Escola Secundária José Estêvão, n.º 13, Set.- Dez. de 1994

Neste número do “Aliás", conforme prometemos, concluímos a publicação de um trabalho, da autoria da Prof.ª Manuela Seiça Neves. Esta segunda parte, mais prática, decerto poderá dar pistas de trabalho a alguns colegas que se defrontam com os mesmos problemas que a autora.

Voltamos a renovar a promessa de publicar trabalhos científico-pedagógicos de colegas que no-los façam chegar ao jornal. Cremos que se impõe a divulgação destes e de outros trabalhos, permitindo a partilha de experiências pedagógicas e de pontos de vista diversos em matérias de carácter científico, evitando, assim, que fiquem arquivados "ad aeternum", sem servir a ninguém.

 

Uma proposta de leitura orientada para "A Odisseia".

No que diz respeito à exploração da obra, no âmbito da disciplina de Língua Portuguesa, foram definidos os seguintes objectivos:

1) – desenvolver a capacidade de compreensão

2) – adquirir vocabulário, nomeadamente na área dos barcos

3) – actualizar dados históricos relacionados com o tema

4) – conhecer os mitos clássicos e promover a sua actualização

5) – consciencializar aspectos da cultura clássica

6) – relacionar a informação textual com o reportório cognitivo pessoal

7) – reconhecer e justificar o valor e o uso de expressões retóricas e estilísticas

8) – identificar os meios utilizados para a construção do herói

9) – actualizar o conceito de herói

10) – consciencializar as noções de verosimilhança e inverosimilhança.

Depois de termos lido e comentado, na aula, a introdução, escrita pelo próprio João de Barros, propusemos aos alunos que fizessem uma leitura global da obra.

Tentámos, antes de mais, que esta introdução fosse suficientemente motivadora. Para tanto, procurou situar-se a acção no tempo histórico e no espaço geográfico.

Foi pedido aos alunos que lessem a obra, em casa, para posteriormente se poderem trabalhar na aula os aspectos atrás enunciados.

Ultrapassado o tempo concedido para a leitura, inquirimos sobre o cumprimento ou incumprimento da tarefa e verificámos o seguinte:

1) – a maioria dos alunos não tinha terminado a leitura da obra no prazo estabelecido

2) – todos aqueles que tinham iniciado a leitura da obra manifestaram o seu agrado, quer em relação à temática, quer em relação à urdidura narrativa.

A leitura, não fazendo parte dos hábitos quotidianos da maioria dos jovens, / 19 / não disputa o lugar a outros instrumentos lúdicos com que os adolescentes preenchem os seus momentos de ócio.

Por outro lado, do ponto de vista das obrigações escolares, a leitura situa-se num plano híbrido; ao procurar retirar à prática da leitura o carácter de obrigatoriedade, está a desvalorizar-se esta actividade (na perspectiva dos alunos e dos encarregados de educação) em detrimento de outras obrigações escolares, como seja, o estudo de conteúdos de outras matérias ou da própria Língua Portuguesa. Criam-se, por vezes, situações paradoxais, nomeadamente em momentos de mudança.

Para ultrapassar este impasse e, atendendo à própria sintaxe narrativa da obra em causa, pusemos em prática algumas estratégias que, dispensando o seu conhecimento integral, favoreciam a compreensão dos capítulos iniciais para que, em seguida, se passasse a um estudo da obra de carácter mais globalizante.

Para os capítulos iniciais foram então utilizadas as seguintes estratégias:

– questionários de ideias

– levantamento de vocabulário

– inventários temáticos

– exercícios de resumo

No primeiro capítulo são definidas as grandes linhas de força, em termos de diegese e de sintagmática textual. Foi, por isso, dada a este capítulo uma atenção especial, pois entendemos que ele pode ser considerado como o pólo irradiador dos elementos essenciais da sintagmática narrativa, funcionando como o primeiro elemento motivador para esta leitura orientada.

Para iniciar o estudo da obra foram propostas as seguintes tarefas:

1) - a partir de mapas que fornecemos aos alunos, foi-lhes pedido que situassem a acção no espaço, a partir das referências textuais contidas no primeiro capítulo.

2) - foi-lhes também solicitado que fizessem o levantamento das expressões indiciadoras da situação e do devir temporal.

3) - ainda a partir das referências textuais e após o estudo da técnica do retrato, compôs-se um retrato de Ulisses, em que se apontavam já alguns elementos utilizados para a construção do herói.

A elaboração do dicionário de mitologia foi, para os alunos, uma actividade profundamente motivadora, A procura dos elementos requeridos levou-os a consultar enciclopédias e outras obras que lhes fornecessem dados sobre a matéria em estudo. Muitas destas consultas foram feitas na biblioteca da Escola, bastante bem apetrechada neste domínio.

Além disso, o contacto com a mitologia forneceu-lhes os primeiros quadros de referência sobre o mito, ao mesmo tempo que os levava a viver intensamente algumas das histórias relacionadas com os heróis com quem contactavam.

Esta actividade acompanhou o estudo de toda a obra, uma vez que os elementos mitológicos vão intervindo de forma directa ou indirecta na acção, constituindo assim uma constante na sintaxe narrativa da obra.

Em relação ao capítulo II, optou-se por organizar um questionário escrito que testasse a percepção dos elementos textuais mais significativos, fazendo assim uma leitura orientada para selecção da informação principal e para desenvolvimento de imagens mentais.

