«Junta-se gente que acode à venda, regatões e almocreves,
mulheres de saia arregaçada, chapéu e xaile, com os enchalavares e os
baldes à cabeça. E sempre num vai e vem, sobem e descem a rampa de areia
as juntas de bois, seis por corda, que vão puxando os intermináveis
cabos durante quatro longas horas, até o saco chegar a terra, agarrados
às balizas pelas cordas. Sobem ao alto do areal, tornam ao fundo, descem
ao mar, entram no mar... Um rapaz agita o barrete, outro ao longe
responde ao sinal regulando o andamento dos bois: –
Arriba, arriba!
«Não há uma nuvem no céu. No areal os
eternos rolos brancos espraiam-se e sucedem-se da Costa Nova ao Cabo
Mondego. Já se vêem ao lume de água as primeiras bóias das redes e os
arinques. Vêem-se agora as pandas: juntam-se os cabos e a boca da rede
cada vez se aperta mais: – Arriba! Arriba! – Todos deitam as mãos
às cordas. Corre o mulherio. Rapazes quase nus metem-se à espuma e
agarram a rede. Os bois parecem compreender que o momento é decisivo: –
Eixe! Eixe! – E lá em cima retesam os músculos no último esforço.
Depois largam o cabo, correm ao fundo, entram na água, que esguicha,
guiados pelas cachopas de aguilhada no ar, salpicados de espuma. Dois
rapazes saltam na água e apertam a boca do saco com uma corda para o
peixe não fugir.
– Eh! eh! – Mais gritos. O mar
rebenta sobre o areal, rolo atrás rolo e os homens e os bois saem a
correr do vagalhão de espuma.
Foi diante de um quadro assim que
Ferdinand Denis exclamou assombrado: “– Que estranho país é este que até
os bois vão lavrar o próprio oceano?!...”
«... O grande saco negro estremece de
vida, cheio de estalidos. Rodeiam-no as mulheres com os cabazes no chão.
Um homem de navalha em punho abre-o a todo o comprimento e aquela prata
remexe e ferve: carapau e lavadinha, mais escura, debatem-se misturados,
com reflexos de oiro e fogo nas escamas. Saltam-lhe em cima os homens da
tanga e tiram-nos para fora com o redenho. Separam o mexoalho e coisas
gelatinosas (medusas) de um azul da Prússia carregado e de um verde
suspeito e transparente. Aparta-se o peixe da venda, o linguado, a
tainha e a raveta, o negrão parecido com a tainha, mas que se distingue
por uma pinta doirada na cabeça, e porque dá um salto fora da água
quando a tainha chega a sete; a faneca, de um verde transparente; a
esplêndida corvina, a listrada sarda... a azevia...» «Outro barco abica
ao longe. Vai repetir-se o quadro. Mulheres lavam os gigos. Grande
algazarra lá no fundo. Foi um saco que rebentou ao chegar a terra. O
peixe foge e rodos acodem à catraia. Homens, mulheres, velhos e
cachopas saltam ao mar e empurram-se na água, gritam, barafustam. O
peixe é de quem mais apanha. Com os enchalavares ou à unha, metem os
braços na água, num coro de gritos e de risos, quando a onda vem, desaba
e os inunda entre a apupada, deixando-os encharcados e felizes...»
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