Neste
número do “Aliás", conforme prometemos, concluímos a publicação de um
trabalho, da autoria da Prof.ª Manuela Seiça Neves. Esta segunda parte,
mais prática, decerto poderá dar pistas de trabalho a alguns colegas que
se defrontam com os mesmos problemas que a autora.
Voltamos a renovar a promessa de publicar trabalhos
científico-pedagógicos de colegas que no-los façam chegar ao jornal.
Cremos que se impõe a divulgação destes e de outros trabalhos,
permitindo a partilha de experiências pedagógicas e de pontos de vista
diversos em matérias de carácter científico, evitando, assim, que fiquem
arquivados "ad aeternum", sem servir a ninguém.
Uma proposta de leitura orientada para "A Odisseia".
No que diz respeito à exploração da obra, no âmbito da
disciplina de Língua Portuguesa, foram definidos os seguintes
objectivos:
1) – desenvolver a capacidade de compreensão
2) – adquirir vocabulário, nomeadamente na área dos
barcos
3) – actualizar dados históricos relacionados com o tema
4) – conhecer os mitos clássicos e promover a sua
actualização
5) – consciencializar aspectos da cultura clássica
6) – relacionar a informação textual com o reportório
cognitivo pessoal
7) – reconhecer e justificar o valor e o uso de
expressões retóricas e estilísticas
8) – identificar os meios utilizados para a construção do
herói
9) – actualizar o conceito de herói
10) – consciencializar as noções de verosimilhança e
inverosimilhança.
Depois de termos lido e comentado, na aula, a introdução,
escrita pelo próprio João de Barros, propusemos aos alunos que fizessem
uma leitura global da obra.
Tentámos, antes de mais, que esta introdução fosse
suficientemente motivadora. Para tanto, procurou situar-se a acção no
tempo histórico e no espaço geográfico.
Foi pedido aos alunos que lessem a obra, em casa, para
posteriormente se poderem trabalhar na aula os aspectos atrás
enunciados.
Ultrapassado o tempo concedido para a leitura, inquirimos
sobre o cumprimento ou incumprimento da tarefa e verificámos o seguinte:
1) – a maioria dos alunos não tinha terminado a leitura
da obra no prazo estabelecido
2) – todos aqueles que tinham iniciado a leitura da obra
manifestaram o seu agrado, quer em relação à temática, quer em relação à
urdidura narrativa.
A leitura, não fazendo parte dos hábitos quotidianos da
maioria dos jovens,
/ 19 / não disputa o lugar a
outros instrumentos lúdicos com que os adolescentes preenchem os seus
momentos de ócio.
Por outro lado, do ponto de vista das obrigações
escolares, a leitura situa-se num plano híbrido; ao procurar retirar à
prática da leitura o carácter de obrigatoriedade, está a desvalorizar-se
esta actividade (na perspectiva dos alunos e dos encarregados de
educação) em detrimento de outras obrigações escolares, como seja, o
estudo de conteúdos de outras matérias ou da própria Língua Portuguesa.
Criam-se, por vezes, situações paradoxais, nomeadamente em momentos de
mudança.
Para ultrapassar este impasse e, atendendo à própria
sintaxe narrativa da obra em causa, pusemos em prática algumas
estratégias que, dispensando o seu conhecimento integral, favoreciam a
compreensão dos capítulos iniciais para que, em seguida, se passasse a
um estudo da obra de carácter mais globalizante.
Para os capítulos iniciais foram então utilizadas as
seguintes estratégias:
– questionários de ideias
– levantamento de vocabulário
– inventários temáticos
– exercícios de resumo
No primeiro capítulo são definidas as grandes linhas de
força, em termos de diegese e de sintagmática textual. Foi, por isso,
dada a este capítulo uma atenção especial, pois entendemos que ele pode
ser considerado como o pólo irradiador dos elementos essenciais da
sintagmática narrativa, funcionando como o primeiro elemento motivador
para esta leitura orientada.
Para iniciar o estudo da obra foram propostas as
seguintes tarefas:
1) - a partir de mapas que fornecemos aos alunos,
foi-lhes pedido que situassem a acção no espaço, a partir das
referências textuais contidas no primeiro capítulo.
2) - foi-lhes também solicitado que fizessem o
levantamento das expressões indiciadoras da situação e do devir
temporal.
3) - ainda a partir das referências textuais e após o
estudo da técnica do retrato, compôs-se um retrato de Ulisses, em que se
apontavam já alguns elementos utilizados para a construção do herói.
A elaboração do dicionário de mitologia foi, para os
alunos, uma actividade profundamente motivadora, A procura dos elementos
requeridos levou-os a consultar enciclopédias e outras obras que lhes
fornecessem dados sobre a matéria em estudo. Muitas destas consultas
foram feitas na biblioteca da Escola, bastante bem apetrechada neste
domínio.
Além disso, o contacto com a mitologia forneceu-lhes os
primeiros quadros de referência sobre o mito, ao mesmo tempo que os
levava a viver intensamente algumas das histórias relacionadas com os
heróis com quem contactavam.
Esta actividade acompanhou o estudo de toda a obra, uma
vez que os elementos mitológicos vão intervindo de forma directa ou
indirecta na acção, constituindo assim uma constante na sintaxe
narrativa da obra.
Em relação ao capítulo II, optou-se por organizar um
questionário escrito que testasse a percepção dos elementos textuais
mais significativos, fazendo assim uma leitura orientada para selecção
da informação principal e para desenvolvimento de imagens mentais.