Esta opção teve em conta dois aspectos de natureza pedagógica que consideramos do maior interesse: em primeiro lugar, a necessidade de diversificar as estratégias, no estudo orientado de uma obra completa por alunos do nível etário em que se situam os do 3.º ciclo do Ensino Básico; em segundo lugar e, na sequência do que foi dito, pensamos que a alternância entre questionários orais e questionários escritos é um processo a utilizar nas aulas de Língua Materna, atendendo até aos objectivos gerais definidos para esta disciplina. De facto se se utilizar o questionário oral como estratégia única, este procedimento pode desimplicar uma parte da turma, já que os alunos conhecem as regras: o professor coloca uma questão para toda a turma, mas na prática, só um responde: habitualmente aquele que, de livre vontade, manifesta o desejo de o fazer. Aos questionários individuais os alunos respondem mais personalizadamente, o que está sem dúvida em consonância com o espírito dos novos programas.

Este questionário visava a pesquisa de informação textual sobre os seguintes aspectos:

1) vocabulário marítimo / 20 /

2) expressões referentes à flora

3) expressões referentes à fauna

4) vocabulário referente à alimentação

5) vocabulário que representasse elementos caracterizadores da paisagem.

No que diz respeito ao vocabulário marítimo, pretendia-se sobretudo que os alunos tomassem contacto com vocábulos como enxárcia, quilha, jangada, mastros e velas, para dar início a um trabalho de pesquisa dentro desta área, como estava previsto,

O levantamento de elementos vocabulares que representam a fauna e a flora da ilha, bem como as expressões caracterizadoras da paisagem, ajudam o aluno a recriar, através de processos de abstracção e imaginação, o ambiente da ilha de Calipso, onde se situa a acção.

Para além disso, procurou-se também sensibilizá-los para a dimensão afectiva e expressiva do uso do adjectivo em expressões como: "fontes prateadas", águas límpidas", "prados esmaltados" ou "aves gorgeantes". Era importante que os alunos se apercebessem do clima de harmonia e de equilíbrio criada pelo uso destes elementos linguísticos.

A diferenciação entre o plano dos homens e o plano dos deuses está presente, neste capítulo, nomeadamente nas referências aos produtos alimentares consumidos por uns e por outros, Enquanto os deuses se deliciam com ambrósia e néctar, Ulisses levou para a sua viagem, quando saiu da ilha de Calipso, pão, carne, vinho e água.

Pensámos que, depois da identificação dos elementos essenciais da semântica e sintaxe narrativas (feita ao longo do estudo dos capítulos I e II), os alunos estariam em condições de poder trabalhar em pequenos grupos que se dedicassem a uma abordagem mais detalhada dos aspectos que considerámos de maior relevância para o trabalho de leitura orientada.

Partindo do pressuposto pedagógico-didáctico que qualquer aspecto parcelar do estudo de uma obra implica o seu conhecimento global, foram propostos aos alunos os seguintes temas:

1) A construção do herói

2) O fantástico – a magia e o horror

3) O percurso de Ulisses – organização interna da narrativa

4) A beleza da linguagem  – recursos estilísticos

5) O papel de Minerva e Neptuno na "Odisseia"

 

1 – A construção do herói

Como ponto de partida para o estudo da dimensão heróica de Ulisses, foi fornecido aos alunos o texto que a seguir se transcreve e que é constituído por pequenos excertos da obra de M. I. Finley: "O mundo de Ulisses".

"Guerreiro" e "herói" são sinónimos, e uma cultura guerreira organiza-se à volta destes dois temas fundamentais: a coragem e a honra. A coragem é a virtude essencial do herói, a honra o seu objectivo essencial.

(…) Os homens homéricos amam a vida impetuosamente, assim como fazem e sentem todas as coisas com paixão, sendo difícil imaginar personagens de que o / 21 / mártir esteja mais ausente; e, contudo a própria vida deve ceder perante a honra.

(…) A honra é por essência exclusiva, ou pelo menos, hierárquica: se cada um atingir igual honra, então não há honra para ninguém. Por esta razão, o mundo de Ulisses era, necessariamente, ferozmente competitivo: cada herói esforçava-se por superar os outros. E, visto que os heróis eram guerreiros, a competição culminava ali onde a maior batalha estava em jogo, no combate singular, no campo de batalha. É aí que o valor autêntico de um herói, o sentido da sua vida, se encontram submetidos a uma prova decisiva: quem combate ele, como combate e como se comporta.

Feita a abordagem do texto e, depois de desmontadas as principais dificuldades ao nível da compreensão das ideias, propusemos aos alunos que formulassem questões sobre o texto em análise que permitisse um melhor esclarecimento do conceito de herói.

A utilização do texto de Finley, como ponto de partida para o estudo do conceito de herói na "Odisseia", baseou-se no seguinte pressuposto pedagógico-didáctico – a leitura tornar-se-á mais interessante quando eu leio para responder às minhas próprias perguntas. Não era difícil de prever que os alunos questionassem a relação entre o herói e o guerreiro, estabelecida na obra de Finley. De facto, esta reflexão conduziu-nos ao texto da obra em estudo, capítulo lI, página doze, da edição já citada:

«Não era Ulisses muito amigo de batalhar. Diz-se que se fingira louco para não pegar em armas, e que, na hora em que o chamaram para a guerra, como quem não entende o que lhe pedem, foi lavrar um campo das suas herdades com a charrua afiada. Mas os outros gregos puseram Telémaco, filho de Ulisses e ainda então pequenino, diante da charrua. Ulisses, com receio de feri-lo não se atreveu a continuar. E os companheiros disseram logo:

"Não é doido quem sabe poupar a vida aos filhos. E obrigaram-no a partir...»

