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        Carlos Alberto Corga de Barros 
        
        
        A primeira vez que fui parar a um Conselho Directivo foi 
        por mero acaso. Tenho ideia de que se estava a constituir uma lista para 
        o Conselho Directivo da Escola Secundária n.º 2 de Aveiro, (actual 
        Secundária Homem Cristo) para o biénio 79/81. Realizaram-se algumas 
        reuniões preparatórias para escolha dos elementos, e lá calhei eu na 
        lista. Honestamente eu não sei por que razão fui eu o escolhido, mas o 
        que é certo é que o fui. 
        
        
        Havia uma outra lista concorrente, mas, porque estávamos 
        num período politicamente agitado e interventivo, as eleições foram 
        bastante participadas, e a dúvida de quem seria eleito manteve-se até ao 
        último minuto. A contagem dos votos ditou que a lista de que eu fazia 
        parte ganhou pela diferença mínima de um voto. 
        
        
        A partir da eleição começou a minha aprendizagem. Recordo 
        que foi uma passagem mais ou menos desportiva, sem grandes sobressaltos, 
        dado que eu era um simples vogal, sem grandes pelouros, sem grandes 
        responsabilidades. Em suma, passei esse primeiro ano de uma forma 
        bastante calma. Convém referir que apesar de estarmos numa época onde os 
        conflitos de natureza política abalavam a nossa sociedade, a situação 
        política vivida na escola era, de alguma forma pacifica. Isso também 
        contribuiu para que a actividade de gestão fosse calma, sem grandes 
        atritos, sem grande conflitualidade. 
        
        
        No entanto, no final do primeiro ano do mandato, surgiu 
        um problema que marcou toda a minha vida profissional, especialmente ao 
        nível da gestão. Estávamos em Julho e fui de férias para o estrangeiro, 
        onde permaneci cerca de oito a dez dias. Quando regressei, ainda em gozo 
        de férias e a pensar aproveitá-las da melhor maneira, encontrei um 
        bilhete em minha casa a informar-me de que tinha de me apresentar na 
        escola, pois a requisição de professores tinha de ser feita e enviada 
        para Lisboa. Como não havia ninguém da gestão, a presidente tinha sido 
        colocada noutra escola e o vice estava hospitalizado e o secretário 
        tinha pedido a demissão, lá tive de avançar. 
        
        
        Quando li o bilhete, às três ou quatro da manhã, a pedir 
        para fazer a requisição de professores soube que tinha acabado a minha 
        passagem despreocupada 
        
        / 75 / 
        pela gestão. 
        
        
        No outro dia lá fui para a escola sem saber muito bem o 
        que fazer, pois nunca tinha feito uma requisição de professores. Ao 
        olhar para trás e passados todos estes anos, tenho ainda aquela sensação 
        de me ver um pouco perdido no meio daquelas folhas, com horas lectivas, 
        cargos e reduções, cálculos e mais cálculos. Salvou-me deste desespero a 
        Rosário Azevedo, professora de Física, que, de imediato, se prontificou 
        a ajudar-me a fazer a requisição. 
        
        
        Aproveito a oportunidade para prestar, desde já, uma 
        sincera homenagem a Rosário Azevedo e enviar-lhe daqui uma palavra de 
        agradecimento. 
        
        
        Continuo a recordar-me que, na altura, a requisição era 
        vista como uma coisa muito complicada. Aliás corria a notícia de escolas 
        com professores a mais, por erros de requisição, nomeadamente no tocante 
        à requisição dos professores de Trabalhos Oficinais, porque na mesma 
        turma jogavam ao mesmo tempo quatro professores e, se não tínhamos 
        cuidado, poderíamos estar a requisitar vinte professores, em vez de 
        cinco ou seis. Entretanto comecei a trabalhar na requisição e acabei por 
        enviá-la para Lisboa. 
        
        
        Continuei sozinho na minha vida de gestor escolar, 
        aprendendo a fazer tudo, entrar nos problemas, resolvê-los, e gerir a 
        crise... Num dado dia, apresentou-se na Escola um professor a dizer que 
        tinha sido colocado em Artes Gráficas. Como nunca me tinha apercebido 
        que esse grupo existia na escola, perguntei o que se fazia em Artes 
        Gráficas. Recordo-me que ele disse, entre outras coisas, que se 
        imprimiam desenhos, inscrições, tudo o que fosse preciso, em metal, 
        através de processos mecânicos com umas máquinas próprias. Então eu 
        disse-lhe que nós não tínhamos nada daquilo na escola. 
        
        
        – Mas eu fui aqui colocado, respondeu-me ele. Fui ver à 
        requisição e verifiquei que me tinha enganado, pois em vez de requisitar 
        um professor para Têxteis requisitei um professor para Artes Gráficas. 
        
