Acesso à hierarquia superior.

Memórias de José Pereira Tavares - pp. 131-153

 

IX

A sessão solene de abertura do ano lectivo realizou-se nos dias 25 de Outubro. Eis o exórdio da minha fala:

«Quando, há nove anos, deixei o cargo de chefe desta Casa, fi-lo com a convicção de que jamais o viria a ocupar. O lugar de reitor é de sacrifício; e, para sacrifício, teriam bastado os cinco anos de reitoria, durante os quais me esforcei, o melhor que pude e soube, por conseguir alguns progressos materiais e morais para o estabelecimento de educação que tem como patrono o nome, a tantos respeitos glorioso, de José Estêvão. Enganei-me. O Sr. Ministro da Educação Nacional entendeu que a direcção deste Liceu deveria ser outra vez confiada aos meus cuidados, e eu, a despeito de o não desejar, tive de obedecer. Aqui estou, pois; mas não ficaria de bem com a minha consciência, se nesta sessão, ao tomar, de novo, contacto com o público, deixar-se de me referir ao último reitor. Ao Dr. João Joaquim Pires sucedeu o Dr. Euclides de Araújo, que só constrangidamente aceitou o cargo e só com relutância e exerceu até agora, sem embargo de nele se haver revelado um chefe cheio de ponderação, zelosíssimo e inteligente. Não há que discutir a inabalável resolução de S. Ex.ª, pedindo a exoneração: deplorámo-la simplesmente. Fazendo-o, tenho de confessar, com justiça, que venho encontrar removida uma grande dificuldade. Há dois anos, quando da entrada do Dr. Euclides de Araújo para a reitoria, ainda se encastelavam sobre o Liceu as nuvens da calúnia e da infâmia. S. Ex.ª afastou-as para longe. É esse um dos grandes benefícios que todos lhe ficamos devendo, e pela minha parte publicamente agradeço. O reitor que agora se apresenta a V. Ex.ª tem um programa simples: continuando a obra dos seus antecessores, cumprirá, com os restantes mestres, muito lealmente, as leis e o regulamento que regem os serviços do Ensino Liceal, bem como todas as ordens que nos foram transmitidas; procurará manter a harmonia e disciplina do corpo docente − absolutamente indispensáveis para que a acção educativa seja fecunda; / 132 / terá sempre em vista a conservação do bom nome de que o nosso Liceu goza e pugnará constantemente pelo seu progresso. Na educação dos alunos, nunca perderemos de vista a orientação essencialmente nacionalista e cristã que se nos recomenda. Far-se-ão as festas e comemorações cívicas dos demais anos, e o Liceu não deixará de contribuir com o seu espontâneo esforço para o brilhantismo da última parte das comemorações dos centenários da fundação de Portugal e da restauração da independência pátria. Prepararemos convenientemente para a vida os alunos de hoje, que serão os homens e talvez os dirigentes de amanhã. A nossa tarefa, já de si difícil, toma-se mais árdua nesta tenebrosa época que estamos atravessando; mas nós temos a perfeita consciência das nossas responsabilidades e não fugiremos a elas.»

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No dia 1 o de Dezembro, comemorou-se, no ginásio do Liceu, a restauração da independência de Portugal com um sarau em que se fez ouvir o orfeão, se recitou o monólogo do 20 auto da "Filipa de Vilhena", de Garrett, e se representou a farsa de "O Fidalgo Aprendiz", de D. Francisco Manuel de Melo.

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E foi precisamente nesse dia que acabei o trabalho "Como se devem ler os Clássicos", que a Livraria Sá da Costa lançou no mercado.

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Em 17 de Março de 1941, terminei, para a Liv. Sá da Costa, o volume 23.º da sua Colecção de Clássicos, selecção de Poesias de Filinto Elísio, que veio a sair em Novembro desse ano.

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Em 16 de Maio do mesmo ano, fui a Coimbra para conhecer pessoalmente o ilustre professor da Faculdade de Letras, Doutor Rebelo Gonçalves, com quem já trocava correspondência.  / 133 /

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Acontecimento notável foi o da inauguração de um curso facultativo de Italiano, destinado a alunos do Liceu, no dia 8 de Janeiro de 1942. Aqui transcrevo as palavras que proferi na ocasião da abertura do Curso:

«Alunas e alunos:

Em Julho pretérito, recebi proposta do "Instituto de Cultura Italiana", do Porto, para a criação de um curso de língua italiana no nosso Liceu.

Igual proposta me foi feita, em princípios de Novembro, pelo Sr. Director da Secção de Coimbra, a quem tive o prazer de dar o mesmo decidido apoio que já oferecera à sua congénere do Porto.

Por entendimento entre as duas Secções, e obtida do Ministério da Educação Nacional a indispensável autorização, inaugura-se hoje o Curso com 19 alunos do 5.º A, 5 do 5.º B, 12 do 6.º A e 12 do 6.º B, num total de 48, divididos em duas turmas de 24 alunos cada uma. Ambas as turmas terão lições às 3as e Sábados, a 1.ª das 14 às 15 horas, a 2.ª das 15 às 16.

