicos), se traduz naquilo a
que alguns artistas de formação curricular vazada nas escolas se arrogam
de realismo expressionista.
Só que em Zé Augusto tal força de
expressão resulta duma vida sentida e sofrida que se plasma na forma do
barro ou na cor do painel, garantindo nelas essa mesma vida...
Não de uma teoria que se absorve e
que através de compromisso ideológico força a que se traduza
plasticamente uma leitura crítica da sociedade.
A força imanente é a força
emanente na obra de Zé Augusto.
E daí a espontaneidade e a
linearidade que se percebem existir desde o momento da concepção até ao
surgir do trabalho acabado, sem contudo tal se poder confundir com
simplismo.
De todo em todo, não.
O que há é a honestidade que brota
de alguém que sendo e vivendo a sua circunstância se assume como ele
próprio, sem rodeios, mostrando-se ele mesmo, sem compromissos, no
excelente manuseio dos instrumentos plásticos que tão bem domina.
Por mim ainda não será esta
exposição a retrospectiva de Zé Augusto.
É mais do que evidente que não.
O que não impede, antes força, a
que, desde já, se faça um total inventário da obra deste artista, coisa
imprescindível para a história da barrística e pintura cerâmica de
Aveiro.
Há bem pouco tempo, visitando uma
galeria de arte em Espanha, fui perguntado de que terra eu era.
Disse que era de Aveiro.
Ah! de Aveiro?., da terra do Zé
Augusto?
Isto diz muito do mérito de mais
esta exposição que se deve aos Serviços de Cultura da nossa cidade.
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