A
costa portuguesa, desde a aristocrática
Granja à Costa Nova, das pitorescas casas em madeira, encontra-se
salpicada de praias separadas por curtas distâncias, possuindo, no
entanto, cada uma um cunho próprio ditado, quer pela singularidade das
condições naturais, quer pelas suas origens.
Estas praias, bem como as termas do Luso e
da Curia, mais a sudoeste, constituem desde há um século importantes
centros de veraneio. Assim, o sedentário beirão de novecentos, que
durante o Inverno lamentara na «Assembleia» a «decadência dos costumes»,
ainda o estio vinha longe já começava a fazer largos preparativos para
ir a Espinho ou à Curia.
Um dia, entre acenos nervosos, risinhos
broncos e uma boa dúzia de maniveladas no imponente «Berliet», hoje
relíquia veneranda digna de museu, lá iam felizes, aos solavancos, por
estrada esburacada e poeirenta, em cachos humanos, ladeados de
sombrinhas, malas, pneus, latas de gasolina, chapéus largos muito
amarelos com grandes laços e no cume, a encimar a alta pirâmide, um
gordo cesto de verga contendo cheirosa merenda.
A caravana lançava-se em velocidades
«vertiginosas», cometendo «loucuras» na verde planície, depois de ter
vencido penosas subidas ao enfrentar o gigantesco e xistoso maciço
central, coração das Beiras, A cada instante fazia-se uma paragem, ora
para refrescar a garganta e o motor sedentos, ora para tirar um incómodo
calhau que impertinente permanecia no meio da estrada, ora ainda para
deixar passar um bucólico rebanho.
Mas, eram as «bens» dos Clérigos e do Chiado
quem mais «viviam» e sofriam a ida às «águas» ou aos «banhos».
Agitavam-se, num delicioso fru-fru de saias, deixando no rasto um
intenso cheiro a fresca alfazema, numa azáfama contínua das lojas às
modistas na busca incessante do «dernier cri» da «saison».
A Espinho convergia gente vinda de pontos
longínquos, gente diversa inundando as ruas de traçado geométrico, as
praias de mar calmo ou se acotovelando em fraternal cordialidade nas
casas de jogo, As casas de jogo, dignas antepassadas do actual Casino,
embora mais discretas e íntimas, eram um cenáculo onde peraltas e
excelências se reuniam, sentados na mesma «távola redonda», comungando
nas mesmas ideias: o jogo. Havia quem nunca perdesse a soberana
oportunidade para empurrar um requerimento que há muito andava encalhado
numa sonolenta secretaria de Estado. Enfim, um pequeno favorzinho
sussurrado no intervalo de uma jogada...
A tradicional Granja, famosa rival de
Espinho, situada a norte, mais hermética, mais inglesa, era o centro
predilecto dos homens de leis, desde os institucionalizados Conselheiros
aos irrequietos recém-formados da «fantástica geração» coimbrã de
setenta.
É curioso notar que em ambas o progresso
operou os seus efeitos, mas em sentidos diversos, pois encontra-se cada
uma vinculada ao seu passado.
O século XIX não fez erguer somente Espinho
após ter sido destruído todo o vestígio de presença humana quando o mar,
impulsivo, galgou a terra, nem apenas deu feição à Granja e Costa Nova,
legou-nos ainda dois deliciosos recantos, onde o romantismo deu largas
ao sentimento e imaginação criadora, escrevendo uma inesquecível
sinfonia na magia verde do denso copado das árvores, no mistério das
suas sombras, no cantar das suas águas. No Luso e na Curia não se busca
exclusivamente a cura física, é antes uma pausa reconfortante onde o
viajante pode descansar e sonhar um pouco. E sonho não será também vida?
O Luso, na fértil vertente do Buçaco, possui
modernos hotéis, uma acolhedora «boîte» e piscina olímpica. Aqui paira
uma onda juvenil que ri, um riso aberto de quem vem «para se divertir».
A Curia, a Curia do Palace, dos «faison»
reais, da «avenida das rosas», é mais ajardinada, mais calma, mais
outonal. Não há riso, há sorriso. A finalizar as nossas imprecisas
pinceladas numa tela tão vasta, um conselho para os que não «tomam
águas»: estando nesta região, visitem, num dia quente em que a alma e a
garganta estão ressequidas, as caves de espumantes e à luz coada das
abóbadas tendo por cenário pipas e um longos ouriços de garrafas, tomem
uma inesquecível taça de espumante.
Qual a sensação?
Não pode ser descrita; apenas sentida!
LUÍS MANUEL MARQUES |