Vem reger o curso o Ex.mo Sr. Prof. Dr. Roberto Cantagalli, que tenho a honra de vos apresentar e a quem cordialmente dirijo neste momento os meus e os vossos cumprimentos. Iguais saudações cabem ao Ex.mo Sr. Director da Secção de Coimbra, Dr. Luigi Panarese, aqui presente, que se dignará ser intérprete, junto da Ex.ma Direcção-Geral do "Instituto de Cultura Italiana", da nossa gratidão pela importante obra de cultura que constitui o poderdes assim familiarizar-vos, ainda que ligeiramente, com a belíssima língua em que se exprimiram Dante e Gabriel d'Annunzio e o ser-vos dado a ler no original as grandes obras de escritores italianos e manusear qualquer dos livros de vulgarização de ciência que em Italiano se acham vertidos. Em tempos remotos, especialmente nos sécs. XV e XVI, escritores portugueses − Sá de Miranda e Camões na primeira linha − privaram directamente com as obras de ilustres autores italianos − Dante, Petrarca, Sannazzaro, Ariosto, etc, cuja influência foi decisiva e fecunda. Mercê doutras influências, esse contacto perdeu-se quase completamente, sem embargo de, a partir dos fins do séc. XIX, estudiosos italianos se apaixonaram / 134 / pela cultura portuguesa e de a portugueses se deverem notáveis estudos sobre escritores ou assuntos italianos. É necessário que a quase esquecida tradição se reate. Urge que Portugal, país latino que à civilização romana tanto deve, passe a beber de novo, directamente, na admirável e eterna fonte da Latinidade. Isso tem em vista o "Instituto de Cultura Italiana", ao abrir, neste e noutros Liceus, os seus cursos de língua italiana, e é isso que o nosso Liceu pretende, dando todas as facilidades à criação e manutenção do Curso, que hoje se inaugura com a honrosa presença do Ex.mo Director da Secção de Coimbra. Para que possais colher os frutos do generoso esforço daquele Instituto, exorto-vos a que frequenteis com toda a regularidade as por certo magistrais lições do Ex.mo Prof. Dr. Cantagalli, a elas prestais toda a atenção e vos esforceis por que no fim do Curso vos seja passado o respectivo diploma de aproveitamento. Isso espero do vosso brio de estudantes aplicados, sedentos de cultura e de saber.

Ex.mos Snrs. Professores Panarese e Cantagalli:

Cumprimentando, muito cordialmente V. Ex.as, em meu nome e em nome do corpo docente deste Liceu, aqui representado, tenho a honra de lhes reiterar os meus mais sinceros agradecimentos, ao mesmo tempo que faço votos por que a missão que traz V. Ex.as junto do Liceu de José Estêvão seja coroada do melhor êxito, a bem das duas pátrias irmãs − da pátria de Dante e da pátria de Camões!»

A este prof. Roberto Cantagalli perguntei eu, num dos primeiros dias após a abertura do Curso, o que é que pensava de Mussolini. Tergiversou, fugindo à pergunta... Dois meses depois, porém, abriu-se comigo e, sem que eu o provocasse, disse-me:

− O Sr. Reitor, há tempos, perguntou-me as minhas impressões sobre o Duce. Nada lhe disse então, porque o não conhecia... Agora, que o conheço, vou ser-lhe franco. O chamado Duce é o homem mais odiado de Itália. No dia em que ele cair, só verá punhos cerrados à sua volta.

− Mas então... aquelas manifestações de que o cercam?! / 135 /

− Tudo fictício. Os manifestantes, empregados públicos, limitam-se a cumprir ordens. É como aqui, em Portugal!

Este professor, chamado a prestar serviço militar, em breve se retirou para Itália, e veio substituí-lo o prof. Francesco Sessa, hoje residente em Salerno, com quem mantenho amistosíssimas relações.

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Em 26 de Fevereiro do mesmo ano, embarcou a Hermeliana para Angola, no paquete "Angola", às 17 horas. − Chegou ao Lobito, com destino a Nova Lisboa, no dia 17 de Março.

Em Janeiro de 1943, concluí o meu estudo sobre − "O Crime do Pe Amaro − Análise das duas primeiras redacções" − que veio a aparecer em Abril.

         […..]

No dia 8 de Julho de 1944, tomou posse de Presidente da Câmara de Aveiro, o prof. Dr. Álvaro Sampaio. Eis o que eu então li, perante a assistência:

«Director do estabelecimento de educação onde o Dr. Álvaro Sampaio tem exercido as suas funções docentes, e seu amigo, e decerto dos mais firmes, não podia eu, desde que o protocolo usado nestas cerimónias o permitisse, guardar o silêncio. − É claro que bastaria a minha presença neste acto, de mais a mais acompanhado dos restantes membros do corpo docente do Liceu de José Estêvão, para significar ao empossado a minha profunda amizade e consideração. Quero, porém, ir mais longe: quero exprimir os meus aplausos ao Ex.mo Sr. Governador Civil, que indicou ao Governo o nome desse homem para Presidente do Município de Aveiro; ao Ex.mo Ministro do Interior, que se dignou nomeá-lo; e desejo dar os parabéns à cidade e ao concelho, que tudo têm a esperar da inteligência, das extraordinárias faculdades de trabalho, do espírito de justiça, da lealdade e da inteireza de carácter, que são largo apanágio do Dr. Álvaro Sampaio.

O Liceu, donde no-lo tiram, é que perde, e perde muito: o Dr. Álvaro Sampaio / 136 / é, desde que transpôs a porta principal daquela casa de José Estêvão, um dos seus mais prestigiosos elementos, e a Reitoria, nas suas últimas fases, sempre tem tido nele um dos mais activos e admiráveis colaboradores. Estas palavras, dizendo muito, não dizem tudo: o resto podê-lo-iam dizer as centenas de alunos que tiveram a ventura de contar o ilustre professor entre os seus mestres. A cidade sabe-o muito bem, como muito bem o sabem o Governo, que muitas vezes o encarregou de honrosas comissões de serviço, e os meios escolares, tanto universitários como liceais, de todo o País. Agora, fala o amigo. Privo com Álvaro Sampaio há cerca de 24 anos. Dirigi com ele, durante catorze anos, de 1926 a 1940, na mais perfeita camaradagem, a revista de Ensino Secundário “Labor”, fundada por nós, e à qual deu o seu concurso o professor Armando Coimbra. Tive-o como Secretário na minha primeira reitoria, e foi ele o Secretário-Geral do 1.º Congresso do Ensino Secundário, reunido em Aveiro em 1927. Em todos esses cargos manifestou as suas grandes qualidades de trabalhador e de organizador. Como director da “Labor”, o seu método, a sua ordem, o seu trabalho persistente conseguiram esta coisa rara em revistas portuguesas: aparecer sempre, invariavelmente, no dia prometido, aos assinantes.

