Escola Secundária José Estêvão, n.º 3, Abr. - Jun. de 1991

1.

Os sensatos disseram uns aos outros que este ano lectivo foi longe demais. Outros ainda mais sensatos disseram que o ano lectivo foi longo demais. Outros igualmente sensatos disseram que nós, os sensatos, dizemos palavras uns aos outros. Também nós, os insensatos, as dizemos e as praguejamos – diz-me o insensato que mora no meu coração.

2.

As palavras, por si, não têm defeito e é com elas que construímos pensamentos, uns a seguir a outros. Às vezes, os pensamentos seguem-se uns aos outros no mesmo rumo; outras vezes, o pensamento a seguir abre outro rumo, cava novos vales. E é o mar comum que dá a todos os pensamentos, por mais díspares que sejam, o seu lugar na história. Diferentes, mas juntos, no mar de todos os recomeços, os pensamentos galgam margens que, violentas, os comprimiam um a um.

Não há mal nenhum na diferença e não há mal em pensar em termos de água, em termos de mistura ou mesmo de dissolução – como solução. Quem me dera ter contribuído com uma palavra, uma só que seja, para uma boa solução. Aqui declaro que quero que os meus pensamentos sejam miscíveis e recicláveis.

3.

Mas algumas palavras (alguns pensamentos) não escolhem rumo e pretendem não ser miscíveis (muito menos recicláveis). Até vão com as outras águas (até porque tais palavras nunca conhecem rumo nem substância própria, só existem na medida da existência das outras águas). Mas são palavras poluentes. Os seus autores pensam, quando as vêem a sobrenadar a água, que elas vieram à tona como o azeite e a verdade. Com os olhos, os seus autores fitam envaidecidos essas palavras na tona dos pensamentos. E como navegam à superfície de tudo, não percebem que elas, as suas palavras, vão ocas – palavras de plástico inchadas dos ares que se dão. Que os ares me perdoem, que, também eles, têm problemas com palavras gasosas poluentes.

4.

Não vale a pena escrever sobre o uso (co)medido das palavras. Boas palavras podem ser desmedidas. Podem e devem ser medidas, meditadas – mas paciência quando não o são. Os fabricantes de palavras poluentes têm cuidados, até requintados, no seu lançamento. Para que os ouvidos sensíveis (mas quantas vezes distraídos do essencial) não as identifiquem e a denúncia da poluição não seja imediata. Às vezes, as palavras poluentes condizem com uma parte da verdade, e é, por vezes, difícil, ver o engano que é tomar a parte pelo todo.

5.

Tudo isto vem a propósito de algumas ideias que se espalharam pela escola. A primeira delas, baseada / 19 / num acontecimento verdadeiro, consistia em considerar que havia um clima de vandalismo «estudantil» (quem inventou que o vandalismo é estudantil?) e que não se tomavam medidas sérias para o evitar ou reprimir.

6.

Os factos são verdadeiros.

Numa exposição de materiais divulgadores da Europa em que vivemos, alguém danificou os plásticos protectores e roubou um (ou mais?) postais expostos. Já, anteriormente, noutras exposições, alguns materiais (postais) foram roubados.

E o que se diz, como consequência, é verdadeiro? Se se disser que um estudante (ou um grupo de estudantes) estragou um plástico e um postal e que é preciso evitar que tal aconteça no futuro, diz-se a verdade. Se se disser que a escola não oferece segurança para exposições, que o vandalismo está instalado na escola e que o Conselho Directivo não faz nada contra isso, diz-se mentira.

7.

Porque a totalidade dos factos verdadeiros, mesmo se ficássemos só por este ano e no que respeita a exposições, é que se realizaram dezenas de exposições, que foram expostos muitos materiais, – perecíveis uns, valiosos outros –, por largos períodos de tempo, e, não houve mais do que uma ou duas atitudes que podemos classificar de algum «vandalismo» (infantil, embora). E que a ser assim, a conclusão é de que a população estudantil da escola é essencialmente disciplinada, respeitadora e construtora do património da escola. Construtora, sim! Porque muitos dos materiais expostos vieram das iniciativas e das mãos dos estudantes. Alguns desses espécimes são muito belos e a escola pôde tê-los expostos durante um ano inteiro, sem uma beliscadura. Muitos professores expuseram os resultados das suas iniciativas e nada lhes aconteceu a não ser terem recolhido admiração. E com a liberdade de exposição que existiu, sabemos que houve exposições que não mereciam grande respeito, que (infelizmente, quem pode dizer?) algumas até nem quereriam ser respeitadas.

