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EXPOSIÇÃO ANTOLÓGICA - 14 a 29 de Setembro de 1996

A PROPÓSITO DE...
Gaspar Albino – págs. 13 e 14

Tratava-se de pública sessão de homenagem a D. João Evangelista de Lima Vidal e, se bem me lembro, o padre Manuel Caetano Fidalgo abeirou-se de mim pedindo que lhe fizesse um retrato do arcebispo, de grandes dimensões, para pano de fundo do palco do Teatro Aveirense.

Respondi que o desenharia mas que, para o pintar, teria de recorrer a alguém que me desse uma mão.

Bati à porta do Zé Augusto. A resposta foi sim. E em poucas horas, talo curto tempo de que se dispunha, saiu em fundo de verde musgo sobre papel de cenário o recorte branco, esgalhado à brocha, da face sorridente, bondosamente sorridente, do nosso Bispo.

Assinámos os dois pois se tratava de trabalho de parceria.

Depois das luzes da ribalta dei que o esquiço de retrato não fora destruído. Passeou pelo edifício do Correio do Vouga, pelo Seminário Diocesano e, até há pouco tempo, quedava-se no gabinete de Monsenhor João Gaspar, no Paço Episcopal.

Se falo deste episódio, tal resulta da leitura feita da entrevista dada pelo artista Zé Augusto ao Dr. Amaro Neves e dada à estampa nas páginas do Boletim da Associação de Defesa do Património Natural e Cultural da Região de Aveiro que se invoca com a devida vénia, neste catálogo, pois que é repositório de dados historicamente relevantes para a abordagem da vida do grande barrista aveirense.

A certa altura diz-se que o artista prefere trabalhar sozinho, isolado.

Não diria dele isso. O que se passa é que a sua timidez o leva a um resguardo grande que se quebra quando ele sente que está com alguém que conhece bem.

Prova disso mesmo são trabalhos recentes em que ele tem dado as mãos a Jeremias Bandarra na consubstanciação de painéis policromos que vão surgindo em feliz parceria.

Zé Augusto sempre se reclamou de pessoa pouco dada à abordagem das disciplinas teóricas que integravam o seu curso de pintura cerâmica, quer nos tempos da Escola Técnica de Fernando Caldeira, quer, depois, na Escola Industrial e Comercial de Aveiro.

Quem o conheceu, como acontece comigo, desses tempos, sabe qual era a sua postura face ao curso de que colheu só o que quis: o traquejo do desenho pelas mãos dos professores Porfírio de Abreu, Júlio Sobreiro e Ferreira Alves; a descoberta do mistério das tintas cerâmicas, através dos professores Gervásio Aleluia e Ernâni Moreira da Silva; a abordagem dos volumes, trabalhando o barro, sob o seguro e competente conselho do mestre escultor Mário Truta que tantos marcou na sua passagem por Aveiro.

Ele afirmava, e ainda hoje o faz, que pensava pelos e com os olhos e falava melhor com as mãos.

Contudo, quem frequenta a sua oficina, hoje mesmo dele, a caminho de São Bernardo, sabe da alegria que lhe vem ao de cima quando tem amigos à sua volta, pedindo opiniões, críticas, sugestões, estabelecendo um diálogo que se sente necessário e útil para abrir as portas da sua criação artística.

E os livros de técnica e de história de Arte misturam-se com as fôrmas de gesso que por toda a parte se espalham.

Tímido? Sim. Sozinho, isolado, nunca!

As dificuldades materiais de todos nós, os alunos do ensino técnico, eram grandes, nesses anos de cinquenta.

Muitos misturavam os estudos, de dia ou de noite, com o trabalho, para subsistir.

A simbiose trabalho/escola técnica era enorme: os cursos frequentados eram o prolongamento das tarefas laborais; estas apeteciam a frequência dos cursos técnicos.

Os dirigentes de fábricas, muitas vezes, eram professores; estes, muitas vezes também, eram ou convertiam-se em dirigentes de empresa.

O Zé Augusto de hoje é mesmo o fruto deste fundo de vida.

E o que caracteriza a obra de Zé Augusto é a profunda coerência que há entre a sua maneira de estar e aquilo que ele produz em termos de expressão artística.

Expressão essa que, quer nas suas estatuetas de barro ou grés, a que ele gosta de chamar "bonecos", quer nos seus painéis e palanganas (pratos cerâmicos), se traduz naquilo a que alguns artistas de formação curricular vazada nas escolas se arrogam de realismo expressionista.

Só que em Zé Augusto tal força de expressão resulta duma vida sentida e sofrida que se plasma na forma do barro ou na cor do painel, garantindo nelas essa mesma vida...

Não de uma teoria que se absorve e que através de compromisso ideológico força a que se traduza plasticamente uma leitura crítica da sociedade.

A força imanente é a força emanente na obra de Zé Augusto.

E daí a espontaneidade e a linearidade que se percebem existir desde o momento da concepção até ao surgir do trabalho acabado, sem contudo tal se poder confundir com simplismo.

De todo em todo, não.

O que há é a honestidade que brota de alguém que sendo e vivendo a sua circunstância se assume como ele próprio, sem rodeios, mostrando-se ele mesmo, sem compromissos, no excelente manuseio dos instrumentos plásticos que tão bem domina.

Por mim ainda não será esta exposição a retrospectiva de Zé Augusto.

É mais do que evidente que não.

O que não impede, antes força, a que, desde já, se faça um total inventário da obra deste artista, coisa imprescindível para a história da barrística e pintura cerâmica de Aveiro.

Há bem pouco tempo, visitando uma galeria de arte em Espanha, fui perguntado de que terra eu era.

Disse que era de Aveiro.

Ah! de Aveiro?., da terra do Zé Augusto?

Isto diz muito do mérito de mais esta exposição que se deve aos Serviços de Cultura da nossa cidade.
 

 
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