Esta opção teve em conta dois aspectos de natureza
pedagógica que consideramos do maior interesse: em primeiro lugar, a
necessidade de diversificar as estratégias, no estudo orientado de uma
obra completa por alunos do nível etário em que se situam os do 3.º
ciclo do Ensino Básico; em segundo lugar e, na sequência do que foi
dito, pensamos que a alternância entre questionários orais e
questionários escritos é um processo a utilizar nas aulas de Língua
Materna, atendendo até aos objectivos gerais definidos para esta
disciplina. De facto se se utilizar o questionário oral como estratégia
única, este procedimento pode desimplicar uma parte da turma, já que os
alunos conhecem as regras: o professor coloca uma questão para toda a
turma, mas na prática, só um responde: habitualmente aquele que, de
livre vontade, manifesta o desejo de o fazer. Aos questionários
individuais os alunos respondem mais personalizadamente, o que está sem
dúvida em consonância com o espírito dos novos programas.
Este questionário visava a pesquisa de informação textual
sobre os seguintes aspectos:
1) vocabulário marítimo
/ 20 /
2) expressões referentes à flora
3) expressões referentes à fauna
4) vocabulário referente à alimentação
5) vocabulário que representasse elementos
caracterizadores da paisagem.
No que diz respeito ao vocabulário marítimo, pretendia-se
sobretudo que os alunos tomassem contacto com vocábulos como enxárcia,
quilha, jangada, mastros e velas, para dar início a um trabalho de
pesquisa dentro desta área, como estava previsto,
O levantamento de elementos vocabulares que representam a
fauna e a flora da ilha, bem como as expressões caracterizadoras da
paisagem, ajudam o aluno a recriar, através de processos de abstracção e
imaginação, o ambiente da ilha de Calipso, onde se situa a acção.
Para além disso, procurou-se também sensibilizá-los para
a dimensão afectiva e expressiva do uso do adjectivo em expressões como:
"fontes prateadas", águas límpidas", "prados esmaltados" ou "aves
gorgeantes". Era importante que os alunos se apercebessem do clima de
harmonia e de equilíbrio criada pelo uso destes elementos linguísticos.
A diferenciação entre o plano dos homens e o plano dos
deuses está presente, neste capítulo, nomeadamente nas referências aos
produtos alimentares consumidos por uns e por outros, Enquanto os deuses
se deliciam com ambrósia e néctar, Ulisses levou para a sua viagem,
quando saiu da ilha de Calipso, pão, carne, vinho e água.
Pensámos que, depois da identificação dos elementos
essenciais da semântica e sintaxe narrativas (feita ao longo do estudo
dos capítulos I e II), os alunos estariam em condições de poder
trabalhar em pequenos grupos que se dedicassem a uma abordagem mais
detalhada dos aspectos que considerámos de maior relevância para o
trabalho de leitura orientada.
Partindo do pressuposto pedagógico-didáctico que qualquer
aspecto parcelar do estudo de uma obra implica o seu conhecimento
global, foram propostos aos alunos os seguintes temas:
1) A construção do herói
2) O fantástico – a magia e o horror
3) O percurso de Ulisses – organização interna da
narrativa
4) A beleza da linguagem – recursos estilísticos
5) O papel de Minerva e Neptuno na "Odisseia"
1 – A construção do herói
Como ponto de partida para o estudo da dimensão heróica
de Ulisses, foi fornecido aos alunos o texto que a seguir se transcreve
e que é constituído por pequenos excertos da obra de M. I. Finley: "O
mundo de Ulisses".
"Guerreiro" e "herói" são sinónimos, e uma cultura
guerreira organiza-se à volta destes dois temas fundamentais: a coragem
e a honra. A coragem é a virtude essencial do herói, a honra o seu
objectivo essencial.
(…) Os homens homéricos amam a vida impetuosamente, assim
como fazem e sentem todas as coisas com paixão, sendo difícil imaginar
personagens de que o
/ 21 /
mártir esteja mais ausente; e, contudo a própria vida deve ceder perante
a honra.
(…) A honra é por essência exclusiva, ou pelo menos,
hierárquica: se cada um atingir igual honra, então não há honra para
ninguém. Por esta razão, o mundo de Ulisses era, necessariamente,
ferozmente competitivo: cada herói esforçava-se por superar os outros.
E, visto que os heróis eram guerreiros, a competição culminava ali onde
a maior batalha estava em jogo, no combate singular, no campo de
batalha. É aí que o valor autêntico de um herói, o sentido da sua vida,
se encontram submetidos a uma prova decisiva: quem combate ele, como
combate e como se comporta.
Feita a abordagem do texto e, depois de desmontadas as
principais dificuldades ao nível da compreensão das ideias, propusemos
aos alunos que formulassem questões sobre o texto em análise que
permitisse um melhor esclarecimento do conceito de herói.
A utilização do texto de Finley, como ponto de partida
para o estudo do conceito de herói na "Odisseia", baseou-se no seguinte
pressuposto pedagógico-didáctico – a leitura tornar-se-á mais
interessante quando eu leio para responder às minhas próprias perguntas.
Não era difícil de prever que os alunos questionassem a relação entre o
herói e o guerreiro, estabelecida na obra de Finley. De facto, esta
reflexão conduziu-nos ao texto da obra em estudo, capítulo lI, página
doze, da edição já citada:
«Não era Ulisses muito amigo de batalhar. Diz-se que se
fingira louco para não pegar em armas, e que, na hora em que o chamaram
para a guerra, como quem não entende o que lhe pedem, foi lavrar um
campo das suas herdades com a charrua afiada. Mas os outros gregos
puseram Telémaco, filho de Ulisses e ainda então pequenino, diante da
charrua. Ulisses, com receio de feri-lo não se atreveu a continuar. E os
companheiros disseram logo:
"Não é doido quem sabe poupar a vida aos filhos. E
obrigaram-no a partir...»
