Há
já algum tempo que não venho ao contacto com os meus leitores (será
que os tenho?) e, por isso, venho hoje propor-lhes (à guisa de
compensação) uma pequena viagem pelo centro do país. Uma tal
viagem teria a sua primeira paragem em Leiria onde o Castelo e o Paço
de D. Dinis são visita obrigatória. Felizmente ainda o podemos ver
num estado de conservação assinalável e dele se podem avistar as
belas terras agrícolas da região.
De
Leiria e para o caso de nunca terem visto o Mosteiro de Alcobaça
e/ou o Mosteiro da Batalha (gravíssima lacuna cultural da qual os
eventuais pecadores se devem penitenciar, imediatamente, indo lá),
poderão começar, justamente, por essa pérola que é Alcobaça. Não
conheço nenhum outro exemplo de cisterciense que se lhe possa
comparar, nem cá dentro nem lá fora. Sobre a austeridade da nave
central, da sua grandeza, leia-se o belíssimo poema de Jorge de
Sena incerto no seu livro Metamorfoses. Aí nos fala Sena de
uma [...] Hierarquia / de uma outra vida sobre a terra. Gesto
/de pedra branca e fria, sem limites/ por dentro dos limites.
Esperança /vazia e vertical. Humanidade. Este Mosteiro foi o
centro de uma intensa actividade que muito contribuiu para o
desenvolvimento agrícola da região.
Daí
passem à Batalha, exemplo maior do gótico terminal ou tardio,
chamado, entre nós, de manuelino. Não deixarão aí de ver
a célebre abóbada da Sala do Capítulo a que se refere o célebre
conto de Alexandre Herculano onde se fala do primeiro arquitecto do
Mosteiro, Mestre Afonso Domingues.
Sugiro-lhes
agora que subam a Porto de Mós onde poderão ver o castelo, um
exemplo de estrutura militar, mais tarde adaptada a paço solarengo
pelo conde de Ourém, D. Afonso, em meados do século XV.
A
partir daqui deixariam os monumentos em paz e passariam a tomar mais
atenção à natureza, já que começa por aqui uma região
designada de Maciço Calcário Estremenho. Logo um pouco à frente,
na estrada que se dirige para Mira d’Aire, encontrarão um
conjunto de grutas (Santo António, Mira d’Aire, Alvados). Se
nunca viram nenhuma, não devem perder a oportunidade. Uma gruta é
um espaço fantástico onde a rocha adquire as formas mais bizarras
por acção da água. Aí encontrarão formas típicas como sejam as
estalactites e as estalagmites cuja delicadeza dá a esses espaços
uma aura de templo natural. Sobre essas figuras esguias, elegantíssimas,
escreveu Carlos de Oliveira um dos seus mais importantes poemas : Estalactite
do livro Micropaisagem.
A
esse envolvimento espacial se referia ele nestes versos: Espaço
/para caírem /gotas de água /ou pedra /levadas /pelo seu peso,
suaves acidentes /da colina /silenciosa para /a cal /florir /nesta
caligrafia /de pétalas /e letras. [...]
Em
Mira d’Aire verá uma forma típica destas regiões, ditas cársicas,
o polje. É uma forma única no nosso país. Está situado a cerca
de 400 metros de altitude e constitui uma depressão completamente
fechada que em tempo de muita precipitação (inverno) se transforma
em lago. Fora desta circunstância, o polje assume-se, numa região
muito pobre, como a única ou quase única alternativa para a produção
agrícola.
Não
esquecer que nestas regiões (Serra dos Candeeiros, Serra de Sicó)
a maior riqueza agrícola é a oliveira. A cobertura vegetal é
constituída por espinhosas pelo que o gado que melhor se adapta a
estas terras é a cabra. Já dizia o poeta nordestino João Cabral
de Melo Neto que [...] Viver para a cabra não é /re-ruminar-se
introspectiva. //É, literalmente, cavar /a vida sob a superfície,
/que a cabra, proibida de folhas, /tem de desentranhar raízes. E
é a cabra que fornece o leite para uns queijinhos deliciosos que
poderão encontrar nalgumas localidades da serra.
O
resto, meus amigos, é pedra e é tanta que o homem para se
desembaraçar dela e cultivar alguns escassos metros quadrados
constrói muros à volta das propriedades, não para defender estas
de intrusos mas para lhes dar uma ocupação (às pedras,
entenda-se).
Uma
vez que estão perto, embora a hora comece a ficar tardia,
recomendava-lhes ainda uma última visita: à Pedreira do
Galinha. Fica a poucos quilómetros de Fátima, na estrada para
Torres Novas, próximo da aldeia de Bairro, e está muito bem
assinalada ao longo da estrada. Aí poderão admirar trilhos de
pegadas fósseis de grandes sáurios, as maiores que se conhecem em
Portugal, no meio de uma paisagem verdadeiramente arrebatadora.
Ah,
ficaram entusiasmados com o que viram e resolveram ficar para o dia
seguinte? Bom, se assim é, então visitem Tomar e a velha Ourém
onde se encontra o velho Paço dos Condes de Ourém (século XV).
Esta estrutura residencial está situada num monte que se eleva no
meio dum belo vale pleno de terras agrícolas e tem a rodeá-la a
primitiva povoação de Ourém com as suas casinhas brancas e as
suas ruas estreitinhas – uma delicadeza para os olhos!
Em
Tomar são muitas as coisas que podem ver: o Convento de Cristo com
a sua janela manuelina, única no género, a Igreja Matriz, o
castelo, a Sinagoga onde se encontra instalado o Museu Luso-Hebraico
de Abraão Zacuto. Não esqueçam a doçaria, os queijinhos e o
tinto, que aqui para nós, não é nada mau. Já agora, aproveito
para lhes dizer que em Tomar nasceu o grande compositor, já
falecido, Fernando Lopes-Graça e também o meu querido amigo Manuel
Simões, colaborador regular destas páginas, a quem daqui envio uma
piscadela de olho.
Bom,
o melhor é ficarmos por aqui e regressarmos a casa que já vão
sendo horas.
Luís Serrano, Maio 2002
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