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        António Augusto Neto Mendes  
        
        
        Eu chamo-me António Augusto Neto Mendes e fui membro do 
        CD da Escola Secundária N.º 2, agora Secundária Homem Cristo. Isto em 
        1985/86 se as datas não me atraiçoam. Tenho este currículo de gestão. 
        Considero que algumas das pessoas que passaram por aqui são autênticos 
        dinossauros da gestão em Aveiro, que marcam este período do pós 25 de 
        Abril para o melhor e para o pior. Enfim, cada um avaliará. Mas é certo 
        que marcam este período da gestão escolar sobretudo na cidade de Aveiro. 
        Eu estive na gestão ainda no início da carreira, com poucos anos de 
        docência. A primeira experiência, a primeira e única aliás no ensino 
        secundário, numa altura em que o país conhecia grandes mudanças. 
        Estávamos a preparar a entrada na CEE. A situação dos professores em 
        Portugal era uma situação muito peculiar. Na altura, eu fazia parte 
        desse grupo de cerca de 50% dos professores do ensino secundário, que na 
        altura abarcava o actual 3.º ciclo, não profissionalizados e era o único 
        elemento não profissionalizado entre os 5 do CD. 
        
        
        A minha experiência de gestão foi interrompida com a 
        minha candidatura a estágio, penso que na altura já se chamava 
        profissionalização em serviço (herdeira da profissionalização em 
        exercício). Fiz as malas e fui até Óbidos fazer o 1.º ano de 
        
        
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        estágio frequentando a Escola Superior de Educação de Leiria. Começou aí 
        uma outra página da minha vida profissional com implicações que me 
        levariam mais tarde a abandonar o ensino secundário. 
        
        
        O período de trabalho na gestão foi relativamente curto – 
        um ano e pouco – porque eu entrei para o CD para substituir um colega 
        que entretanto saíra. Digamos que o meu nome não foi sufragado na lista. 
        Era um clandestino, mas mesmo assim foi uma experiência extremamente 
        rica e a ela devo uma boa parte do conhecimento da cidade, um 
        conhecimento mais sustentado que até aí não possuía já que não sou 
        natural da cidade. Vivia na cidade há cerca de quatro anos e é a partir 
        daí que consolido o conhecimento das gentes de Aveiro, uma vez que os 
        alunos e professores vinham de todos os cantos do concelho. As minhas 
        funções de secretário do CD tinham a ver, para além dos aspectos 
        burocráticos que estão inerentes ao cargo a relação com o SASE, com 
        muitos aspectos sociais. Na altura o SASE tinha dois funcionários. 
        Parecendo tão poucos, davam bastante que fazer. Era uma gestão bastante 
        complicada com situações de quase desmaio, pessoas a caírem-me nos 
        braços, etc. Essa experiência foi vivida num período muito difícil com 
        um corpo docente com uma grande mobilidade. Havia muita gente que vinha 
        do Porto, que estava de passagem na escola. Agora não tenho os números 
        desse período como é evidente mas tenho essa noção. Todos os anos havia 
        uma grande renovação do corpo docente com os aspectos positivos que isso 
        tem, mas também com um grande desgaste, sobretudo em termos de 
        organização e naquilo que retira a capacidade de planeamento à gestão da 
        escola. Esta situação agravava as condições em que nós trabalhávamos 
        ainda que fôssemos uma escola privilegiada no contexto das escolas 
        portuguesas como escola central numa cidade de média dimensão. Apesar 
        dos problemas que aquela escola tem em instalações que foram sendo 
        renovadas com equipamento, ia funcionando apesar de todas as limitações. 
        Lembro-me que nessa altura ainda estávamos no período de 
        pré-informatização da escola. Não havia os computadores ainda. Mas era 
        uma utopia com que as escolas já sonhavam, longe de ser uma realidade. A 
        secundária ia funcionando nos velhos moldes com tudo a ser feito à mão,
        stencil, máquina de escrever indispensável. Retenho desse período 
        uma vivência muito rica com os estudantes nomeadamente 
        
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        com a Associação Académica que não deixava de ser uma relação muito 
        conflitual. Tratava-se de uma associação académica com uma vontade de 
        intervenção muito acentuada, uma vontade de intervenção, que por vezes 
        entrava em conflitos sérios com a gestão. Isso levava o CD a ter que 
        chegar por vezes a medidas drásticas com ameaça de encerramento da sala 
        da Associação, que se chegava a concretizar. Por sua vez, os alunos 
        movimentavam-se e ameaçaram fazer uma greve, que chegou a vias de facto 
        numa altura em que eu estava sozinho no CD. Não sei se foi de propósito 
        por eu ser novo e inexperiente ou se calhou. Tive de me defrontar com o 
        Presidente da Associação académica, o qual enfim muito sensatamente 
        consegui sequestrar durante a tarde inteira em conversações na sala do 
        CD, adiando desse modo a greve. Fiz valer a minha boa relação com ele e 
        estivemos uma tarde inteira em conversações. Essa é uma das imagens mais 
        saborosas que eu guardo e ainda hoje, quando estou com ele, nos 
        divertimos a comentar essa situação. São estes 24 ou 23 anos, ou se 
        contarmos desde 1974 são 25 anos, contados a partir do momento em que, 
        digamos, a situação se normalizou (normalizou enfim é uma expressão que 
        já faz parte da literatura), que como dizia o Arsélio na intervenção que 
        fez, em que os professores garantiram o funcionamento das escolas em 
        condições muito difíceis. Eu não tenho uma visão nem de endeusamento da 
        acção dos professores nem vendo nela apenas defeitos. Acho que há 
        aspectos extremamente válidos e que os professores devem saber 
        aproveitar, explorar e rentabilizar para enfrentar os desafios de hoje. 
        Estou a falar como alguém que já não está no ensino secundário e que já 
        não vai ter essa responsabilidade, mas acho que há muitas ilações a 
        retirar deste longo período marcado pelo crescimento quantitativo do 
        sistema. Estamos de facto num outro momento, que não sei se vai ser 
        melhor, se vai ser pior, nem faço juízos de intenção em relação a isso. 
        De qualquer forma penso que aquilo que foi feito foi o possível nas 
        condições de quase total abandono por parte do estado dos funcionários 
        com responsabilidades na gestão. Eu devo dizer que, por acaso, fui 
        contemplado com uma acção de formação. Quando era secretário estive, 
        quase uma semana à custa do erário público em Lisboa, a fazer formação 
        na área do SASE. Penso que era uma acção criada propositadamente para 
        secretários dos CDs. Mas penso que isso foi de facto uma 
        
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        excepção na atitude tradicional do estado em relação aos CDs. A atitude 
        do estado foi sempre uma atitude de grande laxismo, quer em relação à 
        formação, quer em relação à profissionalização, como é sabido. Em 1986, 
        com a nossa entrada na CEE, fomos obrigados a fazer em poucos anos 
        aquilo que deveria ter sido feito ao longo de décadas em processos de 
        profissionalização acelerada que eu próprio experimentei e de que ainda 
        há resquícios. Pronto, é isto o essencial do que eu queria dizer. 
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