É que Álvaro Sampaio nunca deixa de cumprir o que promete. "Res non verba" − é o seu lema, o que não quer dizer que algumas vezes não adopte também o de "Verba et res". Já lho disse pessoalmente e aqui o repito: não lhe dou os parabéns. O cargo que assumiu é árduo, cheio de trabalhos, de canseiras e de arrelias, como o declarou no seu discurso. Permita, porém, que o amigo se desvaneça, ao verificar que se reconheceu o mérito onde ele existe.

Ex.mo Snr. Governador Civil! Reitero os meus aplausos pela escolha. Pode V. Ex.ª ter a certeza de que chamou o homem que devia chamar para tão difícil cargo. "The right man in the rigth place". Álvaro Sampaio, a lealdade personificada, não sendo político, vai servir com lealdade o Estado Novo; e, fazendo-o, vai servir e honrar a cidade e o concelho; vai servir e honrar o País". / 137 /

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No dia 26 de Março, fui chamado a Lisboa como membro da comissão dos programas destinados a uma projectada Reforma do Ensino Secundário (Ministro da Instrução − Caeiro da Mata). Como já o fora em 1942 (Min. Mário de Figueiredo).

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29 de Abril de 1945 − Mussolini, fuzilado! − Lembrei-me das palavras do Dr. Cantagalli...

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Em CaldeIas, no dia 14 de Agosto do mesmo ano, soubemos do esmagamento do Japão pela bomba atómica dos Estados Unidos.

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No dia 18 do mesmo mês, relacionei-me com o escritor Miguel Torga; que, sem eu saber, se achava instalado no mesmo hotel ("CaldeIas").

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No dia 24 de Novembro, comemorou-se no Liceu o 1.º centenário do nascimento de Eça de Queirós: fiz no ginásio uma conferência; alunos do 7.º ano representaram, com o ensaiador prof. José Simão, um arranjo cénico do conto de Eça "O Tesoiro", por mim feito; e a seguir esteve patente na biblioteca do Liceu uma exposição bibliográfica e iconográfica do escritor, da iniciativa da direcção do Clube Beira-Mar. O texto da conferência foi publicado no "Arquivo" de 1945 (voI. XI), e o de "O Tesoiro", no de 1946 (págs. 27 a 32).

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Em 20 de Junho de 1947, publicava o "Diário do Governo", 2.ª S., a portaria que autorizava a Câmara de Aveiro a contrair o empréstimo de 920 contos para a compra do terreno, destinado ao edifício do novo Liceu, na quinta das Agras, / 138 / e foi em 16 de Agosto de 1948 que o Eng. Zagalo, a quem as obras de construção foram adjudicadas, deu começo ao trabalho das fundações.

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Aos graves inconvenientes da Reforma de Carneiro Pacheco (1) procurara obviar o Decreto de 30 de Setembro de 1947, do Ministro Mário de Figueiredo, o qual, mantendo o C. Geral de 6 anos, restabeleceu o Curso Complementar de Letras e Ciências, embora de um só ano cada um (Letras: Filosofia, Ci. Geográficas, Português, Latim, Organização Política; Ciências: Filosofia, Cio Geográficas, Ci. Biológicas, Ci. Fis. Químicas, Matemática e Organização Política).

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Pelo Dec.-Lei n.º 36 508, de 17 de Setembro de 1947 (Ministro da Educação − Fernando Pires de Lima), foi publicado novo Estatuto do Ensino Liceal, com Curso Geral de 5 anos, dividido em 2 ciclos (1.º, 2.º anos; 3.º, 4.º, 5.º anos) e Cursos Complementares de 6.º e 7.º de Letras e Ciências, o qual, cheio de tombos, ainda vigora nesta altura.

Apesar de ser obra de um professor de Direito e de o Presidente do Conselho ter formação humanística, esse Decreto-Lei aboliu, inexoravelmente, o Latim do 2.º ciclo, com gravíssimo prejuízo do ensino da língua materna e, em geral, da cultura. Nesse diploma, as férias do Carnaval ficaram reduzidas aos sábado e domingo gordos e à terça-feira: a 2.ª feira e a quarta-feira de Cinzas eram dias lectivos... (Passados tempos, porém, a 2.ª feira entrou em férias...).

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Agora, um incidente ligado à comemoração do 1.º centenário do nascimento de Eça de Queirós. Como ficou escrito atrás, a minha adaptação de "O Tesoiro" foi publicada no voI. XII de "O Arquivo do Distrito de Aveiro" (1946, pág. 27--32).

Pois em Janeiro de 1948 recebi da Direcção-Geral do Ensino Liceal o seguinte / 139 / ofício:

"Secção Pedagógica. − Ex.mo Sr. Reitor do Liceu de Aveiro.

Para seu conhecimento e em cumprimento do despacho de 19 do corrente, de S. Ex.ª o Subsecretário de Estado, transcrevo a V. Ex.ª o ofício n.º 128, de 10 também do corrente, da Inspecção dos Espectáculos:

"Só agora chegou ao conhecimento desta Inspecção que no Liceu de Aveiro foi representado o conto "O Tesoiro", arranjo cénico do Professor José Tavares, sem que tivesse sido submetido à apreciação da Comissão de Censura, a que estão sujeitas todas as peças antes da sua representação. Não só porque me parece que a Comissão não aprovaria a representação, no Liceu, do referido arranjo cénico, mas ainda porque foram desrespeitadas as disposições reguladoras dos espectáculos, rogo a V. Ex.ª se digne para o facto chamar a atenção do Ex.mo Reitor do Liceu, a quem se não aplica a respectiva multa, por extemporânea, nesta data. A título de informação, remeto a V. Ex.ª um exemplar do Boletim n.º 45 − "Arquivo do Distrito de Aveiro", onde vem publicado o arranjo cénico "O Tesoiro", a que me refiro". − Dir. Geral do Ensino Liceal, em 16 de Janeiro de 1948. − Pelo Dir. Geral, Interino, Sebastião Pestana.»