        
        Com este engano, a Rosa Maria Mancelos em vez de ficar na 
        Secundária N.º 2, foi colocada em Ílhavo. E eu ali com um problema, o 
        professor a dizer que tinha sido colocado na escola, que não percebia 
        nada de Têxteis, que sabia trabalhar em Artes Gráficas, que tinha 
        leccionado nos anos anteriores na Escola Secundária 
        
        / 76 / 
        Soares dos Reis, e eu sem ter horário para ele, sem saber o que lhe 
        fazer. Então decidi telefonar para o ministério e colocar o problema. 
        Disseram-me que eu tinha de o aguentar na escola e dar-lhe trabalho. 
        
        
        Como me tinha enganado, não fiquei muito descansado e 
        comecei a ver onde é que ele deveria ter sido colocado, se não tivesse 
        havido engano, de forma a ficar com a consciência tranquila. Ora o 
        professor era do Porto, e se não tivesse vindo para Aveiro teria ido 
        para o Algarve e, assim, para bem de uns mal dos outros. A Rosa Maria 
        foi para Ílhavo em vez de Aveiro e este em vez do Algarve veio para 
        Aveiro, cheio de sorte, disse-lhe eu na altura. 
        
        
        Como não tinha nem sabia que trabalho lhe havia de dar, 
        voltei a contactar com o ministério, que, finalmente, o destacou para a 
        Escola Secundária Soares dos Reis no Porto. 
        
        
        Este foi um pequeno erro, que se resolveu, mas dá para 
        ver o amadorismo em que se encontrava a gestão, pois é impensável que um 
        presidente de um órgão se vá embora, assim sem mais nem menos, e deixe o 
        trabalho a quem está ainda de férias, para mais um vogal, que, ainda por 
        cima, era professor provisório. 
        
        
        Mas isto continuou, porque a presidente estava noutra 
        escola, a vice estava em convalescença, e o outro elemento estava já em 
        processo de demissão, e não aparecia, o que resultou que eu aguentei 
        toda a gestão desde Julho a Outubro ou Novembro, com a agravante de se 
        ter iniciado o lançamento do 12.º Ano, quer diurno quer nocturno, com 
        todos os problemas daí advenientes. Recordo-me que o trabalho de lançar 
        o 12.º ano era muito exigente, o que obrigava a permanecer na escola 
        desde o nascer do sol até noite adentro. Era a constituição das turmas, 
        muitos alunos em determinadas disciplinas, poucos noutras, currículos 
        novos, alunos a virem de outras escolas, um mundo de problemas. 
        
        
        Aguentei sozinho toda a gestão sem qualquer apoio dos 
        outros elementos, pois estavam ausentes da escola, pelos motivos já 
        expostos. A minha formação como gestor escolar foi feita nesse período, 
        e provavelmente com algum sucesso, pois na votação efectuada para 
        indicar um professor para exercer as funções de Presidente (não tinham 
        aparecido listas candidatas ao Conselho Directivo) o meu nome foi votado 
        por larga maioria, apesar de ser professor provisório, sem licenciatura 
        (tinha 
        / 77 / 
        o bacharelato). Entretanto, o resultado dessa votação foi enviado para o 
        ministério, que não aceitou que um professor provisório fosse presidente 
        da escola. Esta decisão constituiu o primeiro imbroglio, dado que 
        a escola queria e insistia na minha eleição para a presidência o 
        ministério recusava. 
        
        
        Efectuou-se uma reunião geral e após as discussões 
        habituais chegou-se a um consenso e eu fui indicado vice-presidente e a 
        Dulce Pato presidente. Nesse mandato, 1980/81, com toda a experiência 
        adquirida, já passei pela gestão de uma forma mais interventiva, 
        ajudando a gerir as situações e os problemas que existem no dia a dia de 
        qualquer escola e de qualquer gestão. Penso que sem grandes 
        sobressaltos, e sem grandes histórias que mereçam a pena serem contadas, 
        para além dos famosos telefonemas anónimos de existência de bombas. Este 
        episódio, que durou três ou quatro semanas, começou por criar um clima 
        de medo, angústia e insegurança em toda a escola, e transformou-se 
        rapidamente num estado de festa para os alunos, que iam para o largo da 
        câmara dar largas à sua alegria, cantando, batendo palmas, etc. Quando 
        recebi o primeiro telefonema, agi de forma muito natural e, com o 
        aspecto mais sereno do mundo, pedi, turma por turma, que saíssem 
        ordeiramente. Das outras vezes, sempre que alguém aparecia à porta, nem 
        sequer era preciso dizer alguma coisa, pois os alunos saíam logo em 
        grande festa. Num belo dia o senhor António Moreira entrou pelo gabinete 
        dentro, acompanhado pelo autor dos telefonemas anónimos, que tinha sido 
        apanhado a telefonar para a escola de uma cabina pública existente ao pé 
        das Finanças. 
        
