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Digressões... - Capela da Vista Alegre

Do lado ocidental do terreiro, frondosamente arborizado, que dá entrada para a fábrica (1) e onde se realiza no dia 13 de cada mês a concorrida e antiga feira do Bispo, encontra-se, anexa à quinta, considerado um monumento nacional, erigido nos fins do séc. XVII, a

Capela da Vista Alegre (2)

Mandou-a edificar D. Manuel de Moura Manuel (faleceu em 1699), reitor da Universidade de Coimbra e bispo de Miranda, que, residindo, às temporadas, na sua Quinta do Paço, na Ermida, a meia légua deste lugar, quis aqui ser sepultado. Há a tradição de que o escultor francês Claude de Laprade, em extrema pobreza, por ter conhecimento desse intento do poderoso prelado, o procurou, prontificando-se a fazer o mausoléu. O bispo de mau humor, assediado e descrente do valor do artista vagabundo, ter-lhe-ia dito: «Faça o diabo e deixe-me». O escultor, em vez de esmorecer, tomou a palavra à letra e fez uma escultura do diabo que persuadiu o bispo a confiar-lhe a execução da obra.

Daqui o escultor passaria a Coimbra onde executou (…) diversas esculturas e decorações para os reformados Paços da Universidade.

Na Quinta da Vista Alegre, então solitária, o prelado havia ocultado uma filha, de nome Teodora, cuja educação confiou a um fâmulo. O bispo morreu em uma das suas viagens de Miranda a este sítio escrínio do seu romance, deixando por concluir a fachada da capela. Foi o fundador da fábrica quem mandou rematar os campanários. Em 1910, o pequeno templo foi, pelo seu conteúdo, classificado como monumento nacional.

A fachada, bastante espaçosa (para capela), com duas torres sineiras nos flancos, coroados de coruchéus, tem sobre o portal uma grande imagem, em calcário de Ançã, da padroeira (N.ª Sr.ª de França), talvez do escultor francês, com amplas roupagens, no gosto / 538 / do século da edificação, bastante carcomida pelo tempo. Os valores artísticos fundamentais estão no interior: nos azulejos que revestem, em três andares, as paredes da nave, nas pinturas a fresco do tecto, nos mármores e talha dourada do altar-mor e principalmente no

* túmulo do Bispo

(monumento nacional) que se encontra na capela-mor, aberto na parede, do lado da Epístola, obra do referido Claude de Laprade. A parte essencial da sumptuosa e bela composição representa o bispo com as suas vestes de grande cerimonial, meio estendido no leito, de mitra, em atitude de moribundo que se levanta para tombar. Uma das mãos, a do braço em que se apoia, aperta uma dobra da roupa litúrgica; a outra, a esquerda, em atitude dramática embora medida, dirige-se ao peito. A fisionomia, (talvez um pouco fria e observadora), tem os olhos fitos na figura impressionante do Tempo (escultura levemente miguelangelesca que surge do alto), inexorável, empunhando a gadanha da Morte, braços fortemente musculados, grandes barbas pendentes, boca entreaberta, olhar carregado de inflexibilidade, asas enormes, como emissário supremo da última Lei. Um anjo, junto da cabeceira do prelado, segura a ampulheta, outro aos pés, ao lado de uma águia, segura uma caveira. Todo o restante da composição se concentra neste transe fundamental, como um comentário. A arca (com duas figuras femininas, em alto relevo, de fisionomia angustiada) assenta em três molossos, de fauces e expressões tradutoras de dor. Em roda do arco edicular, vêem-se, num estranho friso, por assim dizer, filosófico, seis adornos mundanos da distinção terrena: uma mitra, um chapéu de cardeal, uma tiara, um capacete de guerreiro nobre, uma coroa de rei e outra de imperador – cada uma cobrindo a sua caveira.

O estilo da obra reflecte mais o espírito e os próprios padrões dos mausoléus da Renascença italiana do que francesa (3).

Como tema, do qual toda a composição tumular seria uma glossa, lê-se ao alto, ainda sobre uma representação crua da Morre, o começo mnemónico Memento, homo... da velha advertência. / 539 /

Defronte, uma lápide laudatória, datada (1697), em versos latinos. Todo o mausoléu é cinzelado em pedra de Portunhos. O brasão do bispo (mofando da legenda) encontra-se em diversos lugares, dentro da capela: na arca tumular, sobre a porta lateral, em azulejos, etc.

Defronte da grande composição descrita, sobre a porta da sacristia, observa-se uma pequena urna de calcário, com outra composição menor, constituída por uma escultura de mulher, de vestes abundantes, segurando uma figura de criança, em medalhão. Não se sabe ao certo se é da filha do bispo ou da dama que ele secretamente amou.

No altar-mor, sob um dossel aparatoso, de talha dourada, uma Natividade de escultura policromada, de reduzido valor e, oculto pelo frontal, um Senhor Morto, de artista secundário e profissional. Alguns mármores ricos de Itália. A pintura a fresco da nave representa a árvore de Jessé. Os azulejos que se elevam até meia altura das paredes, azuis e brancos (século XVIII) contêm, em painéis, cenas bíblicas.

Junto da pilastra do lado esquerdo do arco que divide a nave da capela-mor, um Jesus de porcelana, de doce expressão.

Interessa apreciar na sacristia, de tecto baixo de berço, com pinturas a fresco (grotescos), muito semelhante ao da Sala do Exame Privado da Universidade de Coimbra, algumas pinturas murais, particularmente uma figura pagã, de mulher, que se nota, no friso, à entrada, sobre a caixa dos frontais. Ao lado, entrada para o já descrito museu de porcelanas.

Na residência da família Pinto Basto há uma curiosa peça de museu: um altar de bordo, (do século. XVIII), dum antigo veleiro da casa. Bela vista do terraço para o canal da ria, cheio de velas ligeiras e moliceiros, e para os pinheirais da Gafanha. / 540 /

No jardim, um relógio de sol. Quem desce pelo caminho do cais, encontra, desnivelada e dormente, a curiosa Fonte de Carapichel (1696), com uma longa inscrição poética de sabor arcádico:

Esta fonte, ó navegante,

Cuja límpida corrente

Cristais pródiga desata,

Atenções vistosas prende.

……………………………...

Diz-se que D. Pedro V, de passagem por aqui, copiou, sorridente, as quatro extensas e já pouco legíveis estrofes.

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(1) – Entre as plantas que cobrem o largo distinguem-se, no ângulo Sudoeste, dois exemplares de uma árvore rara em Portugal, originária da América do Sul, a bela-sombra (Phytolacea dioica), de tronco grosso, baixo e larga copa de folhas persistentes.

(2) – Por SANT"ANNA DIONÍSIO.

(3) – Supôs-se, aliás, por muito tempo, até à recente identificação documental do Prof. Vergílio Correia, que o artista era de nacionalidade italiana.

 

 

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