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Igreja de São Domingos (Sé)

No extremo da rua da Princesa Santa Joana, ergue-se a Igreja de S. Domingos (1) (PI. n.º 22) ou de N.ª S.ª / 492 / da Glória, que serve hoje de Sé (2). (Cf. Marques Gomes, Aveiro, in Arte e Natureza em Portugal, voI. IV).

O infante D. Pedro, duque de Coimbra e futuro regente do reino, manifestou ao prior do mosteiro de Benfica o empenho de ser em terra sua que se fundasse a projectada nova casa conventual de S. Domingos. Depois de vencer muitos embaraços, o duque lançou a primeira pedra da igreja, a qual foi sagrada em 1464 por D. Jorge de Almeida, bispo de Coimbra. Os homens bons da vila ofereceram o terreno e a esse reuniu D. Pedro um chão contíguo. Ao tratar-se da invocação, o mesmo escolheu a de N.ª S.ª do Pranto, que, pouco depois, ficou substituída pela de N.ª S.ª da Piedade, mais de uso popular. Esta, contudo, poucos anos durou, por causa do mosteiro de Azeitão fundado pelo rei D. Duarte, com invocação igual. Por não poder haver na ordem dominicana dois conventos com o mesmo título, o de Aveiro passou para N.ª S.ª da Misericórdia. Pelo de N.ª S.ª da Glória o trocaram em 1835, quando a igreja, devido à extinção das ordens religiosas, foi constituída em paroquial. Depois de 1834, o convento foi convertido em quartel, parte do qual ardeu em 1843. O que subsiste nada vale.

A fachada do tipo barroco, já um tanto anacrónico, visto ser de 1719, é modesta, apesar da silharia (de calcário). Formam-na um portal, quatro pilastras aos lados, e, acima do entablamento, quatro pirâmides e um frontão de volutas. Só tem relevo o portal, pelo desenho e aparato. Nesta bela peça barroca há quatro colunas salomónicas, um friso com decoração vegetal e datado de 1719, duas figuras emblemáticas sobre o entablamento, e o brasão do infante D. Pedro, metido em nicho de volutas. A torre sineira, de 1860, fica a deslado. O interior, de uma nave, é bastante pobre. No entanto, inclui algumas boas peças. Na actual capela de N.ª S.ª da Misericórdia figura um bom retábulo de pedra calcária dourada, obra dos meados do séc. XVI, que denota influências da escola renascentista coimbrã. Inclui uma pintura em tábua, na forma de tríptíco, que, apesar de alguns influxos flamengos, deve ser obra nacional (Marques Gomes alvitrou a autoria de Garcia Fernandes). Representa N.ª S.ª da Misericórdia, tendo aos lados santos dominicanos.

Nesta capela existe o túmulo gótico (muito danificado por mudanças e aberturas várias) de D. João de Albuquerque, senhor de Angeja e Canelas (falecido em 1483), bisneto de D. Fernando Afonso de Albuquerque, mestre de Santiago e alferes-mor de D. Pedro I. Com os domínicos negociou ele o direito de haver sepultura, com sua mulher D. Catarina Pereira, nesta igreja. Firma-se em leões a arca tumular, esculpida em pedra de Ançã; nas testeiras, o brasão esquartelado de Albuquerques e Cunhas; o mesmo e o da / 493 / mulher (partido em pala, de Albuquerques, Cunhas e Pereiras) pompeiam na face, seguros por quatro querubins. Em cima destes relevos brasonados, uma larga inscrição gótica, de quatro linhas, mutilada; nela se memora, entre mais, o facto de D. João ter ido às Canárias numa expedição guerreira (houve quatro expedições: 1424, 1440, 1445 e 1446).

AVEIRO - IGREJA DE S. DOMINGOS E CRUZEIRO GÓTICO

(Aspecto colhido antes da modificação do largo)

Na tampa alonga-se a estátua jacente do mesmo, vestida de suas armas. (Pouco vale como obra escultural). Defronte a capela de N.ª Sr.ª dos Prazeres, em cujo retábulo de / 494 / talha barroca sobressai uma boa imagem do final do século XVI ou princípio do XVII, uma Virgem com o Menino. Segue-se a capela da Visitação, ornada com óptimo retábulo de pedra calcária dourada, obra da Renascença, de 1559, em que se revela também a influência da escola coimbrã. Além da data, vêem-se nele as iniciais F. D., que Marques Gomes atribuiu a Francisco Dias ou Francisco Dansilo, mestres de pedraria no tempo. Nele figuram as estátuas da Virgem e de Santa Isabel, sem o realismo habitual na época (o da prenhez), embora seja viva e animada a composição. Arcos, largos, assentes em pilastras ornadas com os emblemas da Paixão (numa lê-se a data de 1559), de tipo Renascença, abrem as últimas capelas. Na da Epistola, com tecto de painéis policromados e entalhados (final do séc. XVII), um bom retábulo de talha barroca, doirada. Contíguo está o camarim do Senhor dos Passos, cuja imagem avulta pela feição dramática (executada nas oficinas de Teixeira Lopes). A capela fronteira é de N.ª Sr.ª do Rosário, bela imagem dos fins do séc. XVI, assente num retábulo do séc. XVIII. Tecto apainelado e entalhado (cenas bíblicas pintadas nos painéis); azulejos do séc. XVII, geométricos, no rodapé. São boas obras de torno os púlpitos. Embora iguais, um tem as datas de 1678 e 1699 e o outro a de 1745. No mesquinho arco triunfal a data é de 1745 e o brasão de Álvaro de Sousa (Arronches), padroeiro da capela-mor onde, junto ao presbitério, fica o túmulo de sua filha D. Catarina de Ataíde (morreu em 1551). Era dama da Rainha D. Catarina e durante largo tempo foi tida e havida como sendo a Natércia de Camões. O túmulo, de tipo Renascença e de granito, é modesto, com inscrição e o brasão dos Sousas de Arronches.

Telas emolduradas com talha barroca, reproduzindo figuras ilustres da ordem dominicana, ornamentam as paredes atrás dos cadeirais. Retábulo do séc. XVIII, de pouco merecimento. Bom facistol do século XVII, com trempe de ferro e descansos de latão. Acima da porta da sacristia fica um quadro de madeira, esculpido em alto relevo, interessante obra do séc. XVII (monumento nacional) que representa N.ª Sr.ª da Misericórdia. 

No adro, em frente, levanta-se um belo * cruzeiro do gótico florido (monumento nacional), obra dos fins do século XV. (O pedestal é do século XVII).

A figura de Cristo sem coroa de espinhos e com os pés sobrepostos. No capitel os emblemas dos evangelistas; na base octógona da cruz flordelizada estão esculpidos, em alto-relevo, alguns passos da Paixão.

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(1) –  Por CARLOS DE PASSOS.

(2) – Aveiro foi erigida em 1774 sede de bispado, extinto em 1881 e restaurado em 1937.

 

 

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