A apresentação deste texto gerou a polémica esperada, o
que permitiu, por remissão para algumas passagens da obra, uma tomada de
consciência, ainda que embrionária, do conceito de herói presente na
"Odisseia". Na sequência deste debate de ideias, sugeriu-se que fosse
feita uma leitura do texto que passaremos a transcrever, para detecção
de aspectos micro-textuais que contribuem para esclarecer a relação que
eventualmente possa existir entre herói e guerreiro, na "Odisseia".
«Não se vá julgar que Ulisses fosse cobarde. Era apenas
um homem pacífico, sensato, só gostando de lutar em último caso. Não
teve remédio, porém, senão ir combater no cerco de Tróia. E, durante o
cerco, Ulisses praticou feitos notáveis e aconselhava e animava os
companheiros, inventando estratagemas de subtil engenho, que deram todos
óptimo resultado.»
Os aspectos micro-textuais postos em evidência foram os
seguintes:
– valor semântico do verbo gostar e respectiva
contextualização;
– uso do advérbio só com carácter de restrição;
– conotação bélica da expressão: "feitos notáveis"
– acumulação semântica presente na expressão: "inventando
estratagemas de subtil engenho".
Depois deste levantamento, pudemos chegar às seguintes
conclusões:
Ulisses torna-se herói porque aceita a condição de
guerreiro e é nessa condição que ele pratica feitos notáveis. Se não
tivesse sido guerreiro, não teria tido espaço para animar os
companheiros "inventando estratagemas de subtil engenho".
Estes elementos forneceram-nos um retrato de Ulisses,
feito ainda com traços grosseiros, mas que subtilmente associa a
condição de herói à de guerreiro.
Baseando-se neste esboço, o grupo a quem foi distribuído
este tema partiu à procura do herói e do guerreiro, com uma vontade
firme de chegar sozinho às suas próprias conclusões, pronto para
confirmar ou infirmar o que até aí se tinha apurado.
Levaram com eles as seguintes directrizes:
1) Faz o levantamento de expressões que contribuam para a
construção do herói.
2) Como se de um puzzle se tratasse, junta essas
expressões e constrói uma personagem coerente.
3) Sendo Ulisses uma personagem que reúne aspectos
humanos e divinos, apresenta exemplos que
/ 22 /
ilustrem cada um desses aspectos.
4) Como síntese do teu trabalho, indica as principais
características evidenciadas por Ulisses no decurso da obra.
A propósito do ponto um destas directrizes de trabalho,
foram introduzidas as noções de verosimilhança e inverosimilhança,
instrumentos vocabulares importantes para a descodificação desta e
doutras obras em que sejam utilizados elementos do fantástico. Este
conceito foi evidentemente alargado a outras formas de expressão, como o
cinema ou a pintura.
Os resultados do trabalho deste grupo revelaram grande
argúcia e interesse, no que diz respeito à reconstituição da personagem
a partir de expressões textuais. Fazendo alterações de pormenor ao texto
de partida e com a introdução de segmentos de ligação que conferissem ao
texto-alvo uma coerência semântica, obteve-se o seguinte produto:
"Ulisses
era um homem na força da vida, de olhos brilhantes, de cabelos fartos,
de estatura desempenada. Toda a gente o contempla com respeito e há até
quem pense que ele seja um deus.
Quando regressava a Ítaca, depois da guerra de Tróia,
perdeu-se e, durante os dez anos em que andou perdido, sucederam-lhe
muitas peripécias.
Ulisses chegou à Ilha dos Feácios desgrenhado e mal
coberto por alguns ramos mais tenros de árvores, com sal de espuma do
mar ainda pegado aos cabelos e às faces, parecia um monstro. Só Nausica
não foge e não treme. As aias deixam-na sozinha em frente do Herói.
Depois de terem conversado, Nausica ordena que seja preparado um banho
para Ulisses. As aias obedeceram às ordens da princesa.
Conduzido ao banho, Ulisses foi lavado e vestido e depois
com a roupa e a túnica que lhe emprestaram, e perfumado com o resto
da essência que sobejara. Nem parecia o mesmo. Limpo das crostas de sal,
penteado de modo que o farto cabelo encaracolava e caía harmoniosamente
sobre os ombros, envolto em trajes ricos dados por Nausica, a sua figura
readquiriu a majestade natural.
Ulisses é acolhido no palácio de Alcino, pai de Nausica.
Durante um banquete oferecido em sua honra, Demódoco, o
poeta cego, veio acompanhar e alegrar com os seus cânticos a cerimónia
festiva. E – caso extraordinário! – o poema que então cantou foi uma das
mais espantosas proezas de Ulisses durante a guerra, uma das proezas
notáveis cuja fama chegara a toda a parte e que Demódoco evocava nesse
momento, não pressentindo que a ouvia o seu próprio autor!
Era a história do cavalo de pau, que Ulisses imaginou
mandar construir quando, com os seus compatriotas, combatia no cerco de
Tróia. Os gregos ganharam a guerra graças ao êxito deste estratagema.
"E "– cantava Demódoco –" foi então que Ulisses, igual na
coragem e no ímpeto a Marte, deus da Guerra, se dirigiu ao palácio do
filho do rei dos Troianos, Deifobo, que obrigara Helena a casar com ele.
