São
apenas cerca de 650 quilómetros que nos separam de Córdova
servidos por auto-estrada até Badajoz e por uma boa e bela estrada,
que passando por Zafra, Fuente Obejuna e Peñarroya, nos leva
finalmente a esta espantosa cidade tão cheia de memórias e de
beleza.
A sua curiosidade primeira e a mais importante é,
naturalmente, a mesquita, a umas escassas dezenas de metros do
Guadalquivir.
Considerada uma das mais belas mesquitas do mundo, a sua
construção foi iniciada no séc. VIII ao tempo do rei Abderramão
I (756–788) e assentou sobre uma Basílica cristã (a Basílica de
S. Vicente) que existia no local. A esta primeira fase seguiram-se
mais três: as ampliações devidas a Abderramão II (821-852), Al
Hakam II (961-976) e Almanzor (fim do século X) que lhe deu
praticamente a dimensão que tem hoje.
Ela apresenta-se, actualmente, como uma floresta de 850
colunas de granito, sobrepujada de capitéis de mármore e de arcos
sobrepostos para dar a palavra ao historiador Pierre Riché.
A multiplicação das colunas e das naves no decurso
destas ampliações colocou problemas técnicos já que as primeiras
colunas, por demasiado baixas, não permitiam a iluminação
adequada da mesquita. Então, recorreu-se a uma segunda e até
terceira série de arcadas sobrepostas às primeiras (arcos visigóticos,
em ferradura) que possibilitaram levantar os tectos e resolver o
problema da iluminação.
A queda de Córdova teve consequências ao nível da própria
mesquita já que ela foi transformada em catedral católica com
modificações de gosto mais do que duvidoso. O casamento entre as
duas arquitecturas não dá ao visitante a ideia de diálogo
que poderia ser desejável e interessante já que diálogo sempre
tinha havido antes da reconquista pelas forças católicas pois as
comunidades islâmica, judaica e cristã sempre tinham convivido
lado a lado. Mas os tempos eram já outros, os que foram impregnados
pela influência nefasta e mesmo criminosa do Tribunal da Inquisição.
Apesar de tudo, a mesquita não foi destruída e entre os
cristãos que lá estão sepultados e que honram o género humano
conta-se D. Luís de Gôngora, um dos maiores poetas castelhanos de
todos os tempos e que pertencia a uma importante família de Córdova.
O seu túmulo está numa das capelas laterais.
Mas Córdova não é apenas a mesquita. É bom não
esquecer que ao tempo da construção da mesquita, Córdova possuía
qualquer coisa como 113 000 casas, cerca de 6 300 palácios, outras
tantas mesquitas, 913 banhos e 80 000 lojas. A sua biblioteca tinha
mais de 100 000 volumes quando quatro séculos mais tarde a
biblioteca do rei de França possuía apenas um escasso milhar de
volumes. Tenhamos presente ainda que tudo isto se passa antes do
nascimento de Gutenberg, o inventor da imprensa. É simplesmente
espantoso. Claro que tudo ou quase tudo foi destruído pelo tempo
mas também pela fúria purificadora dos fundamentalistas que sempre
aparecem para estragar o que os outros fazem.
E para além da mesquita há também o Alcázar dos Reis
cristãos e aquele dédalo de ruinhas maravilhosas onde se escondem
esses pátios que constituem uma das referências da cidade,
pátios que frequentemente albergam belos restaurantes onde o
turista pode se compensar do desgaste físico. Porque andar é a
melhor maneira de conhecer uma cidade. No entanto, há umas caleches
muito simpáticas que durante uma hora ou hora e meia nos levam de
visita à cidade. É claro que não podem entrar nas ruas mais
estreitas onde a solução não tem alternativa: a pé... e é se
queres.
O bairro da Judiaria é, justamente, um desses bairros
constituídos por ruas labirínticas onde pululam artesãos e
restaurantes.
Do outro lado da ponte (Ponte Romana) encontra-se a
Torre de la Calahorra.
Pode ainda visitar a Sinagoga no bairro da Judiaria
(próximo à praça Maimónides e à rua de Averroes, praça e rua
que levam os nomes dos dois grandes pensadores que aqui nasceram, o
primeiro, judeu e o segundo, muçulmano e a quem o ocidente deve em
primeira mão o conhecimento da obra de Aristóteles) e ver ainda o
que resta da Medina Azahara, grande palácio mandado
construir pelo califa Abderramão III para servir de presente à sua
mulher favorita Zahra (a cerca de 7 ou 8 quilómetros da cidade).
No regresso a casa, um pequeno desvio, em Zafra, pode
levar-nos a Mérida, cidade muito mais pequena mas que tem para ver
o Teatro Romano, o Anfiteatro e o Museu de Arte
Romana (ao lado uns dos outros) e ainda o célebre Aqueduto
Romano de Los Milagros e bem assim o que resta do aqueduto de
San Lorenzo, ambos sobre o rio Guadiana.
Pelo
caminho, quer em Espanha, quer em Portugal podem-se descansar os
olhos por uma paisagem serena onde não raro aparecem árvores
encimadas por ninhos de cegonhas.
Aconselharia vivamente este passeio fora dos calores
estivais, isto é fora do período compreendido entre Junho e
Setembro, já que se trata de uma das regiões mais quentes de
Espanha. Há muitos vestígios da presença árabe na península mas
eu destacaria Granada, Córdova e Mértola. E com estas sugestões
me despeço. Até breve!
Luís Serrano, Abril 2003.
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