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Na rota de Montesinho

"Região Bairradina", n.º 699, Fevereiro 2002

 

 

Durante muitos anos ambicionei visitar o Parque Natural do Montesinho, na fronteira nordeste do país, e temia que a minha expectativa saísse gorada quando lá fosse.

Tal não aconteceu. O facto de não haver saídas preferenciais para Espanha e França através do Parque faz com que este se tenha quedado tranquilo e naturalmente protegido dos atentados a que eventualmente outros parques têm estado sujeitos.

Não é difícil encontrar alojamento, quer na cidade de Bragança, quer dentro do próprio parque sob a forma de turismo rural ou nas casas dos Serviços Florestais.

É imprescindível munir-se de um mapa de escala adequada e depois ir a todo o lado: desde logo visitar essa espantosa aldeia que se chama Rio de Onor onde as populações portuguesa e espanhola coabitam, paredes meias, na melhor harmonia. Parece que o tempo aí parou, tanto é o cuidado em preservar não apenas os aspectos físicos da paisagem mas também os próprios hábitos dos autóctones. É verdade que a população está envelhecida e que os jovens tiveram de partir para a cidade em busca de sustento mas enquanto houver gente que goste do sossego e do equilíbrio que só a natureza pode dar, então Rio de Onor permanecerá.

A alguns quilómetros dali temos Guadramil e aí o nosso olhar fica desolado tal é o estado de abandono que se respira. Guadramil era há cerca de 50 anos uma mina de ferro que constituía praticamente o sustento da população já que, ao contrário de Rio de Onor, a agricultura está ausente. A terra é pobre, reduz-se a uma rua de casas pobres e a um cemitério modestíssimo. Temos a sensação de estar no fim do mundo. Cruzamo-nos com uma mulher da aldeia, simpática, a quem falamos destas terras e destes tempos. Confirma as nossas piores suspeitas: dentro de anos, a aldeia não terá uma pessoa viva como vimos nalgumas aldeias dos Pirinéus espanhóis. Em compensação, a horas mortas, pelo nascer do dia, os veados vêm até ao limite da povoação à procura de algum pasto.

Regressamos a Bragança e tomamos o caminho de Puebla de Sanábria através da aldeia de França. Aqui, à beira da estrada há um pequeno restaurante, acolhedor, cujo nome não recordamos mas onde parámos para almoçar incentivados por um número significativo de guardas florestais que se preparavam para fazer mesmo. Ora, estes são gente conhecedora e quando assim acontece, eu não hesito: sigo-lhes o exemplo. De facto comia-se bem, era um local asseado e o preço era convidativo.

Já agora dê-se um passeio a Espanha para ver a bela cidadezinha de Puebla de Sanábria com o seu castelo e rume-se a Ribadelago onde o lago glaciar (a 1000m de altitude) cercado de montanhas nos faz lembrar a Suíça não fora a presença de carvalhos, árvore tipicamente mediterrânica. Subamos por essa bela estrada até ao planalto (cerca de 1700m de altitude) de onde se tem sempre uma vista espectacular sobre o lago.

De volta, não esquecer de percorrer todas as estradas do parque que, sendo estreitas são, apesar de tudo, alcatroadas. Elas levam-nos a Montesinho, a Cova da Lua, a Moimenta e a outras.

É uma região muito bonita e eu recomendaria a Primavera ou o início do Outono para uma visita já que a sua cobertura arbórea adquire em certas alturas do ano aspectos verdadeiramente invulgares do ponto de vista cromático.

Nesta região nasceram dois homens notáveis: o abade de Baçal a quem se deve o estudo de muitos testemunhos arqueológicos e etnográficos da região encontrando-se muitos deles no Museu que leva o seu nome, em Bragança, e o Professor Paulo Quintela, prestigiado germanista que foi Professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e a quem se ficam a dever algumas traduções de obras de autores alemães quais sejam, Nietzche, Goethe, Holderlin, Rilke, Nelly Sachs e outros.

Naturalmente, ficaria de mal com a minha consciência, se não lhe recomendasse uma prova dos enchidos da região, moderada já se vê, (em Vinhais há uma feira célebre mas pode encontrá-los em qualquer estabelecimento da especialidade).

É claro que se é a primeira vez que vai a Bragança, não pode deixar de visitar a castelo com a sua bela Torre de Menagem e o Domus Municipalis, ex-libris da cidade, e que terá sido construído nos séculos XII ou XIII e que é único, no seu género, na Península Ibérica; à saída para Vinhais não deixe de visitar o interessantíssimo mosteiro românico de Castro de Avelãs (século XII), de que resta uma parte da igreja, completamente revestida a tijolo, o que lhe confere uma notável originalidade.

O regresso a casa pode fazê-lo por Miranda do Douro, admirar aí a Sé mandada construir por D. João III (onde pode ver o celebrado Menino Jesus da Cartolinha), deitar um olho ao Douro internacional que constitui uma paisagem verdadeiramente esmagadora e Freixo de Espada à Cinta com as suas janelas manuelinas.

Se não é abusar do seu estômago delicado ainda lhe deixo aqui uma última sugestão: comer a prestigiada posta mirandesa em Carviçais (a meio caminho entre Freixo e Torre de Moncorvo). Espero que aproveite. Estou certo que não ficará desiludido.

Luís Serrano, Fev. 2002. 

 


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