A apresentação deste texto gerou a polémica esperada, o que permitiu, por remissão para algumas passagens da obra, uma tomada de consciência, ainda que embrionária, do conceito de herói presente na "Odisseia". Na sequência deste debate de ideias, sugeriu-se que fosse feita uma leitura do texto que passaremos a transcrever, para detecção de aspectos micro-textuais que contribuem para esclarecer a relação que eventualmente possa existir entre herói e guerreiro, na "Odisseia".

«Não se vá julgar que Ulisses fosse cobarde. Era apenas um homem pacífico, sensato, só gostando de lutar em último caso. Não teve remédio, porém, senão ir combater no cerco de Tróia. E, durante o cerco, Ulisses praticou feitos notáveis e aconselhava e animava os companheiros, inventando estratagemas de subtil engenho, que deram todos óptimo resultado.»

Os aspectos micro-textuais postos em evidência foram os seguintes:

– valor semântico do verbo gostar e respectiva contextualização;

– uso do advérbio só com carácter de restrição;

– conotação bélica da expressão: "feitos notáveis"

– acumulação semântica presente na expressão: "inventando estratagemas de subtil engenho".

Depois deste levantamento, pudemos chegar às seguintes conclusões:

Ulisses torna-se herói porque aceita a condição de guerreiro e é nessa condição que ele pratica feitos notáveis. Se não tivesse sido guerreiro, não teria tido espaço para animar os companheiros "inventando estratagemas de subtil engenho".

Estes elementos forneceram-nos um retrato de Ulisses, feito ainda com traços grosseiros, mas que subtilmente associa a condição de herói à de guerreiro.

Baseando-se neste esboço, o grupo a quem foi distribuído este tema partiu à procura do herói e do guerreiro, com uma vontade firme de chegar sozinho às suas próprias conclusões, pronto para confirmar ou infirmar o que até aí se tinha apurado.

Levaram com eles as seguintes directrizes:

1) Faz o levantamento de expressões que contribuam para a construção do herói.

2) Como se de um puzzle se tratasse, junta essas expressões e constrói uma personagem coerente.

3) Sendo Ulisses uma personagem que reúne aspectos humanos e divinos, apresenta exemplos que / 22 / ilustrem cada um desses aspectos.

4) Como síntese do teu trabalho, indica as principais características evidenciadas por Ulisses no decurso da obra.

A propósito do ponto um destas directrizes de trabalho, foram introduzidas as noções de verosimilhança e inverosimilhança, instrumentos vocabulares importantes para a descodificação desta e doutras obras em que sejam utilizados elementos do fantástico. Este conceito foi evidentemente alargado a outras formas de expressão, como o cinema ou a pintura.

Os resultados do trabalho deste grupo revelaram grande argúcia e interesse, no que diz respeito à reconstituição da personagem a partir de expressões textuais. Fazendo alterações de pormenor ao texto de partida e com a introdução de segmentos de ligação que conferissem ao texto-alvo uma coerência semântica, obteve-se o seguinte produto:

"Ulisses era um homem na força da vida, de olhos brilhantes, de cabelos fartos, de estatura desempenada. Toda a gente o contempla com respeito e há até quem pense que ele seja um deus.

Quando regressava a Ítaca, depois da guerra de Tróia, perdeu-se e, durante os dez anos em que andou perdido, sucederam-lhe muitas peripécias.

Ulisses chegou à Ilha dos Feácios desgrenhado e mal coberto por alguns ramos mais tenros de árvores, com sal de espuma do mar ainda pegado aos cabelos e às faces, parecia um monstro. Só Nausica não foge e não treme. As aias deixam-na sozinha em frente do Herói. Depois de terem conversado, Nausica ordena que seja preparado um banho para Ulisses. As aias obedeceram às ordens da princesa.

Conduzido ao banho, Ulisses foi lavado e vestido e depois com a roupa e a túnica que lhe emprestaram, e perfumado com    o resto da essência que sobejara. Nem parecia o mesmo. Limpo das crostas de sal, penteado de modo que o farto cabelo encaracolava e caía harmoniosamente sobre os ombros, envolto em trajes ricos dados por Nausica, a sua figura readquiriu a majestade natural.

Ulisses é acolhido no palácio de Alcino, pai de Nausica.

Durante um banquete oferecido em sua honra, Demódoco, o poeta cego, veio acompanhar e alegrar com os seus cânticos a cerimónia festiva. E – caso extraordinário! – o poema que então cantou foi uma das mais espantosas proezas de Ulisses durante a guerra, uma das proezas notáveis cuja fama chegara a toda a parte e que Demódoco evocava nesse momento, não pressentindo que a ouvia o seu próprio autor!

Era a história do cavalo de pau, que Ulisses imaginou mandar construir quando, com os seus compatriotas, combatia no cerco de Tróia. Os gregos ganharam a guerra graças ao êxito deste estratagema.

"E "– cantava Demódoco –" foi então que Ulisses, igual na coragem e no ímpeto a Marte, deus da Guerra, se dirigiu ao palácio do filho do rei dos Troianos, Deifobo, que obrigara Helena a casar com ele. Apenas acompanhado de Menelau, sustentou então um longo e difícil combate contra numerosos inimigos, conseguindo enfim vencer pela audácia, inteligência e coragem que nunca lhe faltaram, e que eram sempre em Ulisses incomparáveis e dominadoras...”

