VIII
Deu-se o que eu previra. Ao assumir as funções do seu cargo, o reitor
João Joaquim Pires viu-se logo em conflito com o prof. Apolinário José
Leal, que desde a primeira hora jurou contrariá-lo, tomar-lhe a vida de
reitor difícil e promover a sua destituição! O Dr. Pires chamou a si a
parte administrativa dos gabinetes de Física e Química, contrariamente
ao meu modo de proceder, que dava todas as facilidades ao aludido
professor, com a simples recomendação de que não deveria exceder as
dotações orçamentais dos serviços a seu cargo. Em condições de tutela,
não quis o professor Apolinário continuar a dirigir os gabinetes, sem
embargo de protestar, junto da Direcção-Geral, quando o novo reitor
propôs e conseguiu a nomeação doutro director, o prof. Ferreira Neves,
do 8.º grupo. Resultado do protesto: manutenção do director nomeado e
nota da Direção-Geral de que o prof. Apolinário não tinha o direito de
se imiscuir em tais assuntos...
* * *
Em 14 de Julho de 1931, fui nomeado para fazer uma sindicância aos actos
do professor da Escola Primária da Válega, José Teixeira, missão de que
me desempenhei em Setembro.
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Em 23 de Outubro desse ano, fui nomeado para fazer parte do júri dos
exames de admissão ao 1.º ano do estágio no Liceu de Pedro Nunes. Estive
em Lisboa, para o efeito, de 12 a 20 de Novembro.
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É de 18 de Dezembro o Dec. 20741, que reorganiza o Ensino Secundário.
Esta reforma de Gustavo Ramos é a mais notável do regime
ditatorial.
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As férias do Natal de 1931 passámo-las em Lisboa, em casa do Comandante
Santos. Foi nessa altura que conheci pessoalmente o editor Sá da Costa,
com quem ficou assente a edição dos livros de Português que então andava
organizando para apresentar a concurso.
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Em 4 de Março de 1932, faleceu o Sr. José Gamelas, pai do Dr. José
Vieira Gamelas. Assisti-lhe aos últimos momentos com a nora, D. Mafalda
Cardoso.
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Em 21 de Abril do mesmo ano, apresentei a concurso o Livro de Leitura e
a Selecta Literária, que vieram a merecer aprovação e tiveram esplêndida
aceitação nos Liceus.
* * *
Em 10 de Junho, na sessão camoniana, dissertei sobre Camões e a Língua
Portuguesa. Nessa sessão, falou também o crítico João Gaspar Simões.
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No dia 20 de Novembro, fui ao Pinheiro falar, na sede da banda
pinheirense, acerca da fundação dessa agremiação (1881), de que meu pai
foi um dos sócios fundadores.
[…..]
* * *
Em 18 de Julho desse ano, fui a Coimbra fazer uma conferência sobre − "O
culto e o Estudo da Língua Portuguesa" −, a pedido de uma agremiação
em que pontificava Tomás da Fonseca, entre outros ("Universidade
Livre").
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Em virtude da guerra que o prof. Apolinário Leal
continuava fazendo ao
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reitor Dr. João Joaquim Pires, resolveram os restantes professores
prestar homenagem ao seu chefe, em sessão que se realizou na sala da
biblioteca no dia 22 de Julho de 1933. Pronunciei então as seguintes
palavras:
«Senhor Reitor: Consultado há dias sobre a projectada realização desta
modestíssima cerimónia de homenagem a V. Ex.ª, pus-me imediatamente, e
incondicionalmente, ao dispor daqueles que dela tomaram iniciativa;
convidado para em nome do todos tomar a palavra neste lugar e nesta
hora, não tergiversei um segundo, e aqui estou com todo o prazer a
desempenhar-me da grata missão de que me encarregaram pelo simples
motivo de ser eu o professor mais antigo deste liceu. Fala aqui, em
primeiro lugar, o antigo Reitor, antecessor de V. E.ª; em seguida, o
professor e colaborador, e o amigo, sincero e leal. O antigo Reitor bate
as palmas, aplaude a obra daquele que lhe sucedeu na direcção desta
casa. No acto da posse de V. Ex.ª, disse eu que não abandonava o cargo
de Reitor com saudades; frisei que o lugar, dada a complicação, cada vez
maior, dos serviços, é de sacrifício, o que aliás V. Ex.ª não ignorava.