Apenas acompanhado de Menelau, sustentou então um longo e difícil
combate contra numerosos inimigos, conseguindo enfim vencer pela
audácia, inteligência e coragem que nunca lhe faltaram, e que eram
sempre em Ulisses incomparáveis e dominadoras...”
Antes de partir da Ilha dos Feácios, Alcino pediu a
Ulisses que contasse a sua história. E o Herói subtil, dominando a
saudade que afogava de pranto os seus olhos, principiou assim: "Sou
Ulisses, filho de Laertes, Ulisses, conhecido pelas suas astúcias e
façanhas e cuja glória voa até ao céu. Minha terra é Ítaca, a ilha do
clima suave.
Mas já que assim o queres, Alcino, vou-te contar o que me
/ 23
/ sucedeu desde que regressei de Tróia, com
os fiéis companheiros que, depois, os naufrágios e os desastres me
roubaram. O vento que então impelia as nossas velas levou-nos ao país
dos Cícones, defronte da cidade de Ismaria. Ali aportei, saqueei a
cidade e conquistei preciosas riquezas.
Na ilha de Circe outra desgraça nos aconteceu. Depois de
desembarcarmos fomos levados à morada de Circe, que estava cantando uma
canção harmoniosa, enquanto tecia um estofo magnífico, só comparável aos
vestidos das deusas. Polipo, que é aliás pessoa de bom-senso,
entusiasma-se e propõe que se chame a linda tecedeira. Assim fizemos. E
ela veio logo, e logo abriu a porta resplandecente do palácio, e logo
nos convidou a entrar. Todos lhe obedeceram. Só eu, desconfiado, não
entrei. Sentam-se os outros em cómodos assentos; e Circe prepara por
suas mãos e oferta-lhes uma bebida saborosa e cristalina. Sorvem-na de
um trago e subitamente se lhes apaga no espírito a memória da sua terra
natal. Com varinha mágica, Circe toca-os um por um e condu-los para os
currais dos seus porcos. E em porcos ei-los transformados imediatamente.
Peguei
então no meu gládio e no meu arco e convidei Euríloco a vir libertar os
companheiros. O chefe corajoso, o meu amigo fiel, nem queria partir, nem
deixar-me partir, receoso. Mas eu não vacilava: – o meu dever impelia-me
a salvar os homens que lançara em tão rude aventura... E encaminhei-me
resolutamente para o palácio encantado de Circe.”
Depois de muitas outras aventuras, Ulisses chegou enfim a
Ítaca mas, para não ser reconhecido pelos pretendentes de Penélope, teve
de se disfarçar de mendigo.
Caiu a noite. Chegou à porta do palácio um jovem mendigo
–verdadeiro, esse – que ao ver Ulisses, julgou estar na presença de um
concorrente, e quis bater-lhe. Mas o Herói invencível, arregaçando a
túnica, mostrando os músculos vigorosos, fê-lo morder o pó. Todos
aplaudiram a proeza magnífica – e os pretendentes começaram a olhar com
respeito aquele estrangeiro de tão modesta aparência, mas que não
receava bater-se contra um homem em plena mocidade.
Inspirado por Minerva – a deusa apareceu-lhe, indicando
que se desse a conhecer a Telémaco. Ulisses saiu um momento da sua sala
onde estavam ambos. E, quando voltou, nem parecia o mesmo: readquirira o
porte desempenado, o aspecto varonil, e a beleza de sempre.
Telémaco, maravilhado, exclamou:
– "Estrangeiro, estais bem diferente do que eras há
pouco. Serás porventura um deus, um dos eternos senhores dos campos do
céu?"
– Não sou um deus, não sou um imortal, replicou Ulisses.
Enfim, Telémaco, dominando-se, quis saber tudo quanto
sucedera a Ulisses. Foi uma narrativa longa... Calipso, Polifemo, Sila e
Caribdes e todos os monstros que Ulisses vira, e os temporais que
vencera, e as desgraças a que tinha escapado, e as navegações e perigos
que arrostara e a persistência na luta contra as forças adversas, e a
esperança teimosa na vitória final, – tudo Telémaco ouvia, orgulhoso e
palpitante. E ninguém estranhará o seu orgulho – o orgulho de ser filho
de tal pai, de um Herói cuja glória o Universo conhecia, e cujas proezas
insignes voavam de boca em boca.
E Ulisses, enfim ditoso e sossegado, governou Ítaca anos
e anos seguidos, enchendo-a de prosperidade e de glória. Envelheceu
contente junto de Penélope, a esposa incomparável, de Telémaco, ousado
sábio como o pai, – como Ulisses, o Herói de mil façanhas e ardis, o
homem mais audacioso, mais persistente e hábil que a voz da fama alguma
vez louvou."
A construção deste texto-puzzle foi feito com excertos
retirados das seguintes páginas: 43, 47, 50, 57, 58, 61, 64, 67, 69,
94-95, 92,190,167-169 e
/ 24 /
201.
Quando propusemos esta actividade aos alunos estávamos
conscientes do perigo que se poderia correr, levando os alunos a
construir um texto que poderia confundir com plágio ou "pastiche". Para
evitar situações de ambiguidade e com o intuito de esclarecer o conceito
de plágio, foram clarificados os objectivos deste tipo de exercício,
mostrando os seus limites, chamando mesmo a atenção para os aspectos de
ilegalidade que pode assumir esta prática, quando utilizada noutros
contextos.
Lembramos a este propósito Michel Cosem quando,
escrevendo sobre o plágio, afirma: "C'est un exercice délicat.
L'enfant utilisant les structures formelles (ou "fonctionnelles") d'un
texte peut y gagner en compréhension dans I'approche de I'auteur, mais
iI peut y perdre spontanéité ou en originalité."