Antes de partir da Ilha dos Feácios, Alcino pediu a Ulisses que contasse a sua história. E o Herói subtil, dominando a saudade que afogava de pranto os seus olhos, principiou assim: "Sou Ulisses, filho de Laertes, Ulisses, conhecido pelas suas astúcias e façanhas e cuja glória voa até ao céu. Minha terra é Ítaca, a ilha do clima suave.

Mas já que assim o queres, Alcino, vou-te contar o que me / 23 / sucedeu desde que regressei de Tróia, com os fiéis companheiros que, depois, os naufrágios e os desastres me roubaram. O vento que então impelia as nossas velas levou-nos ao país dos Cícones, defronte da cidade de Ismaria. Ali aportei, saqueei a cidade e conquistei preciosas riquezas.

Na ilha de Circe outra desgraça nos aconteceu. Depois de desembarcarmos fomos levados à morada de Circe, que estava cantando uma canção harmoniosa, enquanto tecia um estofo magnífico, só comparável aos vestidos das deusas. Polipo, que é aliás pessoa de bom-senso, entusiasma-se e propõe que se chame a linda tecedeira. Assim fizemos. E ela veio logo, e logo abriu a porta resplandecente do palácio, e logo nos convidou a entrar. Todos lhe obedeceram. Só eu, desconfiado, não entrei. Sentam-se os outros em cómodos assentos; e Circe prepara por suas mãos e oferta-lhes uma bebida saborosa e cristalina. Sorvem-na de um trago e subitamente se lhes apaga no espírito a memória da sua terra natal. Com varinha mágica, Circe toca-os um por um e condu-los para os currais dos seus porcos. E em porcos ei-los transformados imediatamente.

Peguei então no meu gládio e no meu arco e convidei Euríloco a vir libertar os companheiros. O chefe corajoso, o meu amigo fiel, nem queria partir, nem deixar-me partir, receoso. Mas eu não vacilava: – o meu dever impelia-me a salvar os homens que lançara em tão rude aventura... E encaminhei-me resolutamente para o palácio encantado de Circe.”

Depois de muitas outras aventuras, Ulisses chegou enfim a Ítaca mas, para não ser reconhecido pelos pretendentes de Penélope, teve de se disfarçar de mendigo.

Caiu a noite. Chegou à porta do palácio um jovem mendigo –verdadeiro, esse – que ao ver Ulisses, julgou estar na presença de um concorrente, e quis bater-lhe. Mas o Herói invencível, arregaçando a túnica, mostrando os músculos vigorosos, fê-lo morder o pó. Todos aplaudiram a proeza magnífica – e os pretendentes começaram a olhar com respeito aquele estrangeiro de tão modesta aparência, mas que não receava bater-se contra um homem em plena mocidade.

Inspirado por Minerva – a deusa apareceu-lhe, indicando que se desse a conhecer a Telémaco. Ulisses saiu um momento da sua sala onde estavam ambos. E, quando voltou, nem parecia o mesmo: readquirira o porte desempenado, o aspecto varonil, e a beleza de sempre.

Telémaco, maravilhado, exclamou:

– "Estrangeiro, estais bem diferente do que eras há pouco. Serás porventura um deus, um dos eternos senhores dos campos do céu?"

– Não sou um deus, não sou um imortal, replicou Ulisses.

Enfim, Telémaco, dominando-se, quis saber tudo quanto sucedera a Ulisses. Foi uma narrativa longa... Calipso, Polifemo, Sila e Caribdes e todos os monstros que Ulisses vira, e os temporais que vencera, e as desgraças a que tinha escapado, e as navegações e perigos que arrostara e a persistência na luta contra as forças adversas, e a esperança teimosa na vitória final, – tudo Telémaco ouvia, orgulhoso e palpitante. E ninguém estranhará o seu orgulho – o orgulho de ser filho de tal pai, de um Herói cuja glória o Universo conhecia, e cujas proezas insignes voavam de boca em boca.

E Ulisses, enfim ditoso e sossegado, governou Ítaca anos e anos seguidos, enchendo-a de prosperidade e de glória. Envelheceu contente junto de Penélope, a esposa incomparável, de Telémaco, ousado sábio como o pai, – como Ulisses, o Herói de mil façanhas e ardis, o homem mais audacioso, mais persistente e hábil que a voz da fama alguma vez louvou."

A construção deste texto-puzzle foi feito com excertos retirados das seguintes páginas: 43, 47, 50, 57, 58, 61, 64, 67, 69, 94-95, 92,190,167-169 e / 24 / 201.

Quando propusemos esta actividade aos alunos estávamos conscientes do perigo que se poderia correr, levando os alunos a construir um texto que poderia confundir com plágio ou "pastiche". Para evitar situações de ambiguidade e com o intuito de esclarecer o conceito de plágio, foram clarificados os objectivos deste tipo de exercício, mostrando os seus limites, chamando mesmo a atenção para os aspectos de ilegalidade que pode assumir esta prática, quando utilizada noutros contextos.

Lembramos a este propósito Michel Cosem quando, escrevendo sobre o plágio, afirma: "C'est un exercice délicat. L'enfant utilisant les structures formelles (ou "fonctionnelles") d'un texte peut y gagner en compréhension dans I'approche de I'auteur, mais iI peut y perdre spontanéité ou en originalité."

