Escola Secundária José Estêvão, n.º 22, Junho de 1998

  ENTREVISTA AO CAPITÃO RAMALHEIRA 


1 – De onde veio esse gosto pelo mar?

R– Este meu gosto veio de família, passando de geração para geração e, ao que parece, acabou em mim.

 

2 – Indique-nos um navio onde tenha navegado.

R – Andei dois anos num navio de nome "Horta", que pertencia à ilha dos Açores.

 

3 – Diga-nos qual foi a melhor viagem da sua vida.

R – A viagem no navio hospital Gil Eanes foi a melhor viagem da minha vida, tendo como capitão do navio o meu pai. Não era só por ser meu pai que eu o achei um excelente capitão.

 

4 – Como é a vida no mar?

R – A vida no mar tem bons e maus momentos: por exemplo na pesca, é conforme a pescaria.

 

5 – Com que idade iniciou a sua actividade de Capitão?

R – Tinha 30 anos. Foi em 1960, que iniciei a minha actividade de capitão da Marinha Mercante.

 

6 – Indique alguns nomes de navios que tenha comandado.

R – Naveguei em dois tipos de navios: de pesca e comerciais. De pesca: "Avis", "Santa Maria Manuela". Comerciais: "Porto de S. Lourenço".

 

7 – Já alguma vez correu perigo de morte?

R – Perigo de morte, morte, não, mas já passei vários momentos de aflição.

 

8 – A alimentação a bordo de um navio era boa?

R – A alimentação não era assim tão má para os capitães, pilotos, etc. Para a tripulação a comida não era tão boa como a dos capitães, porque não tinham fruta.

 

9 – Como ocupava os seus tempos livres?

R – Na pesca não havia muitos tempos livres. Na Marinha Mercante havia mais tempo livre. Na pesca os tempos livres eram ocupados a arranjar os instrumentos de pesca e a descansar.

 

10 – Qual a viagem que mais o marcou?

R – A viagem que mais me marcou foi a minha primeira viagem como capitão, porque tinha várias responsabilidades.

 

11 – Durante uma tempestade sentia-se com medo?

R – Durante uma viagem tempestuosa sentia-me com algum medo, mas normalmente tentava esconder o que sentia, para não assustar os meus colegas e o resto da tripulação.

 

12 – Era verdade que os marinheiros tinham uma namorada em cada porto?

R – Verdade, verdade, não, mas arranjavam-se algumas...

 

13 – Tinha muitas saudades da sua família enquanto viajava?

R – Sim, tinha saudades deles, mas tentava sempre esquecer a minha família para poder assumir as minhas responsabilidades.

 

14 – Como comunicava com os seus parentes durante uma viagem?

R – Eu só podia comunicar com eles por meio de telegramas. / 17 /


15 – Porque é que só iam homens a bordo?

R – As mulheres só podiam ir a bordo como passageiras, e não fazendo parte da tripulação, porque se pensava que era um trabalho muito duro.

 

16 – Qual o género de barcos que aprecia mais? Os modernos ou os antigos? Porquê?

R – Os barcos modernos não são muito mais seguros do que os antigos. Os barcos modernos são muito grandes, mas não têm resistência para tamanho comprimento.

 

            Vitorino Paulo Ramalheira           

Nascido em 29 de Junho de 1929, em Ílhavo, filho e neto de capitães da Marinha Mercante, bisneto dum mestre de cabotagem (viagens costeiras) e trineto dum pescador, todos por linha paterna.

Escola primária em Ílhavo; Liceu de José Estêvão em Aveiro no 1.º e 2.º ciclo (sexto ano); curso elementar de Pilotagem (2 anos) na escola Náutica em Lisboa.

Primeiro embarque com 19 anos como 3.º piloto no navio "Horta" da Companhia de Navegação Carregadores Açorianos até 1950, com viagens na linha da América do Norte entre Hamburgo e Nova Iorque, escalando em diversos portos da Europa, do continente, da Madeira e dos Açores.

Em 1951 fez uma viagem no navio-hospital "Gil Eannes", de assistência à frota bacalhoeira, cujo capitão, João P. Ramalheira, era seu Pai, um experiente oficial que por sua vez tinha feito entre 1932 e 1943, 12 campanhas à pesca do bacalhau como capitão dos lugres Gamo, Creoula e Argus.

Em 1952 e 1953 viagem como Piloto nos navios bacalhoeiros Elisabete e Capitão João Vilarinho.

Casamento em 1953 em Vagos com Maria Angelina Rocha de Oliveira.

Entre 1951 e 1959, viagens como imediato no lugre "Condestável" e em 1960 fez a sua estreia como capitão do bacalhau no Lugre Avis, no qual fez 6 viagens, na última das quais o navio se perdeu devido a incêndio.

Em 1968 foi-lhe passada a carta de Capitão da Marinha Mercante depois de completadas as derrotas necessárias (horas de navegação), tendo feito os exames do Curso Complementar em 1962 na escola Náutica de Lisboa.

Feitas mais 3 viagens como capitão na pesca do bacalhau no Lugre Santa Maria Manuela e outra no navio Capitão João Vilarinho, voltou à Marinha Mercante em 1970, fazendo viagens ao Golfo Pérsico e Moçambique nos navios tanques Larouco (80.000 ton.) e Cercal respectivamente.

Em 1971, campanha de pesca na África do Sul no arrastão "Altair" como imediato; em 1972 fazendo parte dos quadros da Empresa lnsulana de Navegação, embarcou no cargueiro "Roçadas", que passou a comandar interinamente em 1973 até 1976 – com um interregno em 1974 na carreira da América do Norte, no porta contentores "Maurício de Oliveira”. O navio "Roçadas" fazia viagens entre Hamburgo (e portos do Norte da Europa) e Moçambique, com escalas em Portugal, Angola e África do Sul; entre 1977 e 1978, viagens na linha do Brasil e Argentina no navio "Muxima"; em 1979 e 1980, porta contentores "Rodrigues Cabrilho”, na linha do Norte da Europa (Londres e Roterdão); em 1971 embarque como "sobre-carga" (representante do armador) no navio norueguês "Hirma”, fretado pela C.T.M. (nascida da fusão entre a lnsulana e a Colonial) para a linha dos Açores; finalmente em 1982, viagens para a Madeira no navio "Ponta de São Lourenço” / 19 /

Reformado em 1983...

Factos relevantes na sua vida:

1.º – Embarque como Piloto no "Horta", aos 19 anos.

2.º – Viagem de 7 meses no navio-hospital "Gil Eannes", uma viagem memorável com o Pai, em 1951.

3.º – A primeira viagem ao bacalhau no "Elisabete".

4.º – A primeira viagem de capitão no "Avis", um belíssimo lugre de 4 mastros, viagem em que a estrelinha das sorte sempre o acompanhou.

5.º – A perda do navio em 1965, o facto mais triste da sua vida no mar.

6.º – O primeiro comando num grande navio de carga – o "Roçadas", de 21.500 toneladas em 1973 numa viagem ao Norte da Europa se feita comparação com o "Aviz" (600 t.).

7.º – A fuga emocionante de Moçâmedes, depois duma ocupação militar do navio (pelas tropas da Unita e da F.N.L.A, durante a guerra civil de Angola), em 1974, no dia 28 de Dezembro, às duas da manhã, com o navio totalmente às escuras, durante as manobras e largada do cais.
 

 

Página anterior Índice de conteúdos Página seguinte

págs. 17 a 19