A organização deste trabalho foi acompanhada pelo
professor, que ia, a cada momento, fazendo sugestões, relembrando
conceitos, sugerindo processos de selecção que levassem à distinção
entre o essencial e o acessório e que, se possível, conduzissem ao
desenvolvimento da capacidade de análise e de síntese.
Consideramos que a produção deste texto se revelou de
grande interesse, não só por ter levado os alunos a fazer uma pesquisa
motivada, já que esta estratégia tinha fins bem precisos, mas ainda
porque os levou a interiorizar o conceito de herói, dividido na
ambiguidade que o faz partilhar aspectos humanos e características que o
situam num plano super-humano.
O texto produzido constituiu, em seguida, uma importante
base de trabalho para a prossecução das actividades deste grupo, uma vez
que toda a concepção do texto gira em torno da personagem principal,
condensando os aspectos visados nos pontos três e quatro das referidas
directrizes de trabalho: os aspectos humanos e divinos de Ulisses e as
principais características evidenciadas pela personagem ao longo da
obra.
2) – O Fantástico: a magia e o horror
O propósito de tratamento deste tema com alunos do nível
etário em questão pressupõe, necessariamente, uma adequada exploração de
noções que remetem para operações mentais mais elaboradas, como a
abstracção.
Posto que os conceitos de verosimilhança e
inverosimilhança tinham já sido tratados, entendemos que seriam as
noções de fantástico e de magia que deveriam ser introduzidas. E foi a
partir da pesquisa de campos lexicais que se chegou à integração dos
referidos conceitos.
Relativamente à noção de horror, optou-se pela sua
actualização – os jovens de hoje estão quotidianamente em contacto com
cenas de horror, nomeadamente através dos noticiários da televisão, das
imagens visuais e mentais fornecidas por séries televisivas transmitidas
em horário nobre, ou ainda, em certos filmes a que facilmente têm
acesso, quer nas salas de espectáculo, quer mesmo em casa, através do
aluguer de um filme num videoclube. Foi o momento encontrado para
debatermos esta temática, chamando a atenção dos jovens alunos para o
carácter gratuito e deformador da utilização deste elemento no contexto
referido.
Não foi difícil que eles percebessem a diferença entre
este horror do quotidiano, explorado até à exaustão pelos meios
audiovisuais, e o horror na sua dimensão de fantástico e de maravilhoso.
A primeira solicitação que se fez a este grupo de
trabalho foi no sentido da identificação dos momentos da obra em que se
recorresse à dimensão do fantástico.
A indicação de episódios como o de Polifemo, a passagem
pela ilha de Eolo ou de Circe, a permanência no país dos Lestrigões foi
tarefa despida de qualquer dificuldade para os alunos, familiarizados já
com os referidos conceitos. Saliente-se que em todos estes episódios
podemos reconhecer o fantástico aliado ao horror.
A segunda questão prendia-se com a passagem pelo Inferno,
a que demos particular atenção, por entendermos que o estudo do
capítulo, cuja acção principal se situa no inferno, fornece referências
importantes ao nível do imaginário da cultura ocidental. Pensamos que a
este assunto se deveria dar um tratamento de modo a que os alunos
consciencializassem que essas referências foram adquirindo a dimensão de
mito ao longo do
/ 25 / tempo e que
constituem uma importante herança cultural que devemos saber identificar
e respeitar.
Quanto a este ponto, foi solicitada a colaboração da
professora de História, numa perspectiva interdisciplinar, já que o
programa desta disciplina contempla o estudo da civilização grega.
O trabalho em Língua Portuguesa desenvolveu-se sempre em
tomo do texto do capítulo VII de "A Odisseia". Os elementos de natureza
civilizacional e histórico mereciam o acompanhamento e respectivo
alargamento por parte da professora de História.
Em
primeiro lugar foi pedido aos alunos que identificassem as principais
personagens que actuam neste texto; em seguida deveriam atribuir a cada
personagem as acções por elas praticadas, fazendo, sempre que possível,
transcrições do texto.
Este levantamento conduziu facilmente à primeira grande
distinção a fazer: o universo dos vivos e o universo dos mortos: "As
sombras que desejam conviver com os vivos, se desprezam os alimentos que
os vivos comem, mudas sombras ficam, sombras vagas que não falam nem se
entendem com os vivos..." (p. 107).
Familiarizaram-se também com personagens individuais:
Cerbero e Tirésias. A partir das acções que lhes foram atribuídas, os
alunos deveriam indicar que tipo de funções desempenhavam.
Dentro ainda de uma perspectiva textual, foram
trabalhados alguns conceitos, como o de sacrifício, o de eternidade e o
da dimensão do desconhecido que está associado à ideia de trevas ou
sombras.
Pretendia-se também que os alunos consciencializassem,
ainda que superficialmente, que a concepção da relação vida-morte sofre
alterações com o devir temporal e que essa mesma concepção apresenta
variáveis, que funcionam em estreita relação com elementos de natureza
cultural.
O objectivo fundamental desta questão era criar um quadro
de referências a este nível, tentando, ao mesmo tempo, pôr em evidência
a necessidade de recusa de atitudes de intolerância perante cultura
diversas (cfr. Objectivos Gerais definidos para o 3.º ciclo do Ensino
Básico).
A terceira parte do trabalho deste grupo foi feita em
colaboração com a professora de Educação Visual. Foi pedido aos alunos
que fizessem uma representação gráfica do inferno, que reflectisse uma
mundividência pessoal desta realidade.
