Escola Secundária José Estêvão, n.º 5, Out. - Dez. de 1991



1. A CONCHA E O SEU VALOR

Qualquer pessoa, passeando despreocupadamente pelas praias à beira do mar, descobre sobre a areia uma grande variedade de conchas, mais ou menos perfeitas, oferecidas pelo fluxo ou refluxo das vagas. Ninguém cede à tentação, quase inconsciente, de as apanhar, atraído pelas suas cores, pela sua beleza e pela sua forma. Desde tempos imemoriais que as conchas sempre exerciam uma atracção irresistível sobre os homens e sobre as crianças, que as têm usado como enfeite pessoal, como objecto mágico ou como ornamento da própria casa de habitação. Tenha-se, todavia, em atenção que as conchas roladas são aquelas que oferecem piores exemplares para serem resguardados.

Em 1873, foi enviado em auxílio do explorador africano David Livingstone, um oficial do exército inglês, tenente Verney Lovett Cameron. Levando consigo variados objectos para realizar trocas – contas de vidro, cruzes de cobre, etc. – foi verificando, durante a sua jornada e em contacto com povos de etnias diferentes, que esses objectos iam perdendo o interesse, deixando de ter qualquer valor.

Junto do lago Tanganica, verificou que só aceitavam, como objectos de troca, escravos, peças de cobre e búzios. Procurou então adquirir grandes quantidades destes, por preços elevados, com o intuito de comprar uma canoa para continuar a sua viagem. Mas, apesar da grande quantidade, os indígenas só aceitavam os búzios em pequenas transacções, porque as esposas tomavam-nos deliberadamente para si, como pertença sua, com a intenção de se enfeitarem, não recebendo os maridos, da parte delas, quaisquer recompensas por eles. Preferiam animais (cabras) e escravos, já que os búzios constituíam um material vulgar, banal e quase inútil.

O dinheiro, para ser aceite como tal, deve ser difícil de imitar, duradoiro, manejável e fácil de contar. Ora, todas as formas de dinheiro primitivas que se conhecem não satisfaziam estes requisitos fundamentais. A forma de dinheiro que, naturalmente, melhor preenchia estas condições era a concha. Em todas as ilhas do Pacífico, foram usadas dos mais diferentes modos para as transacções, servindo tanto de moeda como de objectos de adorno.

No arquipélago de Bismarck e na Nova Bretanha, o dinheiro-concha alcançou uma importância capital, utilizando-se conchas algo diferentes, as pequenas NASSA, búzios de moluscos que viviam na ramagem das mangueiras, ao longo das praias, junto à beira do mar. Secos e furados, metidos em canas, constituíam as diwarra ou tambu com que se podia comprar tudo. Em grandes quantidades, representavam a riqueza dos seus possuidores e eram exibidas de maneira especial. Esta sedução pela riqueza ou por esse tipo de dinheiro, que é o mesmo, chegou a provocar o desespero e a amargura dos missionários, visto que o dinheiro-concha se tornou, assim, um padrão de valor que relegava para segundo plano todos os outros possíveis interesses e valores.

Na China, os búzios tiveram uma utilização mais longa do que em qualquer outra parte da terra. Em lugares pré-históricos, foram encontrados autênticos montes de búzios e pensa-se que tenham sido verdadeiros tesouros, pois são mencionados muitas vezes em antigas narrações. É que os búzios, juntamente com a seda, o grão, o chá e o sal, eram considerados o dinheiro das pessoas vulgares.

Na Índia, os búzios constituíram uma forma de dinheiro desde os mais antigos tempos. No século XIX, ainda se utilizavam em transacções oficiais. E, nos começos do nosso século, os cambistas dos bazares indianos possuíam grandes quantidades de búzios para darem de troco. Por isso, a circulação dos búzios, como dinheiro, está intimamente relacionada com o aparecimento das primeiras moedas de utilização comum na Índia, designadas por moedas gravadas.

Os índios das costas orientais da América, ainda antes da descoberta desta pelos europeus, apanhavam nas praias do Atlântico, onde eram comuns, um determinado tipo de conchas brancas com orla avermelhada, cuja classificação apareceu depois: Vénus mercenária. Faziam, com essas conchas enfiadas, uma espécie de contas que usaram para negociar. O vampum, assim se chamavam esses conjuntos, variavam de valor segundo o tamanho e a cor das conchas e foram conhecidos nos mais variados negócios, praticamente em toda a América.

O dinheiro-concha das costas ocidentais das Américas era, porém, bem diferente, pois não se tratava da mesma concha citada anteriormente. Era uma concha ligeiramente alongada, curva e perfurada, com o feitio de dente, o Dentalium, originalmente oca em toda a extensão do seu comprimento, por isso, facilmente enfiável. Um allikochik equivalia mais ou menos a um metro de conchas enfiadas e designava o dinheiro-concha dos seres humanos. O seu valor dependia, portanto, não só do tamanho das conchas como também da quantidade delas enfiadas.
 

Aliás, Escola Secundária José Estêvão

 

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