1.
Os sensatos disseram uns aos outros que este ano lectivo
foi longe demais. Outros ainda mais sensatos disseram que o ano lectivo
foi longo demais. Outros igualmente sensatos disseram que nós, os
sensatos, dizemos palavras uns aos outros. Também nós, os insensatos, as
dizemos e as praguejamos – diz-me o insensato que mora no meu coração.
2.
As palavras, por si, não têm defeito e é com elas que
construímos pensamentos, uns a seguir a outros. Às vezes, os pensamentos
seguem-se uns aos outros no mesmo rumo; outras vezes, o pensamento a
seguir abre outro rumo, cava novos vales. E é o mar comum que dá a todos
os pensamentos, por mais díspares que sejam, o seu lugar na história.
Diferentes, mas juntos, no mar de todos os recomeços, os pensamentos
galgam margens que, violentas, os comprimiam um a um.
Não há mal nenhum na diferença e não há mal em pensar em
termos de água, em termos de mistura ou mesmo de dissolução – como
solução. Quem me dera ter contribuído com uma palavra, uma só que seja,
para uma boa solução. Aqui declaro que quero que os meus pensamentos
sejam miscíveis e recicláveis.
3.
Mas algumas palavras (alguns pensamentos) não escolhem
rumo e pretendem não ser miscíveis (muito menos recicláveis). Até vão
com as outras águas (até porque tais palavras nunca conhecem rumo nem
substância própria, só existem na medida da existência das outras
águas). Mas são palavras poluentes. Os seus autores pensam, quando as
vêem a sobrenadar a água, que elas vieram à tona como o azeite e a
verdade. Com os olhos, os seus autores fitam envaidecidos essas palavras
na tona dos pensamentos. E como navegam à superfície de tudo, não
percebem que elas, as suas palavras, vão ocas – palavras de plástico
inchadas dos ares que se dão. Que os ares me perdoem, que, também eles,
têm problemas com palavras gasosas poluentes.
4.
Não vale a pena escrever sobre o uso (co)medido das
palavras. Boas palavras podem ser desmedidas. Podem e devem ser medidas,
meditadas – mas paciência quando não o são. Os fabricantes de palavras
poluentes têm cuidados, até requintados, no seu lançamento. Para que os
ouvidos sensíveis (mas quantas vezes distraídos do essencial) não as
identifiquem e a denúncia da poluição não seja imediata. Às vezes, as
palavras poluentes condizem com uma parte da verdade, e é, por vezes,
difícil, ver o engano que é tomar a parte pelo todo.
5.
Tudo isto vem a propósito de algumas ideias que se
espalharam pela escola. A primeira delas, baseada
/
19 / num acontecimento verdadeiro,
consistia em considerar que havia um clima de vandalismo «estudantil»
(quem inventou que o vandalismo é estudantil?) e que não se tomavam
medidas sérias para o evitar ou reprimir.
6.
Os factos são verdadeiros.
Numa exposição de materiais divulgadores da Europa em que
vivemos, alguém danificou os plásticos protectores e roubou um (ou
mais?) postais expostos. Já, anteriormente, noutras exposições, alguns
materiais (postais) foram roubados.
E o que se diz, como consequência, é verdadeiro? Se se
disser que um estudante (ou um grupo de estudantes) estragou um plástico
e um postal e que é preciso evitar que tal aconteça no futuro, diz-se a
verdade. Se se disser que a escola não oferece segurança para
exposições, que o vandalismo está instalado na escola e que o Conselho
Directivo não faz nada contra isso, diz-se mentira.
7.
Porque a totalidade dos factos verdadeiros, mesmo se
ficássemos só por este ano e no que respeita a exposições, é que se
realizaram dezenas de exposições, que foram expostos muitos materiais, –
perecíveis uns, valiosos outros –, por largos períodos de tempo, e, não
houve mais do que uma ou duas atitudes que podemos classificar de algum
«vandalismo» (infantil, embora). E que a ser assim, a conclusão é de que
a população estudantil da escola é essencialmente disciplinada,
respeitadora e construtora do património da escola. Construtora, sim!
