ENTREVISTA AO
CAPITÃO RAMALHEIRA
1 – De onde veio esse gosto pelo mar?
R– Este meu gosto veio de família, passando de
geração para geração e, ao que parece, acabou em mim.
2 – Indique-nos um navio onde tenha navegado.
R – Andei dois anos num navio de nome "Horta",
que pertencia à ilha dos Açores.
3 – Diga-nos qual foi a melhor viagem da sua
vida.
R – A viagem no navio hospital Gil Eanes foi a
melhor viagem da minha vida, tendo como capitão do navio o meu
pai. Não era só por ser meu pai que eu o achei um excelente
capitão.
4 – Como é a vida no mar?
R – A vida no mar tem bons e maus momentos: por
exemplo na pesca, é conforme a pescaria.
5 – Com que idade iniciou a sua actividade de
Capitão?
R – Tinha 30 anos. Foi em 1960, que iniciei a
minha actividade de capitão da Marinha Mercante.
6 – Indique alguns nomes de navios que tenha
comandado.
R – Naveguei em dois tipos de navios: de pesca e
comerciais. De pesca: "Avis", "Santa Maria Manuela". Comerciais:
"Porto de S. Lourenço".
7 – Já alguma vez correu perigo de morte?
R – Perigo de morte, morte, não, mas já passei
vários momentos de aflição.
8 – A alimentação a bordo de um navio era boa?
R – A alimentação não era assim tão má para os
capitães, pilotos, etc. Para a tripulação a comida não era tão
boa como a dos capitães, porque não tinham fruta.
9 – Como ocupava os seus tempos livres?
R – Na pesca não havia muitos tempos livres. Na
Marinha Mercante havia mais tempo livre. Na pesca os tempos
livres eram ocupados a arranjar os instrumentos de pesca e a
descansar.
10 – Qual a viagem que mais o marcou?
R – A viagem que mais me marcou foi a minha
primeira viagem como capitão, porque tinha várias
responsabilidades.
11 – Durante uma tempestade sentia-se com medo?
R – Durante uma viagem tempestuosa sentia-me com
algum medo, mas normalmente tentava esconder o que sentia, para
não assustar os meus colegas e o resto da tripulação.
12 – Era verdade que os marinheiros tinham uma
namorada em cada porto?
R – Verdade, verdade, não, mas arranjavam-se
algumas...
13 – Tinha muitas saudades da sua família
enquanto viajava?
R – Sim, tinha saudades deles, mas tentava sempre
esquecer a minha família para poder assumir as minhas
responsabilidades.
14 – Como comunicava com os seus parentes durante
uma viagem?
R – Eu só podia comunicar com eles por meio de
telegramas.
/ 17 /
15 – Porque é que só iam homens a bordo?
R – As mulheres só podiam ir a bordo como
passageiras, e não fazendo parte da tripulação, porque se
pensava que era um trabalho muito duro.
16 – Qual o género de barcos que aprecia mais? Os
modernos ou os antigos? Porquê?
R – Os barcos modernos não são muito mais seguros
do que os antigos. Os barcos modernos são muito grandes, mas não
têm resistência para tamanho comprimento.
Vitorino Paulo Ramalheira
Nascido em 29 de Junho de 1929, em Ílhavo, filho
e neto de capitães da Marinha Mercante, bisneto dum mestre de
cabotagem (viagens costeiras) e trineto dum pescador, todos por
linha paterna.
Escola primária em Ílhavo; Liceu de José Estêvão
em Aveiro no 1.º e 2.º ciclo (sexto ano); curso elementar de
Pilotagem (2 anos) na escola Náutica em Lisboa.
Primeiro embarque com 19 anos como 3.º piloto no
navio "Horta" da Companhia de Navegação Carregadores Açorianos
até 1950, com viagens na linha da América do Norte entre
Hamburgo e Nova Iorque, escalando em diversos portos da Europa,
do continente, da Madeira e dos Açores.
Em 1951 fez uma viagem no navio-hospital "Gil
Eannes", de assistência à frota bacalhoeira, cujo capitão, João
P. Ramalheira, era seu Pai, um experiente oficial que por sua
vez tinha feito entre 1932 e 1943, 12 campanhas à pesca do
bacalhau como capitão dos lugres Gamo, Creoula e Argus.
Em 1952 e 1953 viagem como Piloto nos navios
bacalhoeiros Elisabete e Capitão João Vilarinho.
Casamento em 1953 em Vagos com Maria Angelina
Rocha de Oliveira.
Entre 1951 e 1959, viagens como imediato no lugre
"Condestável" e em 1960 fez a sua estreia como capitão do
bacalhau no Lugre Avis, no qual fez 6 viagens, na última das
quais o navio se perdeu devido a incêndio.
Em 1968 foi-lhe passada a carta de Capitão da
Marinha Mercante depois de completadas as derrotas
necessárias (horas de navegação), tendo feito os exames do
Curso Complementar em 1962 na escola Náutica de Lisboa.
Feitas mais 3 viagens como capitão na pesca do
bacalhau no Lugre Santa Maria Manuela e outra no navio Capitão
João Vilarinho, voltou à Marinha Mercante em 1970, fazendo
viagens ao Golfo Pérsico e Moçambique nos navios tanques Larouco
(80.000 ton.) e Cercal respectivamente.
Em 1971, campanha de pesca na África do Sul no
arrastão "Altair" como imediato; em 1972 fazendo parte dos
quadros da Empresa lnsulana de Navegação, embarcou no cargueiro
"Roçadas", que passou a comandar interinamente em 1973 até 1976
– com um interregno em 1974 na carreira da América do Norte, no
porta contentores "Maurício de Oliveira”. O navio "Roçadas"
fazia viagens entre Hamburgo (e portos do Norte da Europa) e
Moçambique, com escalas em Portugal, Angola e África do Sul;
entre 1977 e 1978, viagens na linha do Brasil e Argentina no
navio "Muxima"; em 1979 e 1980, porta contentores "Rodrigues
Cabrilho”, na linha do Norte da Europa (Londres e Roterdão); em
1971 embarque como "sobre-carga" (representante do armador) no
navio norueguês "Hirma”, fretado pela C.T.M. (nascida da fusão
entre a lnsulana e a Colonial) para a linha dos Açores;
finalmente em 1982, viagens para a Madeira no navio "Ponta de
São Lourenço”
/ 19 /
Reformado em 1983...
Factos relevantes na sua vida:
1.º – Embarque como Piloto no "Horta", aos 19
anos.
2.º – Viagem de 7 meses no navio-hospital "Gil
Eannes", uma viagem memorável com o Pai, em 1951.
3.º – A primeira viagem ao bacalhau no
"Elisabete".
4.º – A primeira viagem de capitão no "Avis", um
belíssimo lugre de 4 mastros, viagem em que a estrelinha das
sorte sempre o acompanhou.
5.º – A perda do navio em 1965, o facto mais
triste da sua vida no mar.
6.º – O primeiro comando num grande
navio de
carga – o "Roçadas", de 21.500 toneladas em 1973 numa viagem ao
Norte da Europa se feita comparação com o "Aviz" (600 t.).
7.º – A fuga emocionante de Moçâmedes, depois
duma ocupação militar do navio (pelas tropas da Unita e da
F.N.L.A, durante a guerra civil de Angola), em 1974, no dia 28
de Dezembro, às duas da manhã, com o navio totalmente às
escuras, durante as manobras e largada do cais.
■
|