Como proceder com 33 faladores inveterados, apesar da
tenra idade, manifestando-se estridentemente numa "comunicação" ansiosa
e desenfreada? – interrogavam-se os professores, invejando, talvez,
secretamente as delícias de uma turma lourinha de suecos disciplinados,
suaves, discretos.
Mas, porque haveria de ser de outro modo?
Se deixarmos de lado razões de conjuntura nacional e
internacional que afligem os docentes de muitos países desenvolvidos,
entre os quais os franceses que, segundo Éric Debarbieux, autor de "La
Violence en classe", vêem nas relações sociais e na violência
latente as razões do "perpétuel brouhaha" que serve de música de
fundo às actividades lectivas; se deixarmos também, por agora, as de
natureza didáctica e pedagógica inerentes à instituição escolar e
ignorarmos o lugar comum que as considera a densidade de ocupação e as
turmas numerosas (obstáculo inamovível, comprovado por 24 anos de
serviço e inúteis expectativas), sobressairá aquela que me parece ser a
mais profunda e arreigada causa do barulho nas nossas escolas, a que se
prende com o nosso "feitio" cultural e, por isso mesmo, mais difícil de
remover e eliminar.
Consciente, portanto, da falibilidade dos resultados,
decidi mesmo assim desafiar precisamente os meus alunos do 7.º C, acima
caracterizados, a empreenderem uma campanha antipoluição sonora, no que
fui acompanhada desde o início pela professora de Ciências da Natureza
no âmbito da sua disciplina. E, como as necessidades de formação o
justificavam, comecei por sacrificar, a espaços regulares, alguns
minutos da aula de francês, partindo do pressuposto que, se o aluno
reflecte, naturalmente, atitudes do seu meio social, é, ele próprio
também, factor de socialização, agente privilegiado de mudança, portador
que é de trocas de influência permanentes que, não provocando alterações
imediatas, podem atenuar hábitos nocivos lenta e sensivelmente.
Comecei, então, por convidá-los a observarem o mundo
circundante, partindo de si próprios na sua relação com os outros: na
família, em casa, no prédio, no carro, na escola, nos transportes, nas
visitas hospitalares, nos locais de diversão e nas festas.
Seria pacífico ler-se um livro num comboio, descansar na
própria casa, manter uma conversa num restaurante ou numa feira, quando
um intenso volume de som proveniente de várias fontes simultâneas
atinge, por vezes, valores inacreditáveis?
Procurou-se que relacionassem a qualidade, intensidade e
acumulação de sons com os espaços e momentos em que são produzidos e
foram alertados para o enorme risco a que estão expostos os disco-jokeys,
trocando um bom salário de poucos dias por uma prótese ou uma surdez
irreversível.
Feita a sensibilização, foi-lhes pedido que procurassem
documentação e testemunhos nos media escritos e, significativamente,
pouco encontraram. Mas, referiram casos de perturbação física e
psicológica de familiares que contraíram doenças em locais de trabalho
ruidosos.
Dessas situações se fez, naturalmente, a transposição
para o espaço escolar, evidenciando-se os casos em que a aprendizagem se
processa num banho de ruído permanente, gerando irritabilidade,
perturbação e insucesso.
Clarificou-se essa noção que, particularmente numa sala
de aula, pode nada ter a ver com a intensidade e, dada a sua
oportunidade, actualizou-se o seu significado linguístico, despido de
roupagens teórico-reflexivas.
Um grupo razoavelmente numeroso do 7.º C reuniu-se,
então, fora dos tempos de aula para proceder à análise e selecção dos
documentos recolhidos ou elaborados em casa (informação científica,
notícias, legislação, desenhos e textos em poesia ou prosa expressos nas
três línguas estudadas), os quais, vindo a ser expostos em dois
placards, procuravam chamar a atenção da comunidade escolar para o
problema.
Paralelamente, a iniciativa da professora de Ciências,
Laura Maria, e do grupo de estágio a que pertence, culminou com uma
iniciativa de grande interesse, não só pela qualidade científica, como
pelo universo de alunos abrangidos (dos 7.º e 8.º anos). Convidaram a
vir à escola o Engenheiro José Dâmaso, da Comissão de Coordenação da
Região Norte da Secretaria de Estado do Ambiente que, numa linguagem
simples, mas rigorosa, adequada ao nível etário dos numerosos
participantes, os alertou para um tipo de poluição que, pelas proporções
que vem atingindo, provoca graves danos e desconforto no nosso
quotidiano.
A sessão foi aberta a todos os interessados, pois só
começando por si própria e promovendo a reflexão, a escola, incapaz que
é de alterar a organização e as relações sociais, poderá procurar
influenciar a comunidade em que se insere na superação de condutas
prejudiciais e abusivas, praticadas de diversas formas por largas e
diversas camadas da nossa estratificada sociedade. Apesar do doloroso e
rápido esbatimento, a que assistimos, do que de mais puro e genuíno
possuímos, não correríamos, neste caso, o risco de perder a nossa
identidade cultural.
Entretanto,
a Ana Patrícia do 7.º C parece já ter despertado para uma observação
auditiva crítica, ao escrever:
"O barulho é constituído
Por alguns fenómenos vulgares,
Só que o barulho produzido
Não está nos seus devidos lugares"
Dulce
Cunha Reis
Directora da Turma C do 7.º ano
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