A este ofício, chegado às minhas mãos no dia 19 de Janeiro, respondi eu nos seguintes termos, depois de haver manifestado a surpresa que ele me causara:

«Na altura da celebração do 1.º centenário do nascimento do glorioso escritor Eça de Queirós, resolvi que o Liceu se associasse às gerais comemorações; e assim, determinei que nos dias 22, 23 e 26 de Novembro de 1945 fizessem os professores de Português, nas suas aulas, pequenas prelecções; que pelos alunos nelas fossem feitas leituras apropriadas às suas idades; e que no dia 24 se realizasse, no ginásio do Liceu, uma sessão constante de conferência minha e da representação, no final dela, do arranjo cénico acima referido, em cuja organização apenas houve o intuito de mostrar à assistência, de modo mais sugestivo que a simples leitura, uma das mais formosas produções menores do nosso / 140 / escritor. Além disso, entendi dever patrocinar uma exposição bibliográfica e iconográfica que o Clube Beira-Mar, desta cidade, me sugeriu e veio a fazer-se na sala da Biblioteca do Liceu.

A sessão foi presidida pelo Ex.mo Governador Civil, Dr. Cirne de Castro, e a ela assistiram as demais autoridades, bem como os professores, alunos e encarregados da educação, que sempre são convidados para as nossas festas escolares. Tudo isso consta do meu relatório, referente ao ano lectivo de 1945-1946, na pág. 39. Ora, se bem que haja uma lei reguladora dos espectáculos públicos, nunca nenhuma das peças representadas por alunas e alunos deste Liceu − entre elas arranjos cénicos para apresentação de figuras de Gil Vicente e outros − foi submetida à censura da Inspecção dos Espectáculos, visto que sempre se tem entendido − e V. Ex.ª se dignará dizer se bem ou mal − que a censura de récitas escolares liceais, como a das publicações de jornais académicos, é das atribuições do reitor, funcionário da confiança do Governo e, portanto, responsável, perante ele, de tudo quanto possa contrariar ou ferir as boas normas educativas. Pedindo se digne esclarecer-me sobre se estou em erro, asseguro a V. Ex.ª que, se o aludido ofício da Inspecção dos Espectáculos me surpreendeu e desgostou, foi porque tendo tido, tenho e terei sempre a preocupação de cumprir.»

Deste meu ofício foi enviada cópia pela Dir.-Geral à Inspecção dos Espectáculos, que em resposta manteve os seus pontos de vista.

Em carta particular, dizia-me o Director-Geral do Ensino Liceal, Dr. Francisco Prieto: «Não faça caso do que dizem os homens. Melhor seria que se preocupassem mais cuidadosamente da inspecção do que se passa por essas casas de espectáculos.»

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Em Outubro de 1948, prefaciei e anotei o manuscrito de "O Hissope" de António Dinis da Cruz e Silva, da Casa Sacchetti, de Aveiro, para ser publicado na "Revista de Portugal", dirigida por Álvaro Pinto, como de facto aconteceu. A publicação terminou em 1950, e dela tirou o Editor separata. Dos manuscritos / 141 / elpinianos da família Sacchetti já eu publicara, precedido de pequeno prefácio, uma cópia de "O Hissope", em 6 contos − na revista “Labor” de 1926 (1.º e 2.º contos), de 1927 (3.ºe 4.º) e de 1929 (5.º e 6.º), e da cópia de "O Falso Heroísmo ou Dom Guifal de Montalto" − variante da comédia "O Falso Heroísmo", do mesmo autor, na "Revista de Filologia Portuguesa", de S. Paulo, dirigida pelo Dr. Mário Barreto, somente os Actos I e II, em 1925, − em virtude do inopinado falecimento do ilustre filólogo.

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No dia 23 de Janeiro de 1949, prestou a cidade e o concelho de Aveiro ao Dr. Álvaro Sampaio entusiástica homenagem, em almoço servido no salão de festas das Fábricas Aleluia.

Fui eu quem abriu a série de brindes e fi-lo nos seguintes termos:

«Principiarei por declarar que não colaborei, inicialmente, na preparação da homenagem que estamos prestando. Suum cuique! A iniciativa partiu dos Snrs. Albano Henriques Pereira, Jeremias dos Santos Moreira, Eduardo Cerqueira, Décio Cerqueira e Elias Gamelas de Oliveira Pinto, que há meses me procuraram no Liceu para ouvirem a minha opinião a respeito de uma manifestação pública que se projectava ao Sr. Presidente da Câmara, pela importantíssima obra que vem realizando, tendente ao progresso e embelezamento da cidade e do concelho.

Lavrando a ideia e a ela aderindo imediatamente, achei-me, sem querer, incluído na comissão, cujos trabalhos, portanto, comecei a acompanhar de perto.

Proposto, na primeira reunião, para falar neste banquete, quis escusar-me; parecia-me, então, que as palavras de louvor que pronunciasse poderiam ser tomados como suspeitas, dada a sólida amizade, de quase 28 anos, que ao Dr. Sampaio me liga. Apesar de contrariado na minha escusa, persisti na negativa, mas fui vencido e convencido por argumentos a que, de resto, fora impertinente continuar a opor-me. / 142 /

Eis o motivo por que sou eu, e não outra pessoa mais idónea e independente, quem vai iniciar, em nome da comissão organizadora da homenagem, a série dos brindes.