A organização deste trabalho foi acompanhada pelo professor, que ia, a cada momento, fazendo sugestões, relembrando conceitos, sugerindo processos de selecção que levassem à distinção entre o essencial e o acessório e que, se possível, conduzissem ao desenvolvimento da capacidade de análise e de síntese.

Consideramos que a produção deste texto se revelou de grande interesse, não só por ter levado os alunos a fazer uma pesquisa motivada, já que esta estratégia tinha fins bem precisos, mas ainda porque os levou a interiorizar o conceito de herói, dividido na ambiguidade que o faz partilhar aspectos humanos e características que o situam num plano super-humano.

O texto produzido constituiu, em seguida, uma importante base de trabalho para a prossecução das actividades deste grupo, uma vez que toda a concepção do texto gira em torno da personagem principal, condensando os aspectos visados nos pontos três e quatro das referidas directrizes de trabalho: os aspectos humanos e divinos de Ulisses e as principais características evidenciadas pela personagem ao longo da obra.

 

2) – O Fantástico: a magia e o horror

O propósito de tratamento deste tema com alunos do nível etário em questão pressupõe, necessariamente, uma adequada exploração de noções que remetem para operações mentais mais elaboradas, como a abstracção.

Posto que os conceitos de verosimilhança e inverosimilhança tinham já sido tratados, entendemos que seriam as noções de fantástico e de magia que deveriam ser introduzidas. E foi a partir da pesquisa de campos lexicais que se chegou à integração dos referidos conceitos.

Relativamente à noção de horror, optou-se pela sua actualização – os jovens de hoje estão quotidianamente em contacto com cenas de horror, nomeadamente através dos noticiários da televisão, das imagens visuais e mentais fornecidas por séries televisivas transmitidas em horário nobre, ou ainda, em certos filmes a que facilmente têm acesso, quer nas salas de espectáculo, quer mesmo em casa, através do aluguer de um filme num videoclube. Foi o momento encontrado para debatermos esta temática, chamando a atenção dos jovens alunos para o carácter gratuito e deformador da utilização deste elemento no contexto referido.

Não foi difícil que eles percebessem a diferença entre este horror do quotidiano, explorado até à exaustão pelos meios audiovisuais, e o horror na sua dimensão de fantástico e de maravilhoso.

A primeira solicitação que se fez a este grupo de trabalho foi no sentido da identificação dos momentos da obra em que se recorresse à dimensão do fantástico.

A indicação de episódios como o de Polifemo, a passagem pela ilha de Eolo ou de Circe, a permanência no país dos Lestrigões foi tarefa despida de qualquer dificuldade para os alunos, familiarizados já com os referidos conceitos. Saliente-se que em todos estes episódios podemos reconhecer o fantástico aliado ao horror.

A segunda questão prendia-se com a passagem pelo Inferno, a que demos particular atenção, por entendermos que o estudo do capítulo, cuja acção principal se situa no inferno, fornece referências importantes ao nível do imaginário da cultura ocidental. Pensamos que a este assunto se deveria dar um tratamento de modo a que os alunos consciencializassem que essas referências foram adquirindo a dimensão de mito ao longo do / 25 / tempo e que constituem uma importante herança cultural que devemos saber identificar e respeitar.

Quanto a este ponto, foi solicitada a colaboração da professora de História, numa perspectiva interdisciplinar, já que o programa desta disciplina contempla o estudo da civilização grega.

O trabalho em Língua Portuguesa desenvolveu-se sempre em tomo do texto do capítulo VII de "A Odisseia". Os elementos de natureza civilizacional e histórico mereciam o acompanhamento e respectivo alargamento por parte da professora de História.

Em primeiro lugar foi pedido aos alunos que identificassem as principais personagens que actuam neste texto; em seguida deveriam atribuir a cada personagem as acções por elas praticadas, fazendo, sempre que possível, transcrições do texto.

Este levantamento conduziu facilmente à primeira grande distinção a fazer: o universo dos vivos e o universo dos mortos: "As sombras que desejam conviver com os vivos, se desprezam os alimentos que os vivos comem, mudas sombras ficam, sombras vagas que não falam nem se entendem com os vivos..." (p. 107).

Familiarizaram-se também com personagens individuais: Cerbero e Tirésias. A partir das acções que lhes foram atribuídas, os alunos deveriam indicar que tipo de funções desempenhavam.

Dentro ainda de uma perspectiva textual, foram trabalhados alguns conceitos, como o de sacrifício, o de eternidade e o da dimensão do desconhecido que está associado à ideia de trevas ou sombras.

Pretendia-se também que os alunos consciencializassem, ainda que superficialmente, que a concepção da relação vida-morte sofre alterações com o devir temporal e que essa mesma concepção apresenta variáveis, que funcionam em estreita relação com elementos de natureza cultural.

O objectivo fundamental desta questão era criar um quadro de referências a este nível, tentando, ao mesmo tempo, pôr em evidência a necessidade de recusa de atitudes de intolerância perante cultura diversas (cfr. Objectivos Gerais definidos para o 3.º ciclo do Ensino Básico).

A terceira parte do trabalho deste grupo foi feita em colaboração com a professora de Educação Visual. Foi pedido aos alunos que fizessem uma representação gráfica do inferno, que reflectisse uma mundividência pessoal desta realidade.