Porque muitos dos materiais expostos vieram das iniciativas e das mãos
dos estudantes. Alguns desses espécimes são muito belos e a escola pôde
tê-los expostos durante um ano inteiro, sem uma beliscadura. Muitos
professores expuseram os resultados das suas iniciativas e nada lhes
aconteceu a não ser terem recolhido admiração. E com a liberdade de
exposição que existiu, sabemos que houve exposições que não mereciam
grande respeito, que (infelizmente, quem pode dizer?) algumas até nem
quereriam ser respeitadas.
8.
Mas poderíamos dizer que a nossa população estudantil
(população, digo eu; não falo deste ou daquele estudante) é
invulgarmente disciplinada, mesmo militante na protecção da sua escola.
De facto, vale a pena lembrarmo-nos, a nós que o não esquecemos e a quem
o esqueceu, que a escola viveu um ano lectivo de obras de reparação
profunda, sem nunca termos interrompido as aulas. Vale a pena lembrar
que muitas das aulas foram dadas sob intenso barulho, muitas vezes sem
janelas (também no inverno) e com operários do lado de fora, com os
corredores ocupados como carpintarias e cheios de pó e tinta... E que,
quando podíamos interromper as aulas (mais cedo!...) com o argumento dos
exames e das obras não fomos por esse caminho (mais fácil!) e
continuámos com elas até ao dia 28 de Junho – quem não se lembra deste
facto? Os nossos corpos discente e docente e, porque não?, o corpo dos
funcionários não merecem outra coisa senão louvores pelo seu desempenho
deste ano. Nenhum acontecimento fortuito pode contrariar esta verdade,
este desempenho de sucesso...
9.
Não estamos aqui para remendar as memórias curtas, mas
ainda a este respeito, vale a pena lembrar a batalha que se travou para
combater a confusão natural que se tinha (felizmente?) estabelecido a
seguir a 1974 e se manteve até ao início da década de 1980. Quem foi
responsável por se terem perdido os "invariantes"? Não interessa. Mas
convém lembrar que os estudantes reclamavam entrar e permanecer no átrio
principal e, em multidão, partir vidros, impedir pela aglomeração e pelo
barulho a entrada do público e o trabalho dos serviços de administração
escolar. E que de lá para cá, durante vários anos, se restabeleceu o
trânsito normal de uma escola com acesso dos estudantes aos blocos
escolares pelas portas dos blocos escolares, se arranjaram jardins e se
colocaram bancos que se mantêm intactos há vários anos (onde antes, nem
os bocados escapavam), se levantou um bar de estudantes com mesas,
etc... Onde antes só viviam "beatas", lama e bancos em vias de extinção?
Não encontramos entre os "profetas do vandalismo postal" quem se lembre
disto? Mas encontramos entre os membros do Conselho Directivo quem tenha
participado desse processo pela construção desta escola em que, hoje,
qualquer desses "profetas" pode expor, até versinhos de pé quebrado, sem
ser atropelado... a não ser pela sua falta de memória ou pela sua má-fé.
10.
Valeu a pena fazer esta paragem na memória. Por duas
razões: Porque, nestes últimos tempos de obras, os funcionários,
docentes e não docentes, e a massa estudantil ficaram com uma só porta
de entrada estreita e do lado mais incómodo. Sem complicações, isto foi
aceite por uma massa estudantil que reclamou e lutou (e diga-se ainda
hoje luta, com alguma razão) pelo direito a entrar indiscriminadamente
por todas as portas (direito
/
20 / que têm e valeria a pena explicar
isso, com algum detalhe, para alguns professores que esquecem os
direitos dos estudantes... e transformam as conquistas do trabalho de
outros nos seus dogmas utilitários e em leis sem excepções). Nunca se
esticou tanto uma corda. Mas estas cordas tensas só souberam produzir
harmonias – o ouvido é meu e dá para dentro da minha alma de professor.
E vale a pena falar disto, porque se acusa o Conselho Directivo, que aí
esteve para ajudar a viver estes "actos de fé" nos estudantes, em
pessoas incapazes de tomar medidas. Por isto, se pode dizer que a
acusação é feita por pessoas que não têm a noção das suas próprias
medidas e que perderam a noção da grandeza da escola, para não verem
mais do que o pequeno círculo, em que se movem como presos sem recreio.
11.