Falarei como se aveirense fosse − aveirense de há 46 anos!, e não como amigo do festejado, se bem que, realmente, quando os actos estão à vista como sucede com os do Dr. Álvaro Sampaio, não podem ser taxados de suspeitos e parciais quaisquer encómios que verdadeiros amigos entendam dever dirigir aos festejados.

Quando tomei a palavra na sala das sessões da Câmara Municipal, por ocasião da posse do actual Presidente no dia 8 de Julho de 1944, teci louvores ao Sr. Governador Civil de então, Dr. José de Almeida Azevedo, por ter indicado ao Governo o nome do Dr. Álvaro Sampaio, meu distinto colega no Liceu, para ocupar a presidência da Câmara Municipal, e ao Sr. Ministro do Interior, por se haver dignado nomeá-lo; e dei os parabéns à cidade e ao concelho, que tudo tinham a esperar da inteligência das extraordinárias faculdades de trabalho, do método, do espírito de justiça e da inteireza de carácter do novo Presidente.

No final da minha curtíssima alocução, declarei ao Sr. Governador Civil que podia S. Ex.ª ter a certeza de haver indicado pessoa idónea para o desempenho de tão difícil e espinhoso cargo, e afirmei que o Dr. Sampaio, não sendo político, iria servir com lealdade o Estado Novo, servir e honrar a cidade de Aveiro, servir e honrar o País.

Pois durante os quatro anos e meio decorridos, todos os que assistiram ao acto da posse terão verificado que tanto as minhas afirmações como as que o Sr. Presidente da Câmara fez no seu discurso, nem um ápice foram desmentidas; as minhas predições saíram certas; e o que o Dr. Álvaro Sampaio então prometeu tem sido rigorosamente cumprido.

Nessa memorável sessão, dirigindo-me ao amigo, disse-lhe que lhe não dava os parabéns, pois o cargo a que ascendera era árduo, ingrato, cheio de / 143 / trabalhos, canseiras e arrelias, como aliás ele afirmou na sua incisiva, firme e solene alocução, e o decurso dos meses o tem demonstrado.

Muito trabalho, enormes canseiras... sem dúvida! Arrelias... − não lhe têm faltado. São próprias de quem ocupa lugares de comando, onde nunca é possível agradar a todos; onde, por definição, se tem de desagradar a muitos. "Repreender obras alheias − escreveu um clássico nosso, referindo-se aos censores que tudo condenam e nada fazem − é coisa fácil; fazê-las custa mais, ainda que elas em si pareçam menos. Roer é condição de ânimos baixos e ofício de invejosos.”

Ora a injustiça de ataques sem fundamento é penosa para os amigos e admiradores dos homens públicos; e assim, tenho ouvido dizer a amigos do Dr. Álvaro Sampaio que Aveiro não merece o Presidente que tem à frente do seu Município.

Não: Aveiro merece-o! E que o merece prova-o esta admirável manifestação de apreço, simpatia e gratidão, ideada por alguns munícipes, logo alicerçada pelos presidentes das Juntas de Freguesia do concelho, e entusiasticamente patrocinada por S. Ex.ª o Sr. Governador Civil, que lhe quis dar o maior relevo e amplitude.

Censores... há-os sempre. Os seus ataques a homens de valor e da têmpera de Álvaro Sampaio têm, afinal, uma vantagem: servem para que eles continuem, impassíveis, a metódica tarefa a que meteram ombros, por brio e amor próprio primeiro, e depois para provar que não foi em vão que o Governo neles depositou confiança.

Repito: as promessas que o Sr. Presidente da Câmara fez, naquela luzida sessão de 8 de Julho de 1944, nos Paços do Concelho, têm sido, dentro das possibilidades dum Município pobre, rigorosamente cumpridas. As qualidades que exornam a robusta personalidade desse homem ilustre − estranho à cidade, mas aveirense pelo coração, que o Governo roubou ao Liceu, defraudando-o, têm sido generosamente postas ao serviço de Aveiro e seu concelho. / 144 /

Motivo por que a cidade e o concelho lhe quiseram provar hoje, na véspera do seu aniversário natalício, que não são ingratos; que confiam na sua sábia administração; que têm a certeza de que o que resta fazer se fará; que S. Ex.ª não está sozinho, pois tem a seu lado, para o defender e para o encorajar, a grande massa da população do concelho.

Com a confiança dos munícipes, aqui largamente representados; com a confiança e auxílio do Governo, a quem Aveiro tanto e tanto deve, pode V. Ex.ª, Sr. Presidente, de cabeça erguida e com justificado orgulho, continuar e concluir a sua já notabilíssima obra!

A comissão organizadora desta justíssima homenagem cumprimenta efusivamente V. Ex.ª, deseja-lhe largos anos de vida e, agradecendo os sacrifícios que já fez a bem do concelho, vai beber pela conservação da sua saúde.

A saúde do Dr. Álvaro Sampaio! Viva o Sr. Presidente da Câmara! Viva a cidade e o concelho de Aveiro!»

* * *

No dia 12 de Junho de 1950, realizou-se no Teatro Aveirense um notável Sarau Camoniano, com palavras preliminares minhas; números orfeónicos; recitações de versos de Camões, e das duas primeiras oitavas de Os Lusíadas em francês, inglês, alemão e latim; conferência do prof. Alfredo dos Santos sobre "O Aspecto Clássico e Nacional do Teatro Camoniano", e representação da comédia de Camões − "El-rei Seleuco" − por alunas e alunos dos 3.º, 4.º, 5.º, 6.º e 7.º anos.

