Escola Secundária José Estêvão, n.º 5, Out. - Dez. de 1991


A concha como motivo de outros interesses

A concha, em geral, foi também aproveitada por povos primitivos que a trabalharam e fizeram dela delicados objectos e também símbolos religiosos.

Tem sido citada e reproduzida a imagem de uma concha trabalhada, da família dos Tritonídeos, do género Charonia que foi encontrada num túmulo azteca e que se encontra resguardada no Museu de Antropologia da cidade do México.

Nas costas portuguesas, aparece frequentemente uma concha bivalve que, desde a Idade Média, se apresenta como um símbolo religioso, usada pelos romeiros ou peregrinos ao santuário de S. Tiago de Compostela, levando-a fixada no chapéu e no manto. Por isso, os franceses chamam-lhe concha de S. Tiago (Coquille St. Jacques) e grande peregrina (Grande pélerine). É o PECTEN MAXIMUS L, com dimensões de 8 a 15 cm, constituída por valvas desiguais, radiadas, sendo uma convexa e a outra plana.

Toda a gente conhece, porém, os delicados trabalhos que actualmente se fazem com conchas, como pequenos objectos de adorno, pequenos candeeiros e outros objectos-recordação de várias partes do mundo.

A Itália, e em especial certas oficinas de Nápoles, importava de Moçambique o Cypraecassis rufa L, com cuja matéria rosada os seus importadores faziam belos objectos de recordação com imagens gravadas, lindíssimos camafeus, etc.

O opérculo do turbilho-tapeçaria (Turbo petholatus L) do Indo-Pacífico, tornou-se conhecido pela sua forma arredondada e pela disposição das suas cores verde ou escuro-azulado. tomando o nome de olho de gato, o qual, pela sua beleza, é aproveitado em joalharia. Entre nós, em zonas arenosas do Algarve, particularmente nos fundos arenosos da Ria de Lagos, aparece um género de Astraea rugosa L. cujo opérculo, mais ou menos em forma de fava, de uma cor brilhante rosa-branco, ostenta também uma singular beleza.

Nas cidades e povoações das costas africanas do Índico, são frequentes os belos colares de pequenas cipreias, de olivas e de pequenos cónus, com um pingente de forma variada, sendo o mais vulgar a cruz ou até um cónus maior.

Das muitas famílias das conchas, há pelo menos três que atraem particularmente os coleccionadores: a das Cypraeas, a das Volutas e a dos Cónus. Naturalmente que há outras de exemplares muito belos que não deixam de exercer uma atracção muito especial sobre as pessoas que se interessam por esta matéria e procuram ter, na sua posse, os exemplares mais variados e das origens mais diversas.

Para terminar este conjunto de ideias sobre algumas conchas, quero chamar a atenção para uma que, a partir dos descobrimentos no Oceano Índico, passou a ter um uso muito especial entre alguns povos europeus, mormente em França e em Portugal.

Por vezes, ao entrarmos em algumas igrejas antigas, deparamos com recipientes mais ou menos pesados contendo água-benta ou sendo as próprias pias baptismais. Muitos deles não foram feitos pela mão do homem, mas aproveitados tal como a natureza no-los oferece nas partes orientais do globo. São as chamadas tridacnas que, pelo seu tamanho, foram utilizadas com esse fim. São bivalves enormes que vivem nos recifes de corais; são de tal maneira pesadas que chegam a atingir mais de 250 kg e, por isso, acabam por ficar fixas, alimentando-se de algas marinhas e podem tornar-se um perigo para os mergulhadores menos experimentados. Quando o animal está fixado num recife de corais, só a valva de cima é que se move, isto é, abre e fecha. Se um mergulhador a confundir com certos corais e, por engano, colocar um pé ou meter a mão entre as duas valvas, o animal defende-se fechando, não lhe dando, assim, qualquer possibilidade de salvação, morrendo afogado.

Esta é a TRIDACNA GIGAS L que os franceses designam por bénitier géant, para a distinguir da TRIDACNA NOAE Roding, também do Indo-Pacífico, mas principalmente das Filipinas e da Micronésia, a que os franceses chamam bénitier cannelé, cujo tamanho é muito menor do que a anterior. De facto, a tridacna gigante chega a medir entre 60 e 120 cm, enquanto a tridacna caneada oscila entre 7 e 30 cm.

