Em edição do Instituto de Cultura e Língua
Portuguesa, com reprodução na capa de um óleo sobre madeira, de
Dórdio Gomes. do Largo da Igreja de Nossa Senhora da Oliveira
(Guimarães). oferece Luís Forjaz Trigueiros um volume – O Prélio
Solitário, – que reúne conferências, intervenções académicas,
crónicas ensaísticas e artigos de um período compreendido entre 1967
e 1988, "Temas e tópicos de Literatura Portuguesa" é como Trigueiros
o subintitula, e esses temas e tópicos ora nos trazem de volta Tomaz
de Figueiredo, Vitorino Nemésio, Afonso Lopes Vieira, Camões e o
Brasil, os estudos queirosianos de guerra Da Cal, Tomás Ribeiro,
Hipólito Raposo, Fernão Lopes, o Conde Sabugosa, Branquinho da
Fonseca, ora apresentam pistas como "Para uma Redescoberta do Homem
Português", já a "Literatura como Protagonista", "Transcendência e
Sociedade", ou vocação e sacerdócio em Fernando Namora.
Intencionalmente se não citaram "Fialho de Almeida, ou o Prélio
Solitário", ou Carlos Malheiro Dias, ou "Para uma Geografia
Literária do Minho", porque forçosamente arrastam a outros tipos de
reflexão.
"Tomaz de Figueiredo, a posse de um estilo "é a
retoma de um Tomaz cada vez mais terso, mais minhoto e mais vivo;
Vitorino Nemésio é, como o título indica, "a festa de escrever", uma
festa que Nemésio, – relembra-o um seu aluno da Faculdade de Letras
da Universidade Clássica de Lisboa – encarnava também como
Professor, imaginativo, vivo, paranomástico, ora decorrente ora
recorrente, ora – raramente, – circular, ora difuso, naquela festa
que arrancava a duas colegas o seguinte diálogo, (com as palavras
todas):
– Vais ao cinema logo?
– Não, logo tenho o Nemésio,
A importância não está na casual troca de palavras,
mas na ênfase do "logo tenho o Nemésio", que talvez se possa
traduzir melhor, não com reticências, mas, decididamente, com um
ponto de exclamação entusiasta.
Surgem-nos, em O Prélio Literário,
Afonso Lopes Vieira e a sua aristocracia populista, o seu amor ao
povo, como realidade tangível, a sua defesa do "reaportuguesamento
de Portugal", a sua Campanha Vicentina, o restauro fiel dos
monumentos, as relações com Aquilino. o interesse pelo Cinema,
Camões – é o Camões das relações luso-brasileiras, do "freamento do
Português do Brasil", na tese de aproximação do Português do Brasil
do de Camões, – de Quinhentos, – por Mendonça Teles ou Gladstone
Chaves de Melo, Ernesto Guerra Da Cal é um dos temas obrigatórios
para quem aborda estudos queirosianos, e mais uma vez Luís Forjaz
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Trigueiros no-lo recorda. "Tomaz Ribeiro e A Mala da Europa"
é uma reconstituição da nova Mala da Europa, – vinte e três
anos posterior à primeira (de 1866-71), – e mais uma vez a
oportunidade de se falar de contactos luso-brasileiros, – uma das
dominantes de Luís Forjaz Trigueiros, – e, ao mesmo tempo, do autor
de D. Jaime, de Sons que Passam e da História da
Legislação Liberal Portuguesa, que foi director da nova Mala da
Europa, aí exercendo um papel relevantíssimo na aproximação do
Brasil de Portugal, (com atenção seguido pelo autor de Um Jardim
em Londres). Seguem-se "Hipólito Raposo, Prosador", "Fernão
Lopes, Cronista da Luta pela Independência". O Conde de Sabugosa é
uma viagem aos livros que não nos marcaram e mais tarde
redescobrimos, em contrapartida aos que nos vieram a decepcionar
depois de um primeiro entusiasmo distanciado no tempo; é o Donas
dos Tempos Idos, o In Memoriam, colaborado, entre outros,
por Lopes Vieira, Alfredo Pimenta, Antero de Figueiredo, Correia de
Oliveira, Agostinho de Campos, Cândido de Figueiredo; é a referência
a Rodrigues Cavalheiro, um estudioso dos Vencidos da vida, a
Jacinto do Prado Coelho e à síntese, no Dicionário de Literatura,
de Carlos Eduardo Soveral; é o evocador de quadros palacianos; é o