* * *

Criada a "União Nacional", logo entidades oficiais, em especial o Cor. Gaspar Ferreira, Gov. Civil no tempo da minha primeira reitoria, e a despeito de conhecerem as minhas ideias e a minha independência e dignidade, instaram comigo para que eu ingressasse nesse pretenso partido político. Debalde! / 145 /

Ora em 13 de Janeiro de 1951, recebi eu, como entidade oficial, um "Manifesto" da Comissão Executiva da União Nacional, acompanhada da seguinte circular da Comissão Distrital de Aveiro:

"Junto se remetem a V. Ex.ª alguns exemplares do "Manifesto" elaborado pela Comissão Executiva da U. Nacional, agradecendo o favor de lhe dar a maior difusão possível entre o pessoal que se encontra sobre (sic) as ordens de V. Ex.ª Esta Comissão Distrital muito grata ficaria se se dignasse enviar-lhe uma lista "com indicação do nome, ano de nascimento, profissão e morada" dos indivíduos que desejarem inscrever-se na U.N., para em seguida enviar a V. Ex.ª os respectivos boletins de inscrição. Etc, etc. − Gaspar Inácio Ferreira, Francisco José Matias, Arménio Martins.”

Na "Lista de inscrição" lia-se o seguinte: "Os cidadãos abaixo assinados declaram por sua honra, sem que a isso hajam sido coagidos, que apoiam leal e desinteressadamente a situação criada pelo 28 de Maio de 1926, concordando com as ideias e intuitos com que se organizou esse movimento e com a orientação indicada pelo Governo no manifesto à Nação publicado no primeiro aniversário do mesmo. Mais declaram que, quaisquer que tenham sido os seus ideais políticos, os põem de parte, olhando apenas ao progresso e engrandecimento da Pátria, que exige, neste momento crítico da nossa História, a união e o esforço desinteressado e leal de todos os seus filhos, para o que oferecem o seu apoio e colaboração".

Os professores do Liceu ficaram alarmados, supondo que era obrigatória a sua filiação.

Acalmei-os e prometi indagar dos propósitos dos indivíduos que subscreviam a circular.

No dia 18 de Janeiro, escrevi ao Cor. Gaspar Ferreira, nos seguintes termos:

«Ex.mo Sr. Cor. Gaspar Ferreira, meu mt. prezado Amigo:

Recebi a circular da Comissão Distrital da U. Nacional de Aveiro, convidando-me / 146 / a enviar a lista dos meus subordinados que desejem nela inscrever-se.

Respondendo por mim, venho pedir a V. Ex.ª se digne informar-me sobre se, não me inscrevendo, serão postos em dúvida o meu nacionalismo e o meu patriotismo.

Sabe V. Ex.ª mt. bem os motivos por que me recusei a ingressar na U.N., quando ela, sendo V. Ex.ª Governador Civil, foi criada; e também não ignora que esses motivos ainda subsistem. A minha posição de cidadão português sem partido não obstou a que, sem eu o desejar, me convidasse pessoalmente, em Outubro de 1940, o Sr. Ministro da Educação Nacional (Dr. Mário de Figueiredo) para de novo assumir o cargo de reitor do Liceu, que é lugar em que só são investidos indivíduos da confiança do Governo. Venho desempenhando essas funções há dez anos completos, sinal de que se reconhece que à frente do Liceu está um português incapaz de trair a sua Pátria, ou de insuflar no espírito da Mocidade, cuja educação cívica superiormente dirige, sentimentos que não sejam de puro nacionalismo.

No Manifesto, apela-se para o meu patriotismo. Ora a mim repugna-me ter de o afirmar com a inscrição num partido em que Monárquicos e Integralistas, em vez de se limitarem à colaboração com o Governo, aproveitam o ensejo para fazerem propaganda das suas ideias políticas, à sombra de instituições cuja existência não está em causa.

Desejaria, portanto, continuar a ser português tal qual o tenho sido sempre, isto é, sem subordinação a qualquer partido. Nem por isso deixarei de aplaudir abertamente, como sempre tenho feito, tudo quanto de bom ou de óptimo os Governos de Salazar façam e nem por isso deixarei de continuar a orgulhar-me da minha qualidade de português e de patriota.

Se porém, a minha escusa em inscrever-me na U.N. pudesse ser interpretada por alguém como confissão tácita de que não sou nacionalista, inscrever-me-ia; mas a U.N. nada lucraria com isso, visto que a minha inscrição equivaleria / 147 / somente a uma declaração anticomunista, como as que, por mais de uma vez, por força de leis do meu País, tive de fazer, como funcionário público, perante o Governo.»

Como o portador da carta não tivesse encontrado o Cor. Gaspar Ferreira, só no dia seguinte lha li, para que me esclarecesse.

A resposta foi a de que a filiação dos funcionários na U. Nacional não era obrigatória e pediu-nos considerasse a circular como não recebida...

Ficaram satisfeitíssimos os meus colaboradores. Na lista das inscrições só veio a figurar uma assinatura.

* * *

Em Março desse ano de 1951, saiu o n.º 111 da “Labor”, que assim entrou na sua 3.ª fase. Deve-se a iniciativa ao professor do 7.º grupo, vindo do Funchal, José Augusto Teixeira, que no começo do ano lectivo instara comigo para que a Revista reaparecesse.

Depois da necessária autorização do Ministro da Ed. Nacional (Dr. Fernando Pires de Lima), iniciou-se a publicação do órgão da Classe, que ficou a cargo… de nós ambos. Da administração encarregou-se o professor do 9.º grupo António Marques da Rocha, vice-reitor do Liceu.

* * *

Em 5 e 6 de Outubro do mesmo ano, celebrou-se com grande luzimento o 1.º centenário da fundação do Liceu de Aveiro.