Nessa ocasião, e a propósito das minhas palavras, fez V. Ex.ª afirmações
que calaram no espírito de quem as ouviu, e os actos de V. Ex.ª como
Reitor têm provado que as soube, sabe e saberá cumprir. A maneira
brilhante como tem vindo desempenhando esse espinhosíssimo cargo, com o
trabalho, canseiras, arrelias e mais essas coisas desagradáveis que lhe
são inerentes, tornam V. Ex.ª digno de que todos, professores e
estranhos, o auxiliem, o amparem, lhe dêem a solidariedade de que carece
para se não deixar tomar de desânimo nas ocasiões mais difíceis, que não
são poucas. O professor e colaborador garante a V. E.ª a amizade, a
franqueza, a lealdade e solidariedade dos que aqui se acham presentes.
Sabe V. Ex.ª muito bem que os actos de quem ocupa lugares de direcção
nem sempre agradam a todos. Quem está de fora não sabe avaliar – muitas
vezes não o quer saber! − que alguns dos actos censuráveis − só os
censuráveis! − são filhos da própria precipitação com que muitos dos
serviços têm de ser feitos. Quem está de fora desconhece a soma de
energia que é preciso despender para se manter esta complicada máquina
em condições de produzir o melhor
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trabalho. Pode, pois, um ou outro de nós discordar de V. Ex.ª uma ou
outra vez. Isso é natural e não surpreendendo ninguém. Mas V. Ex.ª
precisa de convencer-se de que todos quantos aqui estamos, e por certo
também, perante a sua consciência, aqueles que não quiseram ou não
puderam assistir a esta pequena festa de homenagem, lhe fazem a justiça
de lhe reconhecer a preocupação, o desejo de acertar, o desejo de
defender sempre os interesses do ensino e os dos professores, e
principalmente aqueles predicados que são apanágio dos bons caracteres e
capazes, só por si, de manter a necessária unidade moral do Liceu − a
honorabilidade, a franqueza e a lealdade. Tem V. Ex.ª passado já seus
momentos difíceis; não se sabe quais e quantos os que lhe estão
pendentes sobre a cabeça. Pois muito bem! Pode V. Ex.ª ter a certeza de
que nós, os professores deste Liceu e colaboradores de V. Ex.ª, não nos
esqueceremos de que os amigos certos se devem conhecer nas ocasiões
incertas, e de que estaremos como um bloco ao lado do nosso chefe, a
oferecer-lhe o nosso incondicional apoio e a nossa firme solidariedade!»
* * *
Em 1933, escrevi, para ser representada no Teatro Aveirense, numa festa
da Companhia de Bombeiros "Guilherme Gomes Fernandes", a peça em um acto
Duas Chamas, que efectivamente subiu à cena no dia 10 de Dezembro
desse ano.
* * *
Em 1934, organizei o Método Elementar de Latim, para concurso,
que veio a ser aprovado oficialmente e teve lisonjeira aceitação na
maior parte dos Liceus.
* * *
Data de 10 de Janeiro de 1935 a resolução, tomada pelo António da Rocha
Madahil, pelo Ferreira Neves e por mim, da publicação do Arquivo do
Distrito de Aveiro. Foi logo lançado um prospecto de propaganda e listas
para recolha de assinaturas; mas os três, que se arvoraram em directores
da publicação,
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desembolsaram, cada um, 700$00 para o custeio do primeiro número.
* * *
No dia 15 de Fevereiro do mesmo ano celebrou-se no Liceu, em sessão
pública, o 75.º aniversário do edifício em que funciona o Liceu, na
Praça da República. Fui eu o encarregado de falar, traçando a História
dessa instituição aveirense.
* * *
Nesse ano, foi demitido do cargo de professor liceal o prof. Agostinho
da Silva, por se negar a assinar a declaração, exigida a todos os
funcionários, de que não pertencia a qualquer associação secreta! Assim
se viu despojado o Liceu de um professor de real valor, estimadíssimo
por colegas e alunos...
* * *
No mesmo ano de 1935, em Julho, estive em Coimbra, como membro do júri
dos Exames de Estado de 1° grupo (Liceu de José Falcão).
* * *
Em 10 de Outubro de 1935, realizou na biblioteca do Liceu uma
conferência sobre "A Cultura Portuguesa em Bordéus" o professor
do Liceu de Viseu Dr. Alfredo Carvalho.
* * *
No ano lectivo de 1935-1936, realizaram-se no Liceu notáveis récitas das
Solidárias do 1.º e 2.º ciclo, a primeira no dia 14 de Dezembro de 1935,
em que subiu à cena, entre outras, uma peça infantil, da minha autoria −
"Véspera de Feriado" − (1.º ciclo), e a segunda em que se
representou outro original meu − a comédia em um acto − "Curar por
Música"- (2.º ciclo), conjuntamente com um arranjo vicentino do
prof. Salgado Júnior − "Uma Lição de Gil Vicente", notabilíssimo.