– Depois de elaborados, os trabalhos foram comentados
oralmente pelo conjunto da turma, criando-se assim um espaço de debate,
onde foi possível, não só disciplinar a atitude do saber ouvir, como
ainda desenvolver competências ao nível estético e conceptual.
Por último, e ainda dentro desta temática ligada ao mito
e ao fantástico, os alunos deveriam identificar Sísifo e Tântalo e
interpretar o tormento de um e o suplício do outro. Detectada a relação
causal de crime e castigo, presente nos dois casos, foi analisada a
exemplaridade destes mitos e o processo da sua actualização.
Este grupo interveio de forma empenhada e participada,
tendo a apresentação dos trabalhos suscitado a maior atenção dos
colegas.
Note-se que o facto de serem utilizadas várias
modalidades de expressão – a escrita, a oral e a gráfica – diversifica
as formas de comunicação, criando assim maior disponibilidade por parte
de quem participa, quer expondo, quer ouvindo. Pensamos ainda que a
temática trabalhada por este não foi alheia ao interesse que despertou
junto do conjunto dos alunos.
3) O percurso de Ulisses – organização interna da
narrativa
/ 26 /
Os alunos que integravam este grupo foram definidos como os companheiros
desconhecidos de Ulisses, aqueles que acompanhariam à sua viagem com a
função de repórter, de tomar notas para que se pudesse traçar a rota de
Ulisses.
Este trabalho tinha como objectivo fundamental
estabelecer um paralelismo entre a organização interna da narrativa e o
percurso de Ulisses.
Para
que os alunos pudessem aperceber-se melhor da estrutura interna da
narrativa, entendemos que seria oportuno sistematizar algumas ideias
sobre o narrador e sua caracterização, sobre o tempo e o espaço. Para
análise da estrutura interna desta narrativa é importante dispor destes
instrumentos operatórios, porque eles se interligam aqui de uma forma
particular, como facilmente se poderá inferir da observação do
organigrama que mais à frente se apresentará.
Sem pretendermos introduzir noções especializadas ou
nomenclatura de teoria literária, os alunos foram sensibilizados para a
analepse utilizada, por se tratar de um elemento fundamental para a
compreensão do desenvolvimento estrutural da narrativa.
Feita a pesquisa e reconhecimento dos elementos
geográficos identificáveis, foi proposto aos alunos que representassem,
em esquema, a partir dos resultados obtidos, o percurso de Ulisses.
Reconhecidos os pontos essenciais da rota do herói da
"Odisseia", foi pedido aos alunos que identificassem os narradores
presentes e que os relacionassem com as sequências narrativas situadas
em cada um dos espaços.
Para realizar esta tarefa seria necessário que os alunos
operassem com vários conceitos e fizessem exercícios de relação que
implicavam o conhecimento global da obra. Tendo em conta estes factos,
fez-se a preparação e o acompanhamento deste trabalho com alguma
precaução, para que se não corresse o risco de os alunos se
desinteressarem face aos obstáculos encontrados.
Defrontando algumas dificuldades, os discentes atingiram,
no essencial, os objectivos propostos para este trabalho, estabelecendo
uma relação entre o percurso de Ulisses e a estrutura interna da
narrativa.
Com os elementos recolhidos pelo grupo de trabalho,
esboçou o professor o organigrama que a seguir se apresenta e que,
depois de transcrito em acetato, foi apresentado à turma. Os alunos
aperceberam-se assim do funcionamento interno da "Odisseia" e, na
sequência do debate estabelecido em torno do organigrama, foi possível
fazer uma síntese da leitura da obra, sistematizando alguns dos
conceitos a que nos vimos referindo.
4) A beleza da linguagem – aspectos estilísticos
Mais do que transmitir informações sobre conteúdos de
natureza estético-literária, procurámos encontrar estratégias que
sensibilizassem os alunos para o poder evocador de certas palavras ou
expressões, para a beleza e a dimensão estética que a linguagem pode
assumir, chamando a sua atenção para o facto de certas associações de
signos linguísticas poderem produzir efeitos pouco comuns ou
inesperados.
Para tanto foram dadas orientações claras e precisas de
forma a que este trabalho não se tornasse enfadonho e desmotivador.
É verdade também que previamente se esclareceram e
sistematizaram as noções de gramática da língua que se referem às
categorias morfológicas.
Escolhemos os textos dos capítulos III e IV para fazer
esta
/ 27 / abordagem.
Em relação ao capítulo III, foi pedido aos alunos que
detectassem as formas verbais, cujos sujeitos fossem Neptuno, Ulisses e
a costa. Deveriam, em seguida, dividir em dois grupos os verbos
atribuídos a Ulisses, indicando, por um lado, os que significavam acções
e, por outro, os que exprimiam sentimentos ou estados de alma.
O levantamento feito permitiu que os alunos se
apercebessem que a utilização do verbo pode provocar efeitos
diversificados, imprimindo maior ou menor rapidez à acção, emprestando
cambiantes variados aos sentimentos e estados de alma das personagens,
criando, por vezes, situações inesperadas.
Na sequência do que se disse, os aspectos observados
neste capítulo foram os seguintes:
1– A carga semântica de que alguns verbos são portadores:
"Dezassete dias vogou o nosso herói, sem que o tempo
mudasse." – p. 29
"A bruma cercava aquelas paragens." p. 31
"Como homem que, em descampado distante de terras
povoadas, aconchega nas cinzas as brasas do lume que dificilmente
conseguira acender, receando que ele se apague – o pai de Telémaco
escondeu-se e aconchegou-se debaixo das folhas, para se defender de
qualquer ameaça que porventura surgisse."