Como a “Labor” desse mês (págs. 64-176) se ocupou largamente do assunto, precedendo-o de Breve Notícia da História do Liceu, e como de tudo se tirou separata − "Livro Comemorativo do 10 Centenário do Liceu de Aveiro", que foi distribuída por todos os professores, bem como por todos os antigos alunos que à Comemoração compareceram e pelos ausentes que se interessaram, contribuindo com donativos para as despesas, aqui deixo simplesmente esta singela anotação. / 148 /

* * *

No entretanto, ultimava-se a construção do novo edifício, que me foi oficialmente entregue em sessão pública a que assistiram os Ministros das Obras Públicas (Eng. Prederico Ulrich) e da Educação Nacional (Dr. Fernando Pires de Lima) no dia 25 de Maio de 1952.

O relato encontra-se "O Arquivo do Distrito de Aveiro" de 1955 (VoI. XXI, págs. 3 a 27).

Lendo-se as alocuções proferidas por mim e pelo Ministro da Educação, estranhar-se-á que este último não houvesse dirigido uma só palavra ao Reitor que com todo o respeito o saudara. Essa atitude, porém, está de acordo com o desinteresse, manifestado pelo mesmo, em receber pessoalmente, no fim da sessão, os cumprimentos Corpo Docente, anunciados por mim antes do seu início...

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A mudança do mobiliário e dos diferentes serviços do Liceu para o novo edifício só começou no dia 8 de Setembro de 1952 e estendeu-se com grande morosidade durante um mês completo. Por esse motivo, a sessão da abertura das aulas, primeiro marcada para o dia 6, só pôde efectuar-se no dia 13.

Antes de aberta a sessão, a que presidiu o Governador Civil, Cor. António Dias Leite, antigo aluno, leu o Dr. António Lebre uma saudação ao Reitor e aos novos alunos, no fim da qual entregou àquele um ramo de flores naturais, símbolo dos cumprimentos de alunos de outrora aos alunos de então.

* * *

Por haver sido colocado no Liceu de Camões, deixou de pertencer ao quadro docente do nosso Liceu o distinto professor José Augusto Teixeira, co-director da revista “Labor”.

No dia 29 de Outubro de 1952, foi-lhe oferecido na cantina do Liceu um / 149 / jantar de homenagem.

Aqui transcrevo a pequena saudação que então lhe dirigi:

«Colega Teixeira:

Embora a nossa presença aqui, para comigo partilharmos na refeição que o Dr. Patrício (1) a nosso pedido mandou preparar, seja prova bem eloquente da amizade que lhe votam todos os professores com quem trabalhou no Liceu de Aveiro, quero exprimir-lhe, em duas palavras, quanto nos é grato prestar-lhe esta singela homenagem e quanto nos é penoso vê-lo ausentar-se da cidade de Aveiro.

É causa da nossa passageira alegria e do nosso pesar a lembrança da sua preciosa camaradagem, cimentada em amizade, afabilidade, franqueza, lealdade − nessas e noutras pequenas grandes coisas que ligam as pessoas e as tornam, em conjunto, elementos de coesão moral, de compreensão e de disciplina, que nenhuma força pode separar ou sequer comprometer - e ainda a circunstância de o Colega ir levar a outro Liceu o tesoiro da sua competência. Sim! Se nos sentimos alegres por termos mais uma vez, junto de nós, um colega amigo e lhe podermos afirmar, na hora da despedida, que sabemos corresponder à sua amizade, sentimo-nos também pesarosos por vermos afastar-se do nosso convívio, com o amigo, um professor distinto, honra da nossa classe.

Pois bem, caro amigo e caro Colega! Conte com a nossa firme dedicação e disponha dela como entender; continue a guardar em seu coração o carinho que tantas vezes tem manifestado por este liceu, e não duvide de que muita alegria sentiremos ao saber dos seus triunfos, das suas felicidades e do completo bem-estar de todos os seus.

É por esses triunfos e por essas felicidades que todos brindamos!" / 150 /

* * *

De Abril a Junho de 1953 decorreu o desagradabilíssimo incidente com um dos professores de "Religião e Moral", o qual, mercê da maneira inconveniente como dava as suas aulas, foi por fim, a meu pedido, exonerado do cargo. Deixo o caso suficientemente esclarecido e documentado, em escritos particulares.

No dia 9 de Dezembro de 1954, pelas 21h 30m, comemorou o Liceu de Aveiro, no Teatro Aveirense, o primeiro centenário da morte de Almeida Garrett, com o programa que aqui junto. Eis algumas das palavras com que apresentei os intervenientes − alunos de então e antigos alunos:

«Minhas Senhoras e meus Senhores! No dia 9 de Dezembro de 1854, pelas 6 horas e 25 minutos da tarde − são decorridos precisamente cem anos, exalava em Lisboa o último alento o nosso grande escritor João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett, a quem ordinariamente se designa pelos últimos apelidos − Almeida Garrett −, ou unicamente por Garrett. Nascera 55 anos antes, em 1799, no limiar do século XIX, esse século por alguns ainda hoje denegrido e vilipendiado com o apodo de estúpido, sem embargo de em Portugal haver produzido, em todos os sectores da vida nacional, notabilíssimos cidadãos. Na Literatura, por exemplo e para não ir mais longe, deu-nos este pouco: Garrett, Herculano, Castilho, Júlio Dinis, Camilo, João de Deus, Eça de Queirós, Oliveira Martins, Ramalho Ortigão, Antero de Quental, Guerra Junqueiro, Fialho de Almeida ...