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* * *
Foi nesse ano, também, que se deu na biblioteca, quando de uma
conferência do Dr. António Lebre sobre − "Etnografia de Angola"
(25-IV-1936), uma cena muito desagradável do Governador Civil de então,
um tal Peres, de Arouca, que no final declarou que o conferente havia
feito a apologia da poligamia (!!!) e que, dos alunos exigia que
estudassem, e dos professores que... seguissem a doutrina do Estado
Novo! Um escândalo!
* * *
Em Junho de 1936, estive de novo no Liceu de Coimbra nos Exames de
Estado do 1.º e 2.º grupo.
São de 14 de Outubro de 1936 os decretos-leis n.ºs 27 084 e
27085, do ministro Carneiro Pacheco (Reforma do Ensino Liceal e
respectivos programas, a mais nefasta obra, em matéria de Ensino
Secundário, que se publicou durante a vigência do regime ditatorial).
A despeito dos gerais clamores, não era lícito aos professores esboçar
sequer quaisquer reparos, sob pena de castigo... S. Ex.ª o Ministro
julgava intangível a sua obra. Só um homem teve o desassombro de
publicar um protesto − a obra Educação Nacional − Formação
Intelectual. Moral e Física − Coimbra, 1938. Foi o Dr. Serras e
Silva.
É dessa decantada Reforma o monstruoso 7.º ano com o estudo da
Literatura Portuguesa num semestre (Outubro - Fevereiro), do Latim
(Março - Junho), das Ciências Biológicas (Out. - Fev.º), das Ciências
Geográficas (Março Junho), com programas desenvolvidíssimos.
Daria um bom volume a crítica pormenorizado a este aborto
ministerial!...
* * *
Nos fins do ano de 1936, organizei para o 4.º, 5.º e 6.º anos o meu
Método Elementar de Latim, que igualmente mereceu aprovação, como a
mereceram o Livro de Leitura, Selecta Literária,
Epítome de Gramática, Gramática Elementar da Língua Portuguesa,
uma edição de Fábulas de Fedro, do De Bello Galico
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e de três livros da Eneida, elaborados seguidamente.
* * *
No dia 18 de Junho de 1937, nova homenagem ao reitor Dr. João Joaquim
Pires. Nessa sessão, li as seguintes palavras:
«Ex.º Sr. Reitor: No dia 22 de Julho de 1933, foi V. Ex.ª a trazido a
esta mesma sala (Biblioteca) para receber as homenagens de todos os
professores que então trabalhavam nesta casa. Fui eu o encarregado de
pronunciar as palavras de amizade, carinho e sobretudo de justiça que
lhe eram devidas, − incumbência que levei a cabo, diga-se de passagem,
com todo o prazer, tal-qualmente como hoje. Aos motivos que determinaram
aquela pequenina festa de homenagem ao Reitor que então ocupava esse
cargo havia apenas dois anos, outros, de maior peso e de maior vulto, se
juntaram para justificar a homenagem de hoje ao Reitor que dirige este
estabelecimento de educação há seis. Não podia, pois, cifrar-se esta
homenagem na simples confraternização de momentos entre Reitor e
colaboradores e na meia dúzia de palavras que fui encarregado de
proferir. Quiseram os colaboradores de V. Ex.ª ir mais longe: resolveram
inaugurar o retrato do seu Reitor, para que ele fique, através dos
tempos, junto do doutros reitores que não fizeram, a favor do Liceu,
mais do que V. Ex.ª e nem tanto. − Há quatro anos, fiz aqui, entre
outras, as seguintes afirmações, que ainda hoje posso perfilhar em
absoluto. Isto disse eu, e as circunstâncias só se modificaram no
sentido de eu ter de pronunciar essas palavras com acento da convicção
ainda maior do que em 1933. Durante estes quatro anos, quanta energia
não teve V. Ex.ª de consumir para obter os progressos materiais do
Liceu, desde as coisas mais insignificantes até as obras de maior vulto,
como por exemplo a instalação da Cantina! − Mas não é só isso. E as
arrelias? E os entraves que pessoas mal intencionadas tantas vezes se
comprazem em levantar, para que a acção de quem tem de obedecer aos
superiores hierárquicos se não exerça com aquela rigidez e
implacabilidade que os regulamentos impõem? E os inimigos do Liceu? E os
ataques dos que, por inveja, ou por despeito, ou por perversidade, se
entretêm a perturbar o severo labor de quem tem a consciência, bem
/ 128 / nítida, das suas
responsabilidades profissionais e sociais?
