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Para além das muitas que já
contei, não me furtarei a contar mais esta: tinha ido ao Porto, de
boleia, com um casal amigo. Como os nossos afazeres eram em locais
diferentes, combinámos, depois de libertos, de nos encontrar em
determinado Café da baixa portuense.
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Esse casal, por demoras
imprevistas, não pôde comparecer às horas marcadas e, para meu sossego,
resolveu telefonar para o referido Café, pedindo a minha presença ao
telefone.
A sala estava cheia. As conversas
desenvolviam-se em todas as mesas, numa toada de vozes grossas, à boa
maneira do Porto.
Vai senão quando, um silêncio
total: ao altifalante, alguém repetia um aviso:
— Estão a chamar o Sr. Conde ao
telefone!
Era eu! Ah meus Amigos...
Levantei-me no meu fato de corte à S. João de Loure e vi todos aqueles
olhos — seriam 200 ou 300? — em cima de mim. Não sei se corei; o que
sei é que senti as pernas a vergarem-se, não porque tivesse feito
qualquer coisa que me envergonhasse, mas tão somente por ver que em todas
aquelas caras perpassava um esgar de desilusão e desencanto, com quem
quisesse dizer:
— Que raio de CONDE tão mal
enjorcado!
Atravessei aquele matagal de gente
até ao telefone. E senti uma enorme pena de mim, desta vez mais do que em
qualquer outra, por ter, involuntariamente, provocado tão grande
desapontamento naquele arraial de gente que me fixava impiedosamente.
Agora, surge-me um Ilustre Amigo, o
Sr. Dr. Orlando de Oliveira, a chamar-me “avô” em amigável cartão
que me dirigiu após ter lido o livro CACIA E O BAIXO VOUGA, de que fui um
modesto coordenador.
Naquele seu jeito de humor delicado
— negando pela aparência a delicadeza d’alma que o exorna — teceu
um engraçado silogismo:
“Se o Bartolomeu é de Cacia e eu
sou um “aveirense nascido em Viseu”, e ainda, se “Cacia é a
avozinha de Aveiro (no dizer do Dr. Alberto Souto), segue-se que o
Bartolomeu é meu avô”. E acrescenta: “e como ter um avô Conde não
é para toda a gente, vejo acrescentado o meu brasão heráldico de pobre
plebeu com adornos nunca sonhados!”
E aqui está como, por estas e por
outras, um nome oriundo de pescadores da Torreira, com raízes embebidas
em alcunha dos seus avoengos, dá a um descendente o direito de usar brasão.
Depois de reflectir sobre vantagens
e desvantagens do uso desse direito, decidi não perder a oportunidade de
ser mesmo “Conde” a sério. E assim, pus-me a desenhar, para a minha
choupana do Fontão, um brasão gravado em barro (por respeito às tradições
barristas da nossa região) com a seguinte lavragem: um escudo, com um
peixe do lado esquerdo, em homenagem aos meus antepassados pescadores;
do lado direito uma bota, pela aliança de sangue aos meus avós
sapateiros maternos, de Oliveira de Azeméis; a bordejar estes dois símbolos,
duas penas de pavão a fixar a minha profissão de manga-de-alpaca; e em
cima do escudo, como não podia deixar de ser, a coroa de CONDE!
E porque é de bom tom uma legenda
em latim, escolho a que Hércules gravou no Monte Calpe: NEC PLUS ULTRA (Não
mais além)!
E para que tudo tenha ares aristocráticos,
em vez de Bartolomeu Conde, de Mataduços e Fontão, vou passar a usar o título
de D. BÁRTHOLO, Conde de Mataduços y Fontão!
Que me diz a isto, — meu Ilustre
Neto?!
Solar de Mataduços, 20.01.85
Conde
de Mataduços y Fontão
Nota: A este brasão acrescentei,
mais tarde, três símbolos: o sino-saimão por respeito ao nome
judaico de Bartolomeu; o diabo, por ter andado à solta na
Carnificina de S. Bartolomeu (24.VIII.1572); e, finalmente, dois falos,
marcos muito usados em Sarrazola (Cacia), aldeia-matriz da minha postura
na vida.
04.05.2000
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