8.

Mas poderíamos dizer que a nossa população estudantil (população, digo eu; não falo deste ou daquele estudante) é invulgarmente disciplinada, mesmo militante na protecção da sua escola. De facto, vale a pena lembrarmo-nos, a nós que o não esquecemos e a quem o esqueceu, que a escola viveu um ano lectivo de obras de reparação profunda, sem nunca termos interrompido as aulas. Vale a pena lembrar que muitas das aulas foram dadas sob intenso barulho, muitas vezes sem janelas (também no inverno) e com operários do lado de fora, com os corredores ocupados como carpintarias e cheios de pó e tinta... E que, quando podíamos interromper as aulas (mais cedo!...) com o argumento dos exames e das obras não fomos por esse caminho (mais fácil!) e continuámos com elas até ao dia 28 de Junho – quem não se lembra deste facto? Os nossos corpos discente e docente e, porque não?, o corpo dos funcionários não merecem outra coisa senão louvores pelo seu desempenho deste ano. Nenhum acontecimento fortuito pode contrariar esta verdade, este desempenho de sucesso...

9.

Não estamos aqui para remendar as memórias curtas, mas ainda a este respeito, vale a pena lembrar a batalha que se travou para combater a confusão natural que se tinha (felizmente?) estabelecido a seguir a 1974 e se manteve até ao início da década de 1980. Quem foi responsável por se terem perdido os "invariantes"? Não interessa. Mas convém lembrar que os estudantes reclamavam entrar e permanecer no átrio principal e, em multidão, partir vidros, impedir pela aglomeração e pelo barulho a entrada do público e o trabalho dos serviços de administração escolar. E que de lá para cá, durante vários anos, se restabeleceu o trânsito normal de uma escola com acesso dos estudantes aos blocos escolares pelas portas dos blocos escolares, se arranjaram jardins e se colocaram bancos que se mantêm intactos há vários anos (onde antes, nem os bocados escapavam), se levantou um bar de estudantes com mesas, etc... Onde antes só viviam "beatas", lama e bancos em vias de extinção? Não encontramos entre os "profetas do vandalismo postal" quem se lembre disto? Mas encontramos entre os membros do Conselho Directivo quem tenha participado desse processo pela construção desta escola em que, hoje, qualquer desses "profetas" pode expor, até versinhos de pé quebrado, sem ser atropelado... a não ser pela sua falta de memória ou pela sua má-fé.

10.

Valeu a pena fazer esta paragem na memória. Por duas razões: Porque, nestes últimos tempos de obras, os funcionários, docentes e não docentes, e a massa estudantil ficaram com uma só porta de entrada estreita e do lado mais incómodo. Sem complicações, isto foi aceite por uma massa estudantil que reclamou e lutou (e diga-se ainda hoje luta, com alguma razão) pelo direito a entrar indiscriminadamente por todas as portas (direito / 20 / que têm e valeria a pena explicar isso, com algum detalhe, para alguns professores que esquecem os direitos dos estudantes... e transformam as conquistas do trabalho de outros nos seus dogmas utilitários e em leis sem excepções). Nunca se esticou tanto uma corda. Mas estas cordas tensas só souberam produzir harmonias – o ouvido é meu e dá para dentro da minha alma de professor. E vale a pena falar disto, porque se acusa o Conselho Directivo, que aí esteve para ajudar a viver estes "actos de fé" nos estudantes, em pessoas incapazes de tomar medidas. Por isto, se pode dizer que a acusação é feita por pessoas que não têm a noção das suas próprias medidas e que perderam a noção da grandeza da escola, para não verem mais do que o pequeno círculo, em que se movem como presos sem recreio.

11.

