1. A CONCHA E O SEU VALOR
Qualquer pessoa, passeando despreocupadamente pelas
praias à beira do mar, descobre sobre a areia uma grande variedade de
conchas, mais ou menos perfeitas, oferecidas pelo fluxo ou refluxo das
vagas. Ninguém cede à tentação, quase inconsciente, de as apanhar,
atraído pelas suas cores, pela sua beleza e pela sua forma. Desde tempos
imemoriais que as conchas sempre exerciam uma atracção irresistível
sobre os homens e sobre as crianças, que as têm usado como enfeite
pessoal, como objecto mágico ou como ornamento da própria casa de
habitação. Tenha-se, todavia, em atenção que as conchas roladas são
aquelas que oferecem piores exemplares para serem resguardados.
Em 1873, foi enviado em auxílio do explorador africano
David Livingstone, um oficial do exército inglês, tenente Verney Lovett
Cameron. Levando consigo variados objectos para realizar trocas – contas
de vidro, cruzes de cobre, etc. – foi verificando, durante a sua jornada
e em contacto com povos de etnias diferentes, que esses objectos iam
perdendo o interesse, deixando de ter qualquer valor.
Junto do lago Tanganica, verificou que só aceitavam, como
objectos de troca, escravos, peças de cobre e búzios. Procurou então
adquirir grandes quantidades destes, por preços elevados, com o intuito
de comprar uma canoa para continuar a sua viagem. Mas, apesar da grande
quantidade, os indígenas só aceitavam os búzios em pequenas transacções,
porque as esposas tomavam-nos deliberadamente para si, como pertença
sua, com a intenção de se enfeitarem, não recebendo os maridos, da parte
delas, quaisquer recompensas por eles. Preferiam animais (cabras) e
escravos, já que os búzios constituíam um material vulgar, banal e quase
inútil.
O dinheiro, para ser aceite como tal, deve ser difícil de
imitar, duradoiro, manejável e fácil de contar. Ora, todas as formas de
dinheiro primitivas que se conhecem não satisfaziam estes requisitos
fundamentais. A forma de dinheiro que, naturalmente, melhor preenchia
estas condições era a concha. Em todas as ilhas do Pacífico,
foram usadas dos mais diferentes modos para as transacções, servindo
tanto de moeda como de objectos de adorno.
No arquipélago de Bismarck e na Nova Bretanha, o
dinheiro-concha alcançou uma importância capital, utilizando-se
conchas algo diferentes, as pequenas NASSA, búzios de moluscos que
viviam na ramagem das mangueiras, ao longo das praias, junto à beira do
mar. Secos e furados, metidos em canas, constituíam as diwarra ou
tambu com que se podia comprar tudo. Em grandes quantidades,
representavam a riqueza dos seus possuidores e eram exibidas de maneira
especial. Esta sedução pela riqueza ou por esse tipo de dinheiro, que é
o mesmo, chegou a provocar o desespero e a amargura dos missionários,
visto que o dinheiro-concha se tornou, assim, um padrão de valor que
relegava para segundo plano todos os outros possíveis interesses e
valores.
Na China, os búzios tiveram uma utilização mais longa do
que em qualquer outra parte da terra. Em lugares pré-históricos, foram
encontrados autênticos montes de búzios e pensa-se que tenham sido
verdadeiros tesouros, pois são mencionados muitas vezes em antigas
narrações. É que os búzios, juntamente com a seda, o grão, o chá e o
sal, eram considerados o dinheiro das pessoas vulgares.
Na Índia, os búzios constituíram uma forma de dinheiro
desde os mais antigos tempos. No século XIX, ainda se utilizavam em
transacções oficiais. E, nos começos do nosso século, os cambistas dos
bazares indianos possuíam grandes quantidades de búzios para darem de
troco. Por isso, a circulação dos búzios, como dinheiro, está
intimamente relacionada com o aparecimento das primeiras moedas de
utilização comum na Índia, designadas por moedas gravadas.
Os índios das costas orientais da América, ainda antes da
descoberta desta pelos europeus, apanhavam nas praias do Atlântico, onde
eram comuns, um determinado tipo de conchas brancas com orla
avermelhada, cuja classificação apareceu depois: Vénus mercenária.
Faziam, com essas conchas enfiadas, uma espécie de contas que usaram
para negociar. O vampum, assim se chamavam esses conjuntos,
variavam de valor segundo o tamanho e a cor das conchas e foram
conhecidos nos mais variados negócios, praticamente em toda a América.
O dinheiro-concha das costas ocidentais das Américas era,
porém, bem diferente, pois não se tratava da mesma concha citada
anteriormente. Era uma concha ligeiramente alongada, curva e perfurada,
com o feitio de dente, o Dentalium, originalmente oca em toda a
extensão do seu comprimento, por isso, facilmente enfiável. Um
allikochik equivalia mais ou menos a um metro de conchas enfiadas e
designava o dinheiro-concha dos seres humanos. O seu valor dependia,
portanto, não só do tamanho das conchas como também da quantidade delas
enfiadas.
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