Se bem que todos os intérpretes − actores e orfeonistas − se vão esforçar por cumprir, o melhor que lhes é possível, as tarefas de que prontamente se encarregaram, peço para os possíveis deslizes de actores amadores e de cantores pouco experimentados a indulgência de quem os veio ver e ouvir. Oxalá que todos, no final desta jornada cívica, nos sintamos satisfeitos. Seja, porém, qual for o brilhantismo do Sarau, uma coisa é certa: não ter sido olvidado em Aveiro, por ocasião da passagem do 1.º centenário do seu falecimento, o patriota, liberal e político generoso e tolerante que se chamou Almeida Garrett, glorioso e imortal autor das "Viagens na Minha Terra", das "Folhas Caídas" e do "Frei / 151 / Luís de Sousa", graças à boa vontade, devoção e dedicação de alunos do Liceu, antigos e modernos, proficientemente dirigidos pelo também antigo aluno prof. José Duarte Simão, que com eles galhardamente intervém neste Sarau.»

* * *

Em Outubro desse ano de 1954, saíram a público, editadas pela Livraria Sá da Costa, os volumes por mim preparados "Viagens na Minha Terra", de Almeida Garrett, da Colecção de Clássicos Sá da Costa, e a "Selecta Camoniana", que, feita para o Povo, não teve o êxito que eu e o editor julgámos obteria.

* * *

Nos dias 7, 8, 9 e 10 de Março de 1956, estive, como reitor do Liceu de Aveiro, na reunião dos Reitores do Continente, convocada pelo Ministro da Educação Leite Pinto, na qual foram inteligentemente versados os principais problemas do Ensino Liceal. Pena foi que tudo ficasse nas chamadas "águas de bacalhau"!,..

* * *

No dia 14 de Abril de 1956, representou-se no Teatro Aveirense a revista de minha autoria, "Última Visita de Pangloss", que eu escrevera em CaldeIas, em Agosto de 1955, para ser utilizada pelo 7.º ano da Maria Manuela.(...)

* * *

No dia 20 de Janeiro de 1957, domingo, deu-se a última cerimónia a que assisti como entidade oficial: a inauguração de um novo pavilhão no Albergue Distrital.

* * *

No dia 23 do mesmo mês, ou seja dito dias antes de atingir o limite de idade, reuni o último Conselho Escolar da minha reitoria, em cuja acta se lêem as seguintes palavras:

«Dá-se com a reunião deste Conselho Escolar, último da minha presidência, / 152 / uma curiosa coincidência: precisamente há trinta e um anos, em 11 de Janeiro de 1926, assinei pela primeira vez uma acta de Conselho Escolar, como reitor interino. Hoje, apesar de não haver a tratar quaisquer assuntos pedagógicos, que constituem, como sabem, exclusiva atribuição do C. Escolar, convoquei-os para esta reunião, porque desejo que, antes de sair, fique exarada numa acta a afirmação de que muito considero e estimo os meus colaboradores e de que lhes estou profundamente grato pelo auxílio, tantas vezes valioso e por vezes preciosíssimo, que me deram, contribuindo para o bom nome de que o Liceu goza, e pelas provas de amizade e dedicação que me querem manifestar na altura em que o limite de idade me afasta da direcção desta Casa e do fraternal convívio oficial dos meus companheiros de trabalho. No decorrer das cerimónias que, devido à grande, à desmedida generosidade dos amigos, vão realizar-se em 30 e 31 do corrente, terei ocasião de exprimir tudo isto na presença de alunos, suas famílias e pessoas amigas, algumas completamente estranhas ao Liceu. Quero, porém, vincar, nesta reunião íntima, de modo especial, quanto lhes fico devendo como professor e reitor e quanto é grande e indelével a minha gratidão pelo que de todos recebi em colaboração e em manifestações de desinteressada e franca amizade. Saio oficialmente, mas continuarei sempre ligado, pelo coração, ao Liceu de que fui aluno durante cinco anos e professor durante mais de quarenta. Desde que o conheço, nunca elementos estranhos ao ensino, políticos ou outros, se imiscuíram no seu funcionamento, motivo por que sempre resultaram inanes os ataques que por vezes lhe dirigiram indivíduos sem escrúpulos. Faço votos por que esta orientação, que já vem pelo menos, das reitorias de Francisco Regala e Álvaro de Moura, a quem muito bem conheci e a cuja memória rendo a minha homenagem, seja observada pelos reitores que me sucederem. Só assim poderá o Liceu Nacional de Aveiro conservar através dos tempos o prestígio de que actualmente goza, e cumprir com a necessária dignidade a sua missão educativa.»

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As cerimónias de que uma comissão de amigos rodeou o reitor (que atingia / 153 / o limite de idade no dia 30 de Janeiro de 1957) realizaram-se nesse dia no Liceu e em jantar no Teatro Avenida, e no dia 31 no Teatro Aveirense com um sarau em que intervieram alunos de então e antigos alunos. A tudo se referiu, pela pena do Dr. José Augusto Figueira, co-director da Labor, o n.º 165 (Março de 1957) da Revista.

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No dia 23 de Novembro de 1957, a pedido do Dr. António Luís Gomes, administrador da Casa de Bragança, fui ao Paço Ducal de Vila Viçosa fazer uma conferência. Fui apresentado pelo Dr. Jacinto do Prado Coelho, que me acompanhou desde Lisboa, e versei o tema de "O Paço Ducal de Vila Viçosa e a Cultura".

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Andava então a preparar, para a Colecção de Clássicos Sá da Costa, as Obras Completas de António José da Silva, que seguidamente apareceram: VoI. I − em Janeiro de 1958; VoI. II em Março; VoI. III − Julho; e voI. IV − em Outubro. − Em Fevereiro desse mesmo ano, foi incorporada na mesma Colecção a minha Selecta de Textos Medievais, com o título de Antologia de Textos Medievais.

* * *

Em Março de 1960, saiu o meu "Teatro de Amadores" (somente 200 ex., para oferecimentos), volume com cinco das minhas numerosas peças teatrais, três delas representadas por alunos do Liceu de Aveiro.

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(1) − Dr. Amílcar Patrício, do 5° grupo, director da Cantina.

 

 

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