Em várias ocasiões, ao ser citado ou publicado,
identificam-me como poeta, matemático e professor de Matemática. O nosso
Chefe de Redacção, Manuel Arcêncio da Silva, assim fez a encabeçar a
publicação de um texto no boletim da Mediateca da Câmara Municipal da
Murtosa.
Só a última classificação tem algum sentido e pode ser
considerado próximo da verdade afirmar que Arsélio Martins é professor
do ensino secundário de Matemática. O resto é qualquer coisa que pode
ter a ver com a mania brasileira e portuguesa de sermos todos doutores
ou engenheiros. Vamos tentar ser naturais e simples e, para ajudar a
tentativa, vou começar por tentar provar que não devo ser apelidado de
"matemático".
Dieudonné é um grande matemático e vai dar-me uma ajuda
para esclarecer a confusão correntemente praticada de haver quem chame
matemático a um professor de matemática, por exemplo.
"O termo de «músico», na linguagem corrente, pode
designar um compositor, um intérprete ou um professor de Música, com
sobreposições possíveis entre estas actividades. Do mesmo modo, por
«matemático», pode entender-se um professor de Matemática, um utilizador
das matemáticas, ou um matemático criador; e a ideia corrente é a que
esta última espécie está agora extinta."
Mas tal não acontece, felizmente. E vale a pena
esclarecer as diferenças entre o que é um professor de Matemática e um
Matemático. Toda a gente sabe o que é um professor de Matemática. E toda
a gente pressente que há professores de Matemática que serão
matemáticos. Pouca gente saberá o que é ser matemático ou quem são os
matemáticos. Diremos que um matemático é aquele que publicou pelo menos
a demonstração de um teorema não trivial, ou seja, que descobriu e/ou
demonstrou alguma coisa substantiva no desenvolvimento de algum dos
imensos ramos da Matemática.
Se é verdade que há matemáticos que nunca foram
professores de Matemática, é também verdade que uma grande maioria dos
matemáticos se encontram entre os professores, raramente entre os
professores do ensino secundário e muito frequentemente entre os
professores do ensino superior. De facto, o trabalho dos matemáticos
exige grande disponibilidade de tempo e, na actualidade, é no ensino
superior universitário que se concentram as disponibilidades de tempo e
meios para a comunicação entre os especialistas.
/
17 /
O conjunto de provas prestadas para o ingresso e
progressão em carreiras do ensino superior, que dependem muitas vezes de
trabalhos escritos, a que se dá o nome de teses, levou a que se
estabelecesse uma confusão entre professor do ensino superior de
Matemática e matemático. Mas a "a grande maioria desses trabalhos é
trivial, no sentido de que se limitam a tirar algumas consequências
fáceis de princípios bem conhecidos. Muitas vezes, a tese destes
"matemáticos" nem chega a ser publicada: inspirada por um orientador,
ela reflecte mais a ideia deste que dos autores/ doutores.
Se isto é verdade para o mundo da matemática é verdade
para a maioria das outras disciplinas do conhecimento. Um professor de
economia pode não ser um economista, podendo ser um utilizador de
economias alheias e até ministro.
O mesmo se pode dizer de um professor de Física, de
Filosofia ou de Direito.
Agora a confusão pode ainda vir a ser maior. Um professor
de Matemática é confundido com um matemático e por ser profissional da
educação e ter estudado ciências da educação pode ser confundido com um
cientista da educação. Há cientistas a mais para tão pouca produção
científica.
Deus nos valha! E por amor de Deus não me arranjem
responsabilidades que a minha vida enjeita.
▪ |