        
        Apanhado em flagrante, confessou tudo, afirmando que 
        telefonava porque queria ter feriados. Já não me recordo se aconteceu 
        alguma coisa ao aluno. mas parece-me que não lhe foi aplicada nenhuma 
        sanção. 
        
        
        No ano lectivo de 1982/83 pertenci também a um Conselho 
        directivo presidido pela Teresa Beirão. 
        
        
        Em 1983 fui colocado na Escola Secundária de Monserrate, 
        em Viana do Castelo, para fazer a profissionalização em exercício no 
        biénio 1983/85. Após a profissionalização, concorri e fui colocado, na 
        Escola Secundária de Albergaria-a-Velha, como professor efectivo, tendo 
        pertencido ao Conselho Directivo no ano de 1986/87, em substituição do 
        presidente que entretanto tinha sido colocado noutra escola. 
        
        / 
        78 / 
        
        
        O mandato decorreu sem grandes problemas, no que respeita 
        à gestão administrativa e pedagógica. Por isso não me lembro nada de 
        significativo que possa contar, a não ser duas situações caricatas que 
        são demonstrativas do modo de funcionamento do Ministério da Educação. 
        
        
        A primeira situação tem que ver com a existência de 
        equipamentos laboratoriais na área da indústria agro-alimentar. A 
        história conta-se rapidamente. Num dado dia o António Lagarto e o Luís 
        Filipe, meus companheiros de gestão levaram-me a uma sala onde se 
        encontrava, ainda totalmente embalado há bastante tempo (dois ou três 
        anos) um laboratório completo com o material mais moderno, oferecido 
        pelo Banco Mundial, para o curso agro-alimentar. Como tínhamos o curso 
        aberto, mas nunca ninguém se tinha inscrito, pedimos superiormente se 
        podíamos ceder o laboratório à Escola Secundária de Vale de Cambra, onde 
        funcionava o curso sem um laboratório à altura do curso. Claro que a 
        decisão das instâncias superiores foi negativa. Lá ficamos nós com o 
        material e sem o curso e a outra escola com o curso e sem o material. 
        
        
        Não sei se ainda hoje o material continua encaixotado. A 
        outra situação tem que ver com o curso de mecânica: a escola tinha sido 
        contemplada com equipamento considerado do mais moderno, muitas máquinas 
        eram computorizadas, outras faziam inveja a qualquer indústria da área 
        da mecânica. 
        
        
        Porém, para além da falta de formação dos professores 
        para lidarem com aquele tipo de material, faltavam as sapatas para 
        instalar as máquinas e a planta de instalação, que não havia maneira de 
        aparecerem. 
        
        
        Em conclusão, as máquinas a amontoarem-se na oficina como 
        se fossem para ficar em armazém, paradas e a deteriorarem-se. Falei 
        várias vezes com o ministério mas nunca tive quaisquer resultados 
        positivos. 
        
        
        Passados alguns anos, vi uma reportagem numa das 
        televisões acerca da problemática das oficinas de mecânica, e soube que 
        foi a direcção da escola, cansada de esperar, que contactou os órgãos de 
        comunicação social, pelos vistos com sucesso, porquanto o problema foi 
        solucionado. 
        
        
        No final do ano lectivo de 1987/88, já de abalada da 
        Secundária de Ílhavo, onde tinha estado naquele ano, para a Secundária 
        n.º 1 de Aveiro, concorri para a 
        
        
        / 79 / 
        Comissão Instaladora do Conservatório de Música de Aveiro. 
        
        
        Lembro-me de alguém ter vindo falar comigo a pedir que me 
        candidatasse ao Conservatório, pois tinha sido aberto concurso público 
        por parte da DREC. O mais curioso é que o prazo de concurso terminava às 
        17 horas daquele mesmo dia, o que nem sequer deu tempo para eu me 
        refazer do espanto, quanto mais de poder ter pensado calmamente sobre o 
        assunto; era do tipo pegar ou largar. Claro que não tive grandes 
        alternativas, foi pegar, preencher o formulário de candidatura e esperar 
        para avançar para uma nova experiência. 
        
        
        Fui entretanto nomeado Presidente da Comissão Instaladora 
        do Conservatório de Música de Aveiro de Calouste Gulbenkian, tendo por 
        companheiros de viagem o Alcino Cartaxo, professor de Filosofia da 
        Secundária de José Estêvão e o José Abreu professor de Flauta 
        Transversal do Conservatório. 
        