2 – Acumulação verbal, sugerindo as numerosas
dificuldades e a heroicidade dos actos praticados:
"Escorre catadupas de água, mexe-se, respira com
dificuldade. Não esquece porém a embarcação. Salta de novo (...)" p. 31
3 – O abrandamento traduzido pela perifrástica" deixa-se
ir vogando", que quase sugere a desistência, logo a seguir contrariada
pela negativa: "Mas Ulisses não abandona as tábuas (...)" p. 32
4 – Animização expressa pelos verbos presentes no
seguinte texto:
"Mas, ai! a costa eriçava-se ali de rochedos ásperos, de
escolhos pontiagudos e, contra eles, o mar espirrava e ululava
sinistramente." p. 33
Perfilhando a ideia expressa por Rodrigues Lapa na sua
"Estilística da Língua Portuguesa" de que "As palavras suscitam em nós
as imagens das coisas a que se referem; mas como essas coisas podem
revestir vários aspectos, cada um de nós apreende na palavra o seu
aspecto pessoal, aquele que particularmente lhe interessa.", alertámos
os alunos para as sonoridades de palavras como "escolhos" e
"pontiagudos" e para as sugestões que poderiam a elas estar associadas.
Ainda na busca de potencialidades estilísticas, sobretudo
do substantivo e do adjectivo, sugerimos a análise dos textos do
capítulo IV que a seguir transcrevemos:
"Quando Ulisses chegava, realizava-se no palácio um
grande festim, como tantas vezes acontecia. Erguidas sobre pedestais
magníficos, estátuas de ouro representando vigorosos adolescentes
seguravam archotes que iluminavam toda a sala.
Cinquenta escravas, ricamente vestidas, como o trigo
louro, ou cruzavam preciosos nos teares. (???)
Os Feácios eram em tudo um povo ilustre e todos os seus
homens, superiores a todos a governar os barcos no meio de belas
mulheres hábeis nos mais variados bordados e tecidos luxuosos.
Árvores de fruto, carregadas de pomos (?) que
frutificavam em todas as estações, horta sempre verdejante e sempre
fresca e lustrosa rodeava o belo edifício. Ulisses contemplava
embevecido aquela ….(Ilegível – consultar o original págs. 48-49 e
completar) depressa sacudiu ????? que o tomara." pp. 48-49.
O texto acima transcrito serviu-nos como base de trabalho
para o estudo das potencialidades estilísticas do adjectivo.
Foi feito, em primeiro lugar, o levantamento dos
adjectivos presentes, que os alunos depois deveriam agrupar,
atendendo ao seguinte critério:
1) – adjectivos que atribuem características objectivas
2) – adjectivos que evidenciam uma visão pessoal da
realidade
3) – adjectivos que traduzem características transmitidas
pelos sentidos (visão, audição, tacto, gosto ou olfacto).
No primeiro grupo foram englobados adjectivos como:
acesos, hábeis, sábio.
Para integrar o segundo grupo
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foram indicados os adjectivos: magníficos, ilustre, belo, preciosos.
Os adjectivos identificados como portadores de uma carga
sensorial, foram os seguintes: verdejantes, fresca e lustrosa.
Terminada a despistagem dos adjectivos e o subsequente
agrupamento, o trabalho prosseguiu faseadamente.
Era necessário que, em primeiro lugar, ficasse
esclarecido o conceito geral de adjectivo, como modificador do nome,
para que, em seguida, os alunos pudessem compreender e sentir a outra
dimensão da palavra, a que evoca ou sugere. Observando os casos em
análise, deveriam aperceber-se que o adjectivo pode estabelecer ligações
muito pessoais com o nome, elos de amor ou ódio, simpatia ou antipatia,
admiração ou desprezo e que poderão mesmo traduzir uma relação sensorial
ou sinestésica com o real.
Este grupo prosseguiu o seu trabalho de pesquisa das
potencialidades estéticas da língua, fazendo o estudo da presença do
nome e da sua dimensão expressiva no texto que a seguir se transcreve:
"A noite caía. Nessa hora de esperança jubilosa, há muito
não sentida pelo subtil Ulisses, Arete mandou preparar um leito
confortável, coberto de púrpura fina, onde o herói repousasse das suas
fadigas e proezas. Pronto o leito, Ulisses despediu-se dos seus
clementes hospedeiros. E todos três, até que a aurora rompeu,
descansaram em silêncio no palácio de mármore, de ouro e de bronze, que
a bondade graciosa de Nausica abrira ao náufrago errante, perdido longe
de tudo quanto mais desejava e amava..." p. 1
Clarificados os conceitos de nome concreto e nome
abstracto, procurámos que alunos se apercebessem da carga evocativa e
emotiva que nomes como leito, púrpura, fadigas, proezas ou náufrago
podem assumir em determinados contextos.
Para que melhor pudessem entender esta capacidade que o
nome tem de, também ele, ser portador de evocações e de beleza, fizemos
alguns exercícios de aplicação que consistiam na substituição dos nomes
acima indicados por outros de sentido idêntico.
Este aspecto não foi, intencionalmente, muito
aprofundado, atendendo ao nível etário dos alunos. Aliás, já na proposta
inicial para este trabalho se falava de sensibilização para os elementos
que conferem uma dimensão estética à linguagem.
5) – O papel de Minerva e Neptuno na "Odisseia"
Seria prematuro sugerir o paralelismo, em termos
estruturais, das intervenções de Minerva e Neptuno na "Odisseia" com as
de Vénus e Baco em "Os Lusíadas".
