Fala-se tão insistentemente do atraso do ensino
secundário; vê-se tanta gente preferir-lhe os primores do ensino
congénere doutras épocas, que se torna necessário, e até urgente,
defendê-lo no que ele tiver de defensável, e melhorá-lo no que realmente
apresentar digno de censura.
Parece-nos, porém, que há um grande exagero, quando não
ignorância e má fé, nas apreciações dos censores. Cremos que não são
coisa que evoquemos saudosamente as aulas de Português, de Francês, de
lnglês, de Sciências Naturais, de Matemática, de História, de Geografia
e de Desenho, com que nos mimoseavam a grade maioria dos nossos mestres.
Vai passado o tempo, felizmente, em que se não curava propriamente da
educação do estudante; em que qualquer disciplina era mero pretexto para
inconcebíveis exercícios de memória, e estamos a ver, em espírito. o
fero magister a tomar a lição: punha inquisitorialmente as lunetas, e,
de olhos fitos no livro, ia verificando com todo o escrúpulo se ao aluno
escapava alguma das palavras do texto marcado, ou se alguma vírgula
deixava de ser por êle levada em linha de conta!
Ora os alunos de hoje não sairão dos liceus com um
cabedal de conhecimentos que assombre; não papaguearão ipsis verbis os
compêndios; mas com certeza possuem uma cultura geral, uma disciplina de
espírito e uma educação mais perfeitas e harmónicas do que os dêsses
tempos ditos mais cultos e felizes do que os nossos.
Quer isto dizer que devamos embasbacar-nos diante das
excelências do bom ensino que já se vai ministrando, e cruzar os braços,
à espera de que alguém, lá para o futuro, se encarregue de lhe dar novo
impulso? De modo algum: cumpre ao professor esforçar-se constantemente
por melhorar, aplicando os mais sãos e racionais preceitos pedagógicos e
didácticos modernos, e mostrar aos pais dos seus alunos, e mesmo aos
estranhos, o que ensina e como ensina.
Foi êste pensamento que deu origem a esta publicação. A
ânsia do progresso, o desejo de aperfeiçoar o que julguemos defeituoso
trouxe-nos a esta tentativa de revista liceal, que não é a primeira
entre nós, mas que não tem antes de si outra com o mesmo carácter. Eis o
nosso programa, que, em poucas palavras, eloqüentemente dirá o que temos
em vista: aqui mostraremos até a onde vão os nossos esforços em ensinar
e investigar; aqui exporemos o que pensamos da pedagogia e da didáctica
do ensino secundário nos seus diferentes distritos; aqui publicaremos e
discutiremos os diplomas oficiais que nos digam respeito; aqui
defenderemos tudo quanto possa contribuir para o aperfeiçoamento do
ensino secundário e para o engrandecimento da classe do professorado
liceal, como meio de extensão da cultura; aqui inseriremos pequenos
trabalhos e artigos scientíficos e pedagógicos, solicitados a altos
espíritos de Portugal, e mesmo do estrangeiro; aqui, finalmente, daremos
conta de tudo quanto se prenda com a vida interna e missão educativa do
estabelecimento de ensino onde com um afinco e fé inabaláveis
transmitimos conhecimentos e moldamos caracteres.
Muito tempo pensámos sôbre o nome com que baptizaríamos a
revista. Nenhum nos satisfazia, porque ou não traduzia suficientemente o
nosso fim e pensamento, ou nos parecia enfático e pedante, e nós
queríamos apresentar aos leitores somente aquilo que o título da
publicação fizesse esperar. Um pouco mais, sim, se tal coubesse em
nossas fôrças; menos, não, que seria vergonhoso.
Um dedicado amigo, que é ao mesmo tempo um dos mais
brilhantes espíritos de Portugal, na actualidade o sr. Carlos Duarte –,
veio em nosso auxílio e tornou-se, sem querer, o paraninfo da revista.
Tratando dos nossos projectos, concluía êle em carta, depois de gracejar
a propósito das nossas hesitações: – «Folgo muito com as boas notícias
da revista que, espalhando cultura, virá estimular as actividades
intelectuais do público e será simultaneamente órgão dos professores que
trabalham a sério no liceu e a sério tomam a sua nobre missão, da
revista «Labor», por conseqüência». Assim nasceu o nome. Quanto a nós,
sentimo-nos muito honrados com ter aproveitado a sugestão do ilustre
homem de letras, cujo o talento é tão grande, pelo menos, como a sua
modéstia. «Labor»? Sem dúvida!
A Direcção
Fac-símile da 1.ª página do N.º 1 da "Labor" (Janeiro de 1926) e
transcrição integral do seu primeiro texto. |