– Depois de elaborados, os trabalhos foram comentados oralmente pelo conjunto da turma, criando-se assim um espaço de debate, onde foi possível, não só disciplinar a atitude do saber ouvir, como ainda desenvolver competências ao nível estético e conceptual.

Por último, e ainda dentro desta temática ligada ao mito e ao fantástico, os alunos deveriam identificar Sísifo e Tântalo e interpretar o tormento de um e o suplício do outro. Detectada a relação causal de crime e castigo, presente nos dois casos, foi analisada a exemplaridade destes mitos e o processo da sua actualização.

Este grupo interveio de forma empenhada e participada, tendo a apresentação dos trabalhos suscitado a maior atenção dos colegas.

Note-se que o facto de serem utilizadas várias modalidades de expressão – a escrita, a oral e a gráfica – diversifica as formas de comunicação, criando assim maior disponibilidade por parte de quem participa, quer expondo, quer ouvindo. Pensamos ainda que a temática trabalhada por este não foi alheia ao interesse que despertou junto do conjunto dos alunos.

 

3) O percurso de Ulisses – organização interna da narrativa

/ 26 / Os alunos que integravam este grupo foram definidos como os companheiros desconhecidos de Ulisses, aqueles que acompanhariam à sua viagem com a função de repórter, de tomar notas para que se pudesse traçar a rota de Ulisses.

Este trabalho tinha como objectivo fundamental estabelecer um paralelismo entre a organização interna da narrativa e o percurso de Ulisses.

Para que os alunos pudessem aperceber-se melhor da estrutura interna da narrativa, entendemos que seria oportuno sistematizar algumas ideias sobre o narrador e sua caracterização, sobre o tempo e o espaço. Para análise da estrutura interna desta narrativa é importante dispor destes instrumentos operatórios, porque eles se interligam aqui de uma forma particular, como facilmente se poderá inferir da observação do organigrama que mais à frente se apresentará.

Sem pretendermos introduzir noções especializadas ou nomenclatura de teoria literária, os alunos foram sensibilizados para a analepse utilizada, por se tratar de um elemento fundamental para a compreensão do desenvolvimento estrutural da narrativa.

Feita a pesquisa e reconhecimento dos elementos geográficos identificáveis, foi proposto aos alunos que representassem, em esquema, a partir dos resultados obtidos, o percurso de Ulisses.

Reconhecidos os pontos essenciais da rota do herói da "Odisseia", foi pedido aos alunos que identificassem os narradores presentes e que os relacionassem com as sequências narrativas situadas em cada um dos espaços.

Para realizar esta tarefa seria necessário que os alunos operassem com vários conceitos e fizessem exercícios de relação que implicavam o conhecimento global da obra. Tendo em conta estes factos, fez-se a preparação e o acompanhamento deste trabalho com alguma precaução, para que se não corresse o risco de os alunos se desinteressarem face aos obstáculos encontrados.

Defrontando algumas dificuldades, os discentes atingiram, no essencial, os objectivos propostos para este trabalho, estabelecendo uma relação entre o percurso de Ulisses e a estrutura interna da narrativa.

Com os elementos recolhidos pelo grupo de trabalho, esboçou o professor o organigrama que a seguir se apresenta e que, depois de transcrito em acetato, foi apresentado à turma. Os alunos aperceberam-se assim do funcionamento interno da "Odisseia" e, na sequência do debate estabelecido em torno do organigrama, foi possível fazer uma síntese da leitura da obra, sistematizando alguns dos conceitos a que nos vimos referindo.

 

4) A beleza da linguagem – aspectos estilísticos

Mais do que transmitir informações sobre conteúdos de natureza estético-literária, procurámos encontrar estratégias que sensibilizassem os alunos para o poder evocador de certas palavras ou expressões, para a beleza e a dimensão estética que a linguagem pode assumir, chamando a sua atenção para o facto de certas associações de signos linguísticas poderem produzir efeitos pouco comuns ou inesperados.

Para tanto foram dadas orientações claras e precisas de forma a que este trabalho não se tornasse enfadonho e desmotivador.

É verdade também que previamente se esclareceram e sistematizaram as noções de gramática da língua que se referem às categorias morfológicas.

Escolhemos os textos dos capítulos III e IV para fazer esta / 27 / abordagem.

Em relação ao capítulo III, foi pedido aos alunos que detectassem as formas verbais, cujos sujeitos fossem Neptuno, Ulisses e a costa. Deveriam, em seguida, dividir em dois grupos os verbos atribuídos a Ulisses, indicando, por um lado, os que significavam acções e, por outro, os que exprimiam sentimentos ou estados de alma.

O levantamento feito permitiu que os alunos se apercebessem que a utilização do verbo pode provocar efeitos diversificados, imprimindo maior ou menor rapidez à acção, emprestando cambiantes variados aos sentimentos e estados de alma das personagens, criando, por vezes, situações inesperadas.

Na sequência do que se disse, os aspectos observados neste capítulo foram os seguintes:

1– A carga semântica de que alguns verbos são portadores:

"Dezassete dias vogou o nosso herói, sem que o tempo mudasse." – p. 29

"A bruma cercava aquelas paragens." p. 31

"Como homem que, em descampado distante de terras povoadas, aconchega nas cinzas as brasas do lume que dificilmente conseguira acender, receando que ele se apague – o pai de Telémaco escondeu-se e aconchegou-se debaixo das folhas, para se defender de qualquer ameaça que porventura surgisse."