Entendemos, no entanto, que se os alunos compreenderem e
interiorizarem o papel de Minerva e Neptuno dentro da estrutura
narrativa da "Odisseia", ao estudar em "Os Lusíadas" o papel adjuvante
de Vénus e o de oponente, que cabe a Baco, actualizarão com maior
facilidade o que agora para eles não passa de uma história em que há
amigos que protegem e inimigos que contrariam o rumo certo dos
acontecimentos.
Por outro lado sabemos que o conhecimento resulta
exactamente da interacção de vários saberes e que a consolidação dos
conceitos se faz, frequentemente, por associações sucessivas.
Na prática foi pedido a este grupo que detectasse, ao
longo da obra, as passagens em que se verificavam intervenções de
Minerva e de Neptuno. Essas passagens deveriam ser sumariamente
descritas e, em seguida, agrupadas, segundo a posição tomada por cada um
dos protagonistas destas acções, face a Ulisses e ao se destino. Depois
de se ter concluído que Minerva intervinha para favorecer o herói da
"Odisseia" e que o deus do mar procurava contrariar o normal
prosseguimento da viagem de Ulisses, os alunos deveriam encontrar
explicações que lhes parecessem plausíveis para estes factos. Para tanto
e, se assim o entendessem, poderiam apresentar dados biográficos que,
entretanto, deveriam recolher.
Com o desenvolvimento deste trabalho, os alunos
arrecadaram dois conceitos – o de adjuvante e o de oponente
(dispensando, evidentemente, esta nomenclatura)
Conclusões
Todo o trabalho que desenvolvemos na área da leitura,
durante este ano lectivo, teve como primeira finalidade ganhar os nossos
jovens
/ 29 / alunos para a causa
da leitura.
Animados de grande optimismo e certos de que os conceitos
de justiça, igualdade, fraternidade são valores estéticos e morais a que
a juventude é sensível e que a procura da beleza e da perfeição são
processos inalienáveis da condição humana, procurámos que os nossos
alunos convivessem com esses valores através da leitura.
Lemos os livros recomendados pelos programas: "Odisseia",
o conto de José Rodrigues Migueis "Arroz do Céu" e ainda "O Cavaleiro da
Dinamarca" de Sophia de MeIo Breyner Andresen.
Mas lemos mais, muito mais: artigos de jornal, excertos
de obras completas, banda desenhada, poemas, tudo o que de alguma forma
pudesse criar centros de interesse.
E concluímos o ano lectivo com a sensação de que não
tínhamos atravessado o deserto, algumas sementes ficaram, algumas
germinarão…
Para conhecer a opinião dos alunos sobre o trabalho
realizado preparámos um inquérito, que juntamos em anexo. (anexo I)
Das respostas obtidas, podemos fazer a seguinte leitura:
1) - As três actividades que mais interessaram os alunos,
nas aulas de Português, foram, por ordem decrescente, as seguintes:
actividades relacionadas com a biblioteca de turma, trabalho de grupo,
estudo da "Odisseia".
Em grupo, os alunos trabalharam os domínios do Ler e do
Escrever.
2) - É gratificante verificar que a soma de obras lidas
pelo conjunto de alunos da turma ronda os 354.
3) - Dos livros existentes na biblioteca de turma, aquele
que mereceu melhor acolhimento por parte dos alunos foi "Diário de um
Adolescente com a Mania da Saúde".
4) - Das obras que estudámos nas aulas a que mais os
interessou foi a "Odisseia", seguida de "Arroz do Céu".
5) - A maioria dos alunos pensa que não conseguiu ter
acesso a todas as obras da biblioteca de turma.
6) - Apresentam seis títulos que lamentam não ter lido.
7) - A modalidade de leitura que mais agradou aos alunos
foi a que foi feita em voz alta pelo professor, logo seguida da leitura
silenciosa.
8) - Quanto ao local escolhido para a leitura, as
respostas são diversificadas, havendo, no entanto, um denominador comum
– a maioria prefere ler em casa, em solidão.
Baseados
nos resultados do inquérito aplicado aos alunos, poderemos fazer uma
avaliação do trabalho realizado e desenvolver algumas ideias sobre a
leitura ou as leituras, sobre o papel que a Escola pode ou não assumir
face a este problema que entendemos cada vez mais actual.
Os actuais programas de Língua Portuguesa do III ciclo do
Ensino Básico prevêem, em relação aos programas anteriores, a leitura de
um maior número de obras completas. Da experiência colhida, pensamos que
esta poderá ter sido uma primeira medida que contribuirá para que a
Escola possa funcionar como um espaço de motivação para a leitura. O
mesmo se dirá da inclusão das actividades de biblioteca de turma, nos
processos de operacionalização do domínio da leitura recreativa.
É, para os alunos mais motivador e mais agradável a
leitura de obras completas. O estudo de textos independentes,
constituindo, ou não, unidades temáticas, apresenta-lhes uma visão
parcelar, por vezes fragmentária do real.
Pensamos que a leitura e estudo de textos independentes
poderá continuar como uma actividade válida, mas não exclusiva, nas
aulas de Língua Materna.
Um último aspecto gostaríamos de deixar registado neste
trabalho: à leitura estão intrinsecamente associadas as ideias de
liberdade, descoberta e prazer, pelo que se torna essencial que os
professores saibam criar estes espaços interior e exteriormente, para
que um dia, os nossos adolescentes de hoje não venham a parafrasear
Daniel Pennac, quando este afirma: "Tout ce que je possède de culture
littéraire, je l'ai acquis en dehors de l'école." ■
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