levantamento histórico, pelo amigo de Eça de Queirós, do Palácio
Real de Sintra ; é o autor das Neves de Antanho e a sua
distinção entre bibliófilos, bibliófobos e biblioclastas; é o pedido
de colaboração na Revista de Portugal, ao conde de Sabugosa,
pelo autor de Os Maias; é a colaboração de Sabugosa na
Revista Moderna, de Paris, com o primeiro número apresentado
pelo mesmo Eça; é, mais uma vez, a chamada à colação de Ernesto
Guerra Da Cal; é a acção de bastidores do Conde de Sabugosa em
momentos graves do reinado de El-Rei D. Carlos; é o autor de
Gente d'Algo, o reabilitador da figura e acção de D. Sebastião e
o reeducador do povo. Branquinho da Fonseca, – tão esquecido, e até
por quem tanto lhe deve, – é chamado a uma releitura. Nas "Pistas
para uma Redescoberta do Homem Português", fala-se de António
Quadros e de Portugal, Razão e Mistério, passando por
Saudosistas, Integralistas, por Leonardo Coimbra e pela Filosofia
Portuguesa, dos mais velhos aos mais novos, como "esse ensaísta
de minucioso e agudo aprofundamento dos temas nacionais que é
Pinharanda Gomes". Em "Literatura como Protagonista" o pretexto é
João Bigotte Chorão, como em "Transcendência e Sociedade" o que está
em causa são as "muitas maneiras diferentes" de cumprir Portugal, –
um Portugal "apesar de geograficamente diminuído" ainda "bastante
rico espiritual e culturalmente". A fechar o volume, Luís Forjaz
Trigueiros apresenta-nos a intervenção que fez, em 1988, (na sessão
solene comemorativa do cinquentenário da estreita literária de
Fernando Namora), na Academia das Ciências de Lisboa, onde, perante
os confrades e convidados, teve a oportunidade de pôr em relevo as
seguintes palavras de Namora:
"Dos Minhos ao Algarve, mas sobretudo aquém Tejo, é
uma peste de casario despersonalizado e desfeador, estilo casa de
banho com sanita à janela, – tumores incrustados
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numa paisagem que em vão os rejeita. Estar-se numa vila do Douro ou
da Beira Baixa acabou por dar no mesmo. O tempo e a ambiência
deixaram de habitá-las. As pessoas deixaram de pôr nelas o que lhes
vai por dentro. Dos Minhos aos Algarves, um país dia a dia perde o
seu rosto, quer nas coisas naturais que o modelam, – penhascos,
bosques, praias, falésias, – quer nas coisas que são do seu génio e
igualmente modeladoras: a habitação, o urbanismo, os
artefactos, os monumentos, os espécimes artísticos. [...] Mas quem
fala destas
coisas? Quem disso se preocupa?
Drogados da demagogia do imediato, exaltamo-nos com
o efémero e esquecemos aquilo, balizando a nossa personalidade, é o
alicerce do futuro" .
Voltando aos ensaios remetidos para o termo da
recensão, surgem-nos "Carlos Malheiro Dias, Impressionista Social",
"Para uma Geografia Literária do Minho" e, last but not least,
"Fialho ou O Prélio Literário". São os ensaios que merecem atenção
especial, embora se recomendem, entre todos os temas e tópicos de
Literatura Portuguesa do Luís Forjaz Trigueiros ora presente, o
último citado, sobre Fialho; "Vitorino Nemésio, a Festa de
Escrever"; "Tomaz Ribeiro e A Mala da Europa", pelo cuidado
posto na perquirição e "Para uma Geografia Literária do Minho".
Carlos Malheiro Dias, Impressionista Social" é a
retoma de um dos temas mais caros ao autor de Perspectivas e
Novas Perspectivas. O próprio Trigueiros escreve:
"Não se trata de um mistério crítico-biográfico, mas
não é a primeira vez que, relendo Malheiro Dias, recordando o seu
longo e árduo trânsito literário, sinto a tentação de um trabalho
fascinante, que procurarei apenas enunciar e que é o do perfil do
escritor Malheiro Dias e do homem Malheiro Dias, tão paralelos que
não podem encontrar-se ambos, tão complexos que, no entanto, ambos
se completam e identificam. Isto é, Malheiro Dias personagem de si
próprio, protagonista do romance interior que não escreveu. [...]