2 – Acumulação verbal, sugerindo as numerosas dificuldades e a heroicidade dos actos praticados:

"Escorre catadupas de água, mexe-se, respira com dificuldade. Não esquece porém a embarcação. Salta de novo (...)" p. 31

3 – O abrandamento traduzido pela perifrástica" deixa-se ir vogando", que quase sugere a desistência, logo a seguir contrariada pela negativa: "Mas Ulisses não abandona as tábuas (...)" p. 32

4 – Animização expressa pelos verbos presentes no seguinte texto:

"Mas, ai! a costa eriçava-se ali de rochedos ásperos, de escolhos pontiagudos e, contra eles, o mar espirrava e ululava sinistramente." p. 33

Perfilhando a ideia expressa por Rodrigues Lapa na sua "Estilística da Língua Portuguesa" de que "As palavras suscitam em nós as imagens das coisas a que se referem; mas como essas coisas podem revestir vários aspectos, cada um de nós apreende na palavra o seu aspecto pessoal, aquele que particularmente lhe interessa.", alertámos os alunos para as sonoridades de palavras como "escolhos" e "pontiagudos" e para as sugestões que poderiam a elas estar associadas.

Ainda na busca de potencialidades estilísticas, sobretudo do substantivo e do adjectivo, sugerimos a análise dos textos do capítulo IV que a seguir transcrevemos:

"Quando Ulisses chegava, realizava-se no palácio um grande festim, como tantas vezes acontecia. Erguidas sobre pedestais magníficos, estátuas de ouro representando vigorosos adolescentes  seguravam archotes que iluminavam toda a sala.

Cinquenta escravas, ricamente vestidas, como o trigo louro, ou cruzavam preciosos nos teares. (???)

Os Feácios eram em tudo um povo ilustre e todos os seus homens, superiores a todos a governar os barcos no meio de belas mulheres  hábeis nos mais variados bordados e tecidos luxuosos.

Árvores de fruto, carregadas de pomos (?) que frutificavam em todas as estações, horta sempre verdejante e sempre fresca e lustrosa rodeava o belo edifício. Ulisses contemplava embevecido aquela ….(Ilegível – consultar o original págs. 48-49 e completar) depressa sacudiu ????? que o tomara." pp. 48-49.

O texto acima transcrito serviu-nos como base de trabalho para o estudo das potencialidades estilísticas do adjectivo.

Foi feito, em primeiro lugar, o levantamento dos adjectivos presentes, que os alunos depois deveriam agrupar,  atendendo ao seguinte critério:

1) – adjectivos que atribuem características objectivas

2) – adjectivos que evidenciam uma visão pessoal da realidade

3) – adjectivos que traduzem características transmitidas pelos sentidos (visão, audição, tacto, gosto ou olfacto).

No primeiro grupo foram englobados adjectivos como: acesos, hábeis, sábio.

Para integrar o segundo grupo / 28 / foram indicados os adjectivos: magníficos, ilustre, belo, preciosos.

Os adjectivos identificados como portadores de uma carga sensorial, foram os seguintes: verdejantes, fresca e lustrosa.

Terminada a despistagem dos adjectivos e o subsequente agrupamento, o trabalho prosseguiu faseadamente.

Era necessário que, em primeiro lugar, ficasse esclarecido o conceito geral de adjectivo, como modificador do nome, para que, em seguida, os alunos pudessem compreender e sentir a outra dimensão da palavra, a que evoca ou sugere. Observando os casos em análise, deveriam aperceber-se que o adjectivo pode estabelecer ligações muito pessoais com o nome, elos de amor ou ódio, simpatia ou antipatia, admiração ou desprezo e que poderão mesmo traduzir uma relação sensorial ou sinestésica com o real.

Este grupo prosseguiu o seu trabalho de pesquisa das potencialidades estéticas da língua, fazendo o estudo da presença do nome e da sua dimensão expressiva no texto que a seguir se transcreve:

"A noite caía. Nessa hora de esperança jubilosa, há muito não sentida pelo subtil Ulisses, Arete mandou preparar um leito confortável, coberto de púrpura fina, onde o herói repousasse das suas fadigas e proezas. Pronto o leito, Ulisses despediu-se dos seus clementes hospedeiros. E todos três, até que a aurora rompeu, descansaram em silêncio no palácio de mármore, de ouro e de bronze, que a bondade graciosa de Nausica abrira ao náufrago errante, perdido longe de tudo quanto mais desejava e amava..." p. 1

Clarificados os conceitos de nome concreto e nome abstracto, procurámos que alunos se apercebessem da carga evocativa e emotiva que nomes como leito, púrpura, fadigas, proezas ou náufrago podem assumir em determinados contextos.

Para que melhor pudessem entender esta capacidade que o nome tem de, também ele, ser portador de evocações e de beleza, fizemos alguns exercícios de aplicação que consistiam na substituição dos nomes acima indicados por outros de sentido idêntico.

Este aspecto não foi, intencionalmente, muito aprofundado, atendendo ao nível etário dos alunos. Aliás, já na proposta inicial para este trabalho se falava de sensibilização para os elementos que conferem uma dimensão estética à linguagem.

 

5) – O papel de Minerva e Neptuno na "Odisseia"

Seria prematuro sugerir o paralelismo, em termos estruturais, das intervenções de Minerva e Neptuno na "Odisseia" com as de Vénus e Baco em "Os Lusíadas".