        
        Posso dizer que entrei num mundo completamente diferente, 
        e senti logo que tinha de me adaptar a uma nova filosofia de gestão: as 
        práticas tinham de ser outras, novas maneiras de ver o dia a dia numa 
        escola, horários diferentes, inclusive com aulas ao sábado à tarde, 
        actividades ao domingo, sons, silêncios, legislação ou falta dela, etc., 
        etc. 
        
        
        Praticamente não conhecia o Conservatório, tinha ouvido 
        falar dele em 1985, quando o então Delegado da Direcção Geral de 
        Pessoal, José Luís Malaquias, me convidou para eu presidir à Comissão 
        Instaladora do Conservatório, porque era preciso constituir uma Comissão 
        Instaladora, já que o Conservatório tinha passado naquele ano a escola 
        do ensino público. 
        
        
        Uma escola diferente, enriquecedora, passámos a lidar com 
        a cultura musical, com uma cultura comportamental completamente 
        diferente, a lidar com uma profusão de actividades artísticas, mas 
        também a não saber muitas vezes o que fazer, o que decidir, pois a 
        legislação não existia, e aquela que era aplicável noutras escolas não 
        era ali. Os casos muitas vezes eram decididos com base num pouco de lei, 
        com base em muito de bom senso e com algum "cheirinho que me parece que 
        é assim". 
        
        
        Na verdade, o Conservatório tinha passado de particular a 
        oficial e de Escola do tipo superior para uma escola do tipo secundária, 
        o que naturalmente trazia 
        
        / 80 / 
        problemas, muito, muito complicados. 
        
        
        Em primeiro lugar, o Conservatório de Música passou a 
        ensino oficial, mas a legislação praticamente era a que vinha do ensino 
        privado, ou era recente e contemplava poucos casos, ou nem sequer 
        existia. 
        
        
        Assim, a gestão era feita na base da resolução caso a 
        caso, da consulta a várias entidades, que superintendiam na gestão do 
        Conservatório, o GETAP, a DREC, a DGAE, Tc, que viviam às vezes de 
        costas voltadas, com domínios de competência pouco definidos, com 
        grandes possibilidades de invasão de competências, não raras vezes com 
        um lavar de mãos, um empurrar para os outros, quando o problema era 
        difícil, um agarrar o problema quando ele era fácil, ou seja a maior 
        confusão e nós para ali a querer gerir e a não ser deixado. Face a isto, 
        decidíamos nós, muitas vezes, sem nada perguntar. 
        
        
        Do tempo que passei pelo Conservatório tenho muitas 
        histórias para contar, mas vou só cingir-me a duas situações vividas, 
        uma no primeiro mandato (1988/1990) e outra no segundo (1994/96) e que 
        de alguma forma me marcaram. 
        
        
        Estava eu um dia no Conselho Directivo, quando apareceu o 
        professor Fernando Valente a dizer que tinha conhecido os elementos do 
        Quarteto de Saxofones de Amesterdão, que o quarteto era de grande 
        categoria e que se o Conservatório estivesse interessado ele poderia vir 
        actuar a Aveiro, na altura do Verão. 
        
        
        A partir do momento em que o Fernando Valente falou nessa 
        possibilidade, ela não mais parou, ele e nós também não e, cá os tivemos 
        em Aveiro, com algumas actuações encomendadas, mas que não davam para as 
        encomendas, ou seja, tínhamos um encargo da ordem dos mil e tal contos e 
        receitas certas da ordem dos seiscentos, setecentos contos. As actuações 
        que inicialmente eram para Aveiro, Porto e Coimbra e Viseu, passaram 
        também por Águeda, Estarreja, Santa Maria da Feira e Arganil. Lá andámos 
        nós de um lado para o outro a ver se conseguíamos arranjar dinheiro. Na 
        altura de partirem ainda lhe estávamos a dever cem contos, que tive de 
        pagar do meu bolso, à espera que a Câmara de Aveiro pagasse o prometido, 
        que finalmente chegou. A segunda situação teve que ver com a luta de 
        todos os Conservatórios no sentido da criação dos quadros de professores 
        que de há muito prometidos tinham dificuldades em nascer. Foi uma luta 
        árdua, difícil, 
        
        / 81 / 
        mas interessante, porque os interesses em jogo eram muitos e as 
        diferenças de pensamento eram significativas, o que obrigou à existência 
        de muitas reuniões para limar as arestas, acertar estratégias e elaborar 
        documentos. Podemos dizer que o Conservatório de Aveiro esteve sempre na 
        primeira linha, nunca abandonou a luta e, por isso, conseguiram-se os 
        quadros. 
        
        
        Nesta vida da gestão, abalançamo-nos a grandes empresas, 
        algumas vezes quase de olhos fechados, com um espírito de inovação, de 
        aventura, com muita dose de amadorismo, mas quase sempre de alma aberta. 
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