Parece impossível que contra um Liceu onde sempre tem havido a
preocupação de cumprir, o melhor possível, aquilo que as leis e
regulamentos nos impõem; onde sempre se tem procurado educar a juventude
nos bons princípios morais, sociais e cívicos, alguém dê curso à
aleivosia de que os professores do Liceu de Aveiro professam ideias
subversivas e de que aqui se consente que os alunos cantem a
Internacional? Parece impossível, mas a verdade é que nos têm sido
dirigidos desses ataques, por indivíduos fundamentalmente maus e sem
escrúpulos. Essa infâmia, que enérgica e indignadamente repelimos, muito
nos tem acabrunhado apesar da revoltante injustiça que representa. V.
Ex.ª, que é o protótipo do funcionário zeloso e leal, e implacável
cumpridor das ordens superiores, tem com certeza vivido, nestes últimos
tempos, por esse motivo − sentimo-lo bem! − as horas mais dolorosas da
sua reitoria. Ao funcionário, ao amigo, ao colega honrado, leal e
infatigável era devida esta manifestação. Aqui estamos, pois, para
afirmar a V. Ex.ª que o nosso chefe se não encontra sozinho a repelir
todas as protérvias que inimigos conhecidos e desconhecidos se têm
lembrado e porventura lembrem de nos assacar. Desculpe, Sr. Reitor, a
ratoeira que armámos à sua modéstia. A nossa comparência neste local, a
inauguração do retrato e os momentos de confraternização que vão
seguir-se são actos que traduzem a nossa admiração por V. Ex.ª e a
solidariedade a que um Reitor que, como V. Ex.ª o sabe ser, tem
incontestável direito.»
Anteriormente, em 5 de Maio desse mesmo ano de 1937, fora eu nomeado do
para exame de Estado (1.º e 2.º grupos), no Liceu de D. João III.
[…..]
No dia 22 de Abril de 1938, fui nomeado para Exames de Estado (1.º e 2.º
grupos), no Liceu de D. João III.
* * *
Desde 1937, sofria o reitor Dr. João Joaquim Pires de horrível ataque
hepático. Retirou-se para a sua terra natal; esteve hospitalizado em
Coimbra; mas,
/ 129 / desanimado, regressou a casa, onde faleceu, com
atroz sofrimento, no dia 11 de Maio de 1938. O funeral, imponentíssimo,
realizou-se para o cemitério central no dia 12, com passagem pelo Liceu.
Aí falaram o Vice-reitor, Dr. Tavares de Lima, e o presidente da
Academia, Mário Emílio de Morais Sacramento. A revista “Labor”
prestou-lhe homenagem em seu n.º de Junho, págs. 705-713.
* * *
Depois de fugacíssima passagem do prof. Feliciano Ramos pela reitoria do
nosso Liceu (férias grandes de 1938), veio a ser nomeado reitor o prof.
Euclides de Araújo, transferido do Liceu de Bragança, que
constrangidamente tomou conta do cargo e logo começou a estudar a forma
de ser substituído.
Indicou-me para seu sucessor e obteve do Dir.-Geral do Ensino Liceal, no
começo do ano lectivo de 1939-1940, autorização para organizar a
distribuição do serviço docente como se eu, com efeito, fosse reitor.
Isto, apesar de eu repetidas vezes lhe haver afirmado não acreditar que
o Ministro (Carneiro Pacheco) me nomeasse, visto a conhecida antipatia
que ele tinha pelo Liceu de Aveiro, ao qual chamava, por escárnio,
"Liceu dos catedráticos"...
Abrem as aulas, e aí começo eu a dar 6 horas de serviço que como reitor
me competiriam...
A certa altura, um emissário do Ministro procura-me para me informar de
que eu seria nomeado reitor com uma destas condições: ou sair da
Direcção da “Labor”, ou a revista declarar que apoiava
incondicionalmente a política pedagógica do Governo.
É claro que não fui nomeado, pois a minha resposta foi a de que nem
abandonaria a direcção da “Labor”, nem a Revista faria qualquer
declaração.
E o prof. Euclides de Araújo só conseguiu ver-se substituído no começo
de 1940-1941, em que o novo Ministro da Educação, Doutor Mário de
Figueiredo, me convidou telefonicamente a reassumir as funções de Reitor
(1/X/1940). Fui nomeado em 21 desse mês e tomei posse dois dias depois.
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