Volto ao tema: eis Carlos Malheiro Dias evocado agora de novo [...]
a complexidade da sua vocação avulta, ao conviver mais uma vez com o
painel variado em que ela se cumpriu e representa. E, então, outra
faceta se nos depara e talvez mais rica, e se intersecciona com as
outras e sem dominá-las se lhes ajusta e as completa: a do cronista
que ele também foi, a do jornalista de rasgo e de vasta respiração
literária, escritor quando jornalista e de certo modo jornalista
quando se faz testemunha, nas suas evocações históricas, de
episódios ou acontecimentos que não viveu. Jornalista, tal como vejo
a função e tal como procurei, anos seguidos, exercê-la: não fugaz
anotador de factos, mas homem que tem a exacta consciência de que
não basta viver o seu tempo, tem de reflecti-lo e comentá-lo". Na
Rádio, um comentador de três ao vintém contrariava, – em dizer
vendido à circunstância política, – este papel do jornalista, mas
foi éter que já se dissolveu, não é para reter, quando se chama a
atenção para as palavras de Luís Forjaz Trigueiros e se põe em
realce o cronista que repartiu a vida entre Brasil e Portugal, nas
palavras de Josué Montello; "Prosador, romancista, historiador,
jornalista, cronista, orador, ele foi” sobretudo "um impressionista
social", nas palavras de Trigueiros, que mais uma vez trata a figura
deste escritor do Norte, director da Ilustração Portuguesa,
da Revista da Semana, co-fundador de O Cruzeiro, autor
das Cartas de Lisboa, dos romances Os Telles de Albergaria
e de Paixão de Maria do Céu.
Para Uma Geografia Literária do Minho" nasce da ideia
que ocorreu ao autor em conversa com João Amândio Ribeiro. Num dos
livros de Trigueiros, Paisagens Portuguesas (Nova Fronteira,
Rio de Janeiro, 1985, 2.ª ed. de 1987), "há um capítulo intitulado
Geografia Literária de Portugal, pretexto para procurar fixar
como diferentes regiões do nosso país foram vistas, estudadas ou
apenas sentidas, ou até, digamos, interpretadas, por escritores,
filhos ou não dessas diferentes áreas regionais". Ao longo das
pesquisas feitas alguns projectos de trabalho foram aparecendo e
"Para Uma Geografia Literária do Minho" deixará "as portas abertas
para outras geografias mais completas, quer sobre o Minho quer sobre
outra província". Assim será, mas esta é, dir-se-á também, de
leitura obrigatória, e não só para os que no Minho nasceram e no
Minho vivem, – que outros lá encontrarão, lugar, como, por exemplo,
Sebastião da Gama, numa toada minhota: "Vejo de Santa
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Luzia / quanto de lá posso ver. / Vejo Ponte, vejo Braga./ Só não
vejo o meu amor [.,.] Vejo de Santa Luzia / quanto de lá posso ver.
/ Pra ver de Santa Luzia / quanto de lá quero ver / até os olhos
daria”.
"Fialho de Almeida ou O Prélio Solitário" é o
regresso de Luís Forjaz Trigueiros a Fialho de Almeida, que já
sagazmente tratara em Perspectivas. Ocorre-lhe perguntar-se se
Fialho esgotará "o seu pendor combativo, de natureza mais
panfletária que reflexiva", nas Pasquinadas e em Os Gatos
ou "se a ficção não terá sido, igualmente, para Fialho, uma forma de
combate, se a problemática social (que o impeliu a avergoar
indiscriminadamente, ao calor de reacções tantas vezes elementares,
mesmo quando fundamentadas, os homens e os costumes de que era
testemunha) não estará subjacente a algumas das páginas mais
aparentemente impressionistas que nos deixou sob a roupagem de
recriação imaginada". Por várias razões o ensaio, como é de deduzir
da temática sugerida, apresentará motivos de leitura interessada,
mas uma reflexão de Trigueiros nos deterá particularmente a atenção:
"A sua obra [de Fialho] é feita de espadeiradas na água.
Esbracejava, escrevendo. Invectivava, não discutia.
Empenhou-se
toda a vida num duro prélio, mas um prélio solitário". Fialho
espelharia, – neste entendimento, – "um modo de expressão natural",
era produto de motivações e ordem congénita e funcional", mais do
que de razões éticas, O tom panfletário de Fialho reflectiria a sua
maneira de ser, ainda que imposto pelas circunstâncias, E aí ficaria
a espadeirar na água, nesse prélio solitário em que se
empenhava, escrevendo até, às vezes, contra quem já não poderia
defender-se, e sempre e sempre destemperada e imparavelmente. Mas,
deslocada a questão para o belo título do volume, – O Prélio
Solitário, – que somos nós, que fazemos nós senão espadeirar na
água, esbracejar, neste prélio solitário em que Fialho, Luís Forjaz
Trigueiros e todos nós nos debatemos? ▪
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