Vale a pena falar disto, porque isto teve honras de
papel, abaixo-assinado (fácil é abaixo-assinar), intervenção em Conselho
de Grupo, intervenção no Conselho Pedagógico,... Não fui eu que inventei
a importância a esta ideia. Foi a ideia, que é pequena, que se pôs em
bicos de pés (em "pontas"?) e tentou agigantar-se. Muitos(?) distraídos
fizeram um abaixo-assinado para chamar a atenção aos atentos. E é certo
que alguns dos abaixo-assinados não são assim muito distraídos, mas
foram apanhados distraídos no momento em que assinavam. Mas vale a pena
dizer que não é procedimento normal comunicar um acto (quem é capaz
agora de dizer que não é acidental e fortuito nesta escola?) por
abaixo-assinado. Imaginem um professor com um problema na sala de aula a
comunicá-lo ao Conselho Directivo ou até ao Director de Turma por
intermédio de abaixo-assinado pelos seus colegas! Pois foi o que fez o
responsável pela exposição, que depois de tudo, jurando convencido da
sua boa-fé, acha estranho que o Conselho Directivo ache estranho que ele
tenha procedido dessa estranha maneira. O Conselho Directivo pediu ao
responsável, e por várias vezes, que lhe apresentasse uma comunicação
abaixo-assinada por si e só por si. Ele sempre disse que o faria, quando
questionado. Mas nunca o fez. A boa-fé tem suas "maneiras". A
boa-educação e a lealdade também. Não há qualquer desculpa para estes
procedimentos – sejamos claros. Uma só desculpa: o Conselho Directivo
não abaixo-assinou essa ordem e quem se habitua a abaixo-assinados não
reconhece o valor da palavra dada. Na minha aldeia, habituaram-me a
considerar a palavra dada como valendo mais que assinatura em cartório,
mas isso é de romance de Aquilino!
12.
Há quem não reconheça autoridade ao Conselho Directivo
nestas pequenas grandes coisas e é preciso esclarecer que é um erro
grave contra a democracia.
Isto anda tudo ligado.
Outras incompreensões se mostraram durante este ano longo
e rico. No período da greve dos professores, cada uma das partes mostrou
que não sabe o que é um Conselho Directivo. Para alguns, eleitores do
Conselho Directivo, esperam deste que "os" represente acima de tudo e se
lhes for preciso que defendam como colectivo as suas lutas, as organizem
e, não admitindo competência ao Governo para despachar, querem que o
Conselho Directivo exerça competência para despachar o despacho do
Governo. Outros esperam que o Conselho Directivo seja, do seu ponto de
vista, um fiel representante do governo, se não na luta contra os
grevistas pelo menos a ajudar os não grevistas a transportar o seu papel
e a sua bandeira. Nem uns, nem outros têm razão. É preciso explicar que
os docentes do Conselho Directivo são docentes, livres de aderir ou não
aderir à greve, mas não são livres (nem tal é desejável) de agir (e
coagir) em bloco a adesão à greve. É preciso explicar que os docentes do
Conselho Directivo são eleitos porque lhes é reconhecida a capacidade de
representar os docentes (todos!, quem disse isto?), mas também a
capacidade de fazer cumprir a lei (geral?, só a Constituição?, todas as
leis?, todos os despachos? ou só alguns? de acordo com este ou aquele
Sindicato?).
13.
E voltemos ao princípio. Afinal, o ano lectivo foi longo
demais? Ou foi longe demais? Não vou meter-me nisso, mas sempre quero
dizer que o ano foi. E que considero que não é bom haver um calendário
de actividade anual que seja torpedeado por todas as oportunidades. Não
tenho nada contra isto ou aquilo. Sobre a "hipocrisia" dos calendários
escolares, que podemos pensar que vêm desde cima, temos de reconhecer
que ela vive, também por aqui, nas nossas consciências. Contra a
hipocrisia, tenho razões de sobra.
14.
E o título? Procuramos olhar para a escola como ela é,
defender as suas virtudes e o seu bom nome. Mas não nos esquecemos que,
depois do caminho andado, há muito caminho para andar. E mais: sabemos
que para a escola, como para a vida, os caminhos nunca acabam. Os
debates também não devem acabar. |