Entendemos, no entanto, que se os alunos compreenderem e interiorizarem o papel de Minerva e Neptuno dentro da estrutura narrativa da "Odisseia", ao estudar em "Os Lusíadas" o papel adjuvante de Vénus e o de oponente, que cabe a Baco, actualizarão com maior facilidade o que agora para eles não passa de uma história em que há amigos que protegem e inimigos que contrariam o rumo certo dos acontecimentos.

Por outro lado sabemos que o conhecimento resulta exactamente da interacção de vários saberes e que a consolidação dos conceitos se faz, frequentemente, por associações sucessivas.

Na prática foi pedido a este grupo que detectasse, ao longo da obra, as passagens em que se verificavam intervenções de Minerva e de Neptuno. Essas passagens deveriam ser sumariamente descritas e, em seguida, agrupadas, segundo a posição tomada por cada um dos protagonistas destas acções, face a Ulisses e ao se destino. Depois de se ter concluído que Minerva intervinha para favorecer o herói da "Odisseia" e que o deus do mar procurava contrariar o normal prosseguimento da viagem de Ulisses, os alunos deveriam encontrar explicações que lhes parecessem plausíveis para estes factos. Para tanto e, se assim o entendessem, poderiam apresentar dados biográficos que, entretanto, deveriam recolher.

Com o desenvolvimento deste trabalho, os alunos arrecadaram dois conceitos – o de adjuvante e o de oponente (dispensando, evidentemente, esta nomenclatura)

Conclusões

Todo o trabalho que desenvolvemos na área da leitura, durante este ano lectivo, teve como primeira finalidade ganhar os nossos jovens / 29 / alunos para a causa da leitura.

Animados de grande optimismo e certos de que os conceitos de justiça, igualdade, fraternidade são valores estéticos e morais a que a juventude é sensível e que a procura da beleza e da perfeição são processos inalienáveis da condição humana, procurámos que os nossos alunos convivessem com esses valores através da leitura.

Lemos os livros recomendados pelos programas: "Odisseia", o conto de José Rodrigues Migueis "Arroz do Céu" e ainda "O Cavaleiro da Dinamarca" de Sophia de MeIo Breyner Andresen.

Mas lemos mais, muito mais: artigos de jornal, excertos de obras completas, banda desenhada, poemas, tudo o que de alguma forma pudesse criar centros de interesse.

E concluímos o ano lectivo com a sensação de que não tínhamos atravessado o deserto, algumas sementes ficaram, algumas germinarão…

Para conhecer a opinião dos alunos sobre o trabalho realizado preparámos um inquérito, que juntamos em anexo. (anexo I)

Das respostas obtidas, podemos fazer a seguinte leitura:

1) - As três actividades que mais interessaram os alunos, nas aulas de Português, foram, por ordem decrescente, as seguintes: actividades relacionadas com a biblioteca de turma, trabalho de grupo, estudo da "Odisseia".

Em grupo, os alunos trabalharam os domínios do Ler e do Escrever.

2) - É gratificante verificar que a soma de obras lidas pelo conjunto de alunos da turma ronda os 354.

3) - Dos livros existentes na biblioteca de turma, aquele que mereceu melhor acolhimento por parte dos alunos foi "Diário de um Adolescente com a Mania da Saúde".

4) - Das obras que estudámos nas aulas a que mais os interessou foi a "Odisseia", seguida de "Arroz do Céu".

5) - A maioria dos alunos pensa que não conseguiu ter acesso a todas as obras da biblioteca de turma.

6) - Apresentam seis títulos que lamentam não ter lido.

7) - A modalidade de leitura que mais agradou aos alunos foi a que foi feita em voz alta pelo professor, logo seguida da leitura silenciosa.

8) - Quanto ao local escolhido para a leitura, as respostas são diversificadas, havendo, no entanto, um denominador comum – a maioria prefere ler em casa, em solidão.

Baseados nos resultados do inquérito aplicado aos alunos, poderemos fazer uma avaliação do trabalho realizado e desenvolver algumas ideias sobre a leitura ou as leituras, sobre o papel que a Escola pode ou não assumir face a este problema que entendemos cada vez mais actual.

Os actuais programas de Língua Portuguesa do III ciclo do Ensino Básico prevêem, em relação aos programas anteriores, a leitura de um maior número de obras completas. Da experiência colhida, pensamos que esta poderá ter sido uma primeira medida que contribuirá para que a Escola possa funcionar como um espaço de motivação para a leitura. O mesmo se dirá da inclusão das actividades de biblioteca de turma, nos processos de operacionalização do domínio da leitura recreativa.

É, para os alunos mais motivador e mais agradável a leitura de obras completas. O estudo de textos independentes, constituindo, ou não, unidades temáticas, apresenta-lhes uma visão parcelar, por vezes fragmentária do real.

Pensamos que a leitura e estudo de textos independentes poderá continuar como uma actividade válida, mas não exclusiva, nas aulas de Língua Materna.

Um último aspecto gostaríamos de deixar registado neste trabalho: à leitura estão intrinsecamente associadas as ideias de liberdade, descoberta e prazer, pelo que se torna essencial que os professores saibam criar estes espaços interior e exteriormente, para que um dia, os nossos adolescentes de hoje não venham a parafrasear Daniel Pennac, quando este afirma: "Tout ce que je possède de culture littéraire, je l'ai acquis en dehors de l'école." ■
 

Aliás, Escola Secundária José Estêvão

 

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