A concha como motivo de outros interesses
A concha, em geral, foi também aproveitada por povos
primitivos que a trabalharam e fizeram dela delicados objectos e também
símbolos religiosos.
Tem sido citada e reproduzida a imagem de uma concha
trabalhada, da família dos Tritonídeos, do género Charonia
que foi encontrada num túmulo azteca e que se encontra resguardada no
Museu de Antropologia da cidade do México.
Nas costas portuguesas, aparece frequentemente uma concha
bivalve que, desde a Idade Média, se apresenta como um símbolo
religioso, usada pelos romeiros ou peregrinos ao santuário de S. Tiago
de Compostela, levando-a fixada no chapéu e no manto. Por isso, os
franceses chamam-lhe concha de S. Tiago (Coquille St. Jacques)
e grande peregrina (Grande pélerine). É o PECTEN MAXIMUS
L, com dimensões de 8 a 15 cm, constituída por valvas desiguais,
radiadas, sendo uma convexa e a outra plana.
Toda a gente conhece, porém, os delicados trabalhos que
actualmente se fazem com conchas, como pequenos objectos de adorno,
pequenos candeeiros e outros objectos-recordação de várias partes do
mundo.
A Itália, e em especial certas oficinas de Nápoles,
importava de Moçambique o Cypraecassis rufa L, com cuja matéria
rosada os seus importadores faziam belos objectos de recordação com
imagens gravadas, lindíssimos camafeus, etc.
O opérculo do turbilho-tapeçaria (Turbo
petholatus L) do Indo-Pacífico, tornou-se conhecido pela sua forma
arredondada e pela disposição das suas cores verde ou escuro-azulado.
tomando o nome de olho de gato, o qual, pela sua beleza, é aproveitado
em joalharia. Entre nós, em zonas arenosas do Algarve, particularmente
nos fundos arenosos da Ria de Lagos, aparece um género de Astraea
rugosa L. cujo opérculo, mais ou menos em forma de fava, de uma cor
brilhante rosa-branco, ostenta também uma singular beleza.
Nas cidades e povoações das costas africanas do Índico,
são frequentes os belos colares de pequenas cipreias, de
olivas e de pequenos cónus, com um pingente de forma variada,
sendo o mais vulgar a cruz ou até um cónus maior.
Das muitas famílias das conchas, há pelo menos três que
atraem particularmente os coleccionadores: a das Cypraeas, a das
Volutas e a dos Cónus. Naturalmente que há outras de
exemplares muito belos que não deixam de exercer uma atracção muito
especial sobre as pessoas que se interessam por esta matéria e procuram
ter, na sua posse, os exemplares mais variados e das origens mais
diversas.
Para terminar este conjunto de ideias sobre algumas
conchas, quero chamar a atenção para uma que, a partir dos
descobrimentos no Oceano Índico, passou a ter um uso muito especial
entre alguns povos europeus, mormente em França e em Portugal.
Por vezes, ao entrarmos em algumas igrejas antigas,
deparamos com recipientes mais ou menos pesados contendo água-benta ou
sendo as próprias pias baptismais. Muitos deles não foram feitos pela
mão do homem, mas aproveitados tal como a natureza no-los oferece nas
partes orientais do globo. São as chamadas tridacnas que, pelo
seu tamanho, foram utilizadas com esse fim. São bivalves enormes que
vivem nos recifes de corais; são de tal maneira pesadas que chegam a
atingir mais de 250 kg e, por isso, acabam por ficar fixas,
alimentando-se de algas marinhas e podem tornar-se um perigo para os
mergulhadores menos experimentados. Quando o animal está fixado num
recife de corais, só a valva de cima é que se move, isto é, abre e
fecha. Se um mergulhador a confundir com certos corais e, por engano,
colocar um pé ou meter a mão entre as duas valvas, o animal defende-se
fechando, não lhe dando, assim, qualquer possibilidade de salvação,
morrendo afogado.
Esta é a TRIDACNA GIGAS L que os franceses designam por
bénitier géant, para a distinguir da TRIDACNA NOAE Roding, também
do Indo-Pacífico, mas principalmente das Filipinas e da Micronésia, a
que os franceses chamam bénitier cannelé, cujo tamanho é muito
menor do que a anterior. De facto, a tridacna gigante chega a medir
entre 60 e 120 cm, enquanto a tridacna caneada oscila entre 7 e 30 cm.
Há ainda outros tipos da família das TRIDACNIDAE, sempre
conchas de valvas fortes, sólidas, mas de tamanho médio, podendo atingir
os 40 cm, as quais, para além do canelamento singelo, podem apresentar
uma espécie de laminas arredondadas, mais ou menos finas; uma delas,
também do Indo-Pacífico, onde é comum, é a chamada Tridacna squamos a,
Lamarck. Outra, a Tridacna maxima, Roding, de forma alongada e,
por isso, designada por clongata por Lamarck, vive no
Indo-Pacífico, desde a África oriental até à Polinésia. Roding
considera-a tridacna gigante, dizendo que pode ultrapassar um
metro.
As valvas das tridacnas foram usadas como pias de
água-benta e como pias baptismais, como já afirmámos. A velha república
de Veneza ofereceu a Francisco I um magnífico exemplar de valva desta
concha, que se encontra, como pia baptismal, na Igreja de S. Sulpício,
em Paris.
Os moluscos das tridacnas são comestíveis e as suas
valvas, em climas tropicais donde são originais, servem para captar a
água das chuvas.
A Inglaterra apercebeu-se muito bem da importância e do valor primitivo
da concha, como dinheiro, nos territórios do seu vasto império. Que nós
conheçamos, só os ingleses tiveram a ideia de perpetuar esse valor
através da cunhagem de moeda moderna com a imagem de búzios
característicos de cada território.
Assim, na República do Gana, aparece, na denominação monetária, a
palavra cedi, de "sedie", significando cauri (ingl.
cowrie), para designar uma pequena cipreia, impressa na própria
moeda (em 1979) a que deu o seu nome, por representar a moeda-concha
usada por essas tribos da costa ocidental da África.
No arquipélago das Bahamas, situado a este da Florida, ao norte de Cuba,
no Oceano Atlântico, a moeda de prata de um dólar, de 1966-71, e de
cuproníquel de 1974-75, ostenta uma concha da família Strombidae,
que pode muito bem ser o Strombus pugilis L, muito comum nesta
região.
As Ilhas Cook, como um território da Nova Zelândia, no Pacífico do Sul,
mostram também, na moeda de 20 cêntimos de 1976, uma concha própria
deste Oceano, designada por Tritão do Pacífico, a Charonia
tritonis L.
As Ilhas Tuvalu, no Pacífico Sul,
/ 20 / ao norte das Ilhas Fiji, como
as anteriores membro do Commonwealth of Nations, ostenta, na
moeda de um cêntimo de 1976, um Pterocero da família
Strombidae.
Além destas imagens de conchas, impressas ou gravadas em moedas a que
nos referimos, de algumas monografias e catálogos que conhecemos sobre
malacologia e conquiologia, muitos outros assuntos poderíamos ainda
apresentar.
Há, porém, outros processos de divulgação da imagem da concha,
originária dos litorais marítimos dos respectivos países e outros
territórios onde estes animais têm o seu próprio habitar.
É por isso que afirmamos que um desses processos, pelo qual a imagem da
concha mais se tem feito representar, modernamente, tem sido o selo do
correio.
De facto, em ligação mais estreita connosco, conhecemos belíssimas
emissões de Moçambique, de Angola, de Cabo Verde, de S. Tomé e Príncipe,
países que, de longa data, mantiveram relações mais próximas com
Portugal, incluindo o próprio Brasil.
De outros países, temos conhecimento de algumas emissões: da Rússia, dos
Estados Unidos da América do Norte, das Repúblicas do Toga e do Quénia,
de Singapura, do Vietname, do Japão, das Ilhas Maldivas, das Ilhas da
Nova Caledónia e da Austrália, bem como de selos com representações de
conchas fósseis da República Islâmica da Mauritânia.
É evidente que muitos outros países terão explorado a representação da
concha não só através dos selos mas também por outros meios. Nós
pensamos que hoje é possível oferecer imagens das conchas através dos
selos do correio, se não da totalidade, pelo menos da maior parte das
suas famílias.
São motivos atraentes que, deste modo, podem ser levados aos vários
pontos do globo, permitindo o conhecimento destes moluscos que tanto têm
interessado não só os coleccionadores como também os estudiosos destes
assuntos ligados à natureza marítima. ■
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