Há ainda outros tipos da família das TRIDACNIDAE, sempre conchas de valvas fortes, sólidas, mas de tamanho médio, podendo atingir os 40 cm, as quais, para além do canelamento singelo, podem apresentar uma espécie de laminas arredondadas, mais ou menos finas; uma delas, também do Indo-Pacífico, onde é comum, é a chamada Tridacna squamos a, Lamarck. Outra, a Tridacna maxima, Roding, de forma alongada e, por isso, designada por clongata por Lamarck, vive no Indo-Pacífico, desde a África oriental até à Polinésia. Roding considera-a tridacna gigante, dizendo que pode ultrapassar um metro.

As valvas das tridacnas foram usadas como pias de água-benta e como pias baptismais, como já afirmámos. A velha república de Veneza ofereceu a Francisco I um magnífico exemplar de valva desta concha, que se encontra, como pia baptismal, na Igreja de S. Sulpício, em Paris.

Os moluscos das tridacnas são comestíveis e as suas valvas, em climas tropicais donde são originais, servem para captar a água das chuvas.

A Inglaterra apercebeu-se muito bem da importância e do valor primitivo da concha, como dinheiro, nos territórios do seu vasto império. Que nós conheçamos, só os ingleses tiveram a ideia de perpetuar esse valor através da cunhagem de moeda moderna com a imagem de búzios característicos de cada território.

Assim, na República do Gana, aparece, na denominação monetária, a palavra cedi, de "sedie", significando cauri (ingl. cowrie), para designar uma pequena cipreia, impressa na própria moeda (em 1979) a que deu o seu nome, por representar a moeda-concha usada por essas tribos da costa ocidental da África.

No arquipélago das Bahamas, situado a este da Florida, ao norte de Cuba, no Oceano Atlântico, a moeda de prata de um dólar, de 1966-71, e de cuproníquel de 1974-75, ostenta uma concha da família Strombidae, que pode muito bem ser o Strombus pugilis L, muito comum nesta região.

As Ilhas Cook, como um território da Nova Zelândia, no Pacífico do Sul, mostram também, na moeda de 20 cêntimos de 1976, uma concha própria deste Oceano, designada por Tritão do Pacífico, a Charonia tritonis L.

As Ilhas Tuvalu, no Pacífico Sul, / 20 / ao norte das Ilhas Fiji, como as anteriores membro do Commonwealth of Nations, ostenta, na moeda de um cêntimo de 1976, um Pterocero da família Strombidae.

Além destas imagens de conchas, impressas ou gravadas em moedas a que nos referimos, de algumas monografias e catálogos que conhecemos sobre malacologia e conquiologia, muitos outros assuntos poderíamos ainda apresentar.

Há, porém, outros processos de divulgação da imagem da concha, originária dos litorais marítimos dos respectivos países e outros territórios onde estes animais têm o seu próprio habitar.

É por isso que afirmamos que um desses processos, pelo qual a imagem da concha mais se tem feito representar, modernamente, tem sido o selo do correio.

De facto, em ligação mais estreita connosco, conhecemos belíssimas emissões de Moçambique, de Angola, de Cabo Verde, de S. Tomé e Príncipe, países que, de longa data, mantiveram relações mais próximas com Portugal, incluindo o próprio Brasil.

De outros países, temos conhecimento de algumas emissões: da Rússia, dos Estados Unidos da América do Norte, das Repúblicas do Toga e do Quénia, de Singapura, do Vietname, do Japão, das Ilhas Maldivas, das Ilhas da Nova Caledónia e da Austrália, bem como de selos com representações de conchas fósseis da República Islâmica da Mauritânia.

É evidente que muitos outros países terão explorado a representação da concha não só através dos selos mas também por outros meios. Nós pensamos que hoje é possível oferecer imagens das conchas através dos selos do correio, se não da totalidade, pelo menos da maior parte das suas famílias.

São motivos atraentes que, deste modo, podem ser levados aos vários pontos do globo, permitindo o conhecimento destes moluscos que tanto têm interessado não só os coleccionadores como também os estudiosos destes assuntos ligados à natureza marítima. ■

Aliás, Escola Secundária José Estêvão

 

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