Vale a pena falar disto, porque isto teve honras de papel, abaixo-assinado (fácil é abaixo-assinar), intervenção em Conselho de Grupo, intervenção no Conselho Pedagógico,... Não fui eu que inventei a importância a esta ideia. Foi a ideia, que é pequena, que se pôs em bicos de pés (em "pontas"?) e tentou agigantar-se. Muitos(?) distraídos fizeram um abaixo-assinado para chamar a atenção aos atentos. E é certo que alguns dos abaixo-assinados não são assim muito distraídos, mas foram apanhados distraídos no momento em que assinavam. Mas vale a pena dizer que não é procedimento normal comunicar um acto (quem é capaz agora de dizer que não é acidental e fortuito nesta escola?) por abaixo-assinado. Imaginem um professor com um problema na sala de aula a comunicá-lo ao Conselho Directivo ou até ao Director de Turma por intermédio de abaixo-assinado pelos seus colegas! Pois foi o que fez o responsável pela exposição, que depois de tudo, jurando convencido da sua boa-fé, acha estranho que o Conselho Directivo ache estranho que ele tenha procedido dessa estranha maneira. O Conselho Directivo pediu ao responsável, e por várias vezes, que lhe apresentasse uma comunicação abaixo-assinada por si e só por si. Ele sempre disse que o faria, quando questionado. Mas nunca o fez. A boa-fé tem suas "maneiras". A boa-educação e a lealdade também. Não há qualquer desculpa para estes procedimentos – sejamos claros. Uma só desculpa: o Conselho Directivo não abaixo-assinou essa ordem e quem se habitua a abaixo-assinados não reconhece o valor da palavra dada. Na minha aldeia, habituaram-me a considerar a palavra dada como valendo mais que assinatura em cartório, mas isso é de romance de Aquilino!

12.

Há quem não reconheça autoridade ao Conselho Directivo nestas pequenas grandes coisas e é preciso esclarecer que é um erro grave contra a democracia.

Isto anda tudo ligado.

Outras incompreensões se mostraram durante este ano longo e rico. No período da greve dos professores, cada uma das partes mostrou que não sabe o que é um Conselho Directivo. Para alguns, eleitores do Conselho Directivo, esperam deste que "os" represente acima de tudo e se lhes for preciso que defendam como colectivo as suas lutas, as organizem e, não admitindo competência ao Governo para despachar, querem que o Conselho Directivo exerça competência para despachar o despacho do Governo. Outros esperam que o Conselho Directivo seja, do seu ponto de vista, um fiel representante do governo, se não na luta contra os grevistas pelo menos a ajudar os não grevistas a transportar o seu papel e a sua bandeira. Nem uns, nem outros têm razão. É preciso explicar que os docentes do Conselho Directivo são docentes, livres de aderir ou não aderir à greve, mas não são livres (nem tal é desejável) de agir (e coagir) em bloco a adesão à greve. É preciso explicar que os docentes do Conselho Directivo são eleitos porque lhes é reconhecida a capacidade de representar os docentes (todos!, quem disse isto?), mas também a capacidade de fazer cumprir a lei (geral?, só a Constituição?, todas as leis?, todos os despachos? ou só alguns? de acordo com este ou aquele Sindicato?).

13.

E voltemos ao princípio. Afinal, o ano lectivo foi longo demais? Ou foi longe demais? Não vou meter-me nisso, mas sempre quero dizer que o ano foi. E que considero que não é bom haver um calendário de actividade anual que seja torpedeado por todas as oportunidades. Não tenho nada contra isto ou aquilo. Sobre a "hipocrisia" dos calendários escolares, que podemos pensar que vêm desde cima, temos de reconhecer que ela vive, também por aqui, nas nossas consciências. Contra a hipocrisia, tenho razões de sobra.

14.

E o título? Procuramos olhar para a escola como ela é, defender as suas virtudes e o seu bom nome. Mas não nos esquecemos que, depois do caminho andado, há muito caminho para andar. E mais: sabemos que para a escola, como para a vida, os caminhos nunca acabam. Os debates também não devem acabar.

Aliás